domingo, dezembro 26, 2004

mensagens erradas

Não há nada que me apeteça mais, nestes dias, do que desligar o telemóvel. Não tenho muita paciência para o “bom natal” de boca vazia e ouvido na radiação. O que me dá prazer, isso sim, é no dia seguinte ouvir ou ler as mensagens e perceber que aquelas que gosto mais, não eram decerto dirigidas a mim.

sexta-feira, dezembro 24, 2004

Poemails

[Vais-me desculpar: um poemazinho ou outro, lá de quando em vez, tudo bem. Mas isto começa a ser insuportável... Tantas coisas a acontecer em Portugal e no mundo, tantas coisas decisivas, fundamentais - e tu a dar-lhe com «os pássaros do outono», «as mãos das mulheres a mexer indiferentes na água fresca dos púcaros», «o silêncio das manhãs crescendo no interior dos retratos antigos»... Desculpa, mas não há pachorra...]. Confesso a imensa saudade desta verve crítica permeada de beleza literária.

quinta-feira, dezembro 23, 2004

...o ar generalizado de mediocridade...

«Não deve ser do Natal, é do ar generalizado de mediocridade que se respira e da convicção cada vez mais arreigada no eleitorado que pouco mudará nas políticas a curto prazo e não haverá políticas a mais nenhum prazo - ou seja, o que há de fundo para mudar continuará intangível». José Pacheco Pereira, no «Público» de hoje.

REPROGRAMAR FARO, CAPITAL NACIONAL DA CULTURA, 2005

(publicado, hoje, no jornal «barlavento»)

Nove milhões e meio de euros é muita nota. Tanta, que merece mais umas pequenas notas a acrescentar ao orçamento de Faro, Capital Nacional da Cultura 2005. Uma missão que, disse em tempos o secretário de estado dos bens culturais, iria transformar a face do Algarve. Declarações megalómanas para quem nada conhece do Algarve e por estes dias vive os seus últimos dias de gestão corrente. Aliás, nunca vi nenhuma campanha que mexesse fundo nas estruturas culturais. Bem, só a célebre campanha do trigo de Salazar, nos anos 30 e 40 do século passado. Mas essa destruiu os solos das florestas e das sementeiras, de outras culturas. No mesmo sentido, esta é criada de cima para baixo. Lisboa decide e Faro alinha, quando ainda marcava a agenda cultural no Algarve. Mas isso foi há tempos e em anterior gestão. Projecta um teatro municipal, que já vem do tempo do ministro Carrilho, que parece ser a nossa senhora do programa da capital da cultura, uma santa Engrácia que nunca mais fica pronta. A cidade arma-se toda, convoca a Santa Maria de Faro para imagem de marca, mas esquece os agentes culturais [já disse que sempre preferi a expressão actores] que há muito desenvolvem um trabalho estrutural em pesquisa e produção cultural. Sem dinâmica cultural, o município que governa a cidade, é como aquele jovem rei que não pode e menos sabe governar e convoca para seu regente alguém de outro reino. Os programadores culturais são prova disso: Jorge Queirós nas artes plásticas; Luísa Taveira na dança; Miguel Abreu no teatro; a Universidade do Algarve e Pedro Ferré na literatura; ninguém na música, nem música nos dão. Conhecem? Eu também não! Eu, a pensar, na minha “ingenuidade provinciana”, nos nomes de Manuel Batista, António Laginha, José Louro, Nuno Júdice, pela mesma ordem de funções; e para a música José Eduardo. Qual quê! Programar Faro, Capital da Cultura, com algarvios, ainda por cima competentes, seria “saloice” a mais [Lisboa dixit], nada melhor do que descentralizar comissários da capital, a verdadeira, como se fez com os secretários de estado há uns meses, lembram-se? Por isso dou por mim a pensar: será que vai acontecer à Comissão de Faro, Capital Nacional da Cultura, o mesmo que aconteceu ao governo, ou ela antecipa-se?

[Nota: depois da escrita deste texto, vim a saber, via «Expresso», que aos nomes dos programadores foi acrescentado o de Anabela Moutinho, no cinema e de Luís Madureira, na música. Portanto, nada do que afirmo no texto é posto em causa].

TPCs

Em tempo de férias e trabalhos para casa:
«Esta tendência para «imbecilizar» as crianças – que não é mais do que uma forma de menosprezar e desvalorizar as suas reais capacidades - vem de longe e continua presente em muitas discussões sobre o «ensino». Repare-se no mais recente caso, ou no mais recente anátema, que meia dúzia de pedopsicólogos e pedadogos acaba de lançar à liça: os «trabalhos para casa», vulgo TPC’s». McGuffin no contra a corrente.

quarta-feira, dezembro 22, 2004

Simonia, bucolismo e conga irlandesa

«Toda pessoa de alguma inteligência sofre de anglofilia, nada contra o Brasil. Tentei a ironia, quando criança, e as pessoas achavam que eu estava engasgando, nunca mais. Em síntese: simonia, bucolismo e conga irlandesa». Dante, em entrevista à «Folha».

Recortes de jornais

Só hoje encontro e leio o meu texto publicado no jornal «Público» e recorto-o lembrando algumas das suas palavras: «Portanto, uma espécie de pró-governo regional, que reivindica poderes e lugares, numa altura em que as portagens não existem e muito antes de os protestos terem cabimento, ou seja em 2005, ou 2006. Mas tem sentido ganhar apoios agora, para jogar depois». Escrevi isto a 14 de Novembro e o jornal publicou a 19. Depois disso, o presidente dissolveu o parlamento e decidiu a convocação de eleições antecipadas; a comissão contra as portagens no algarve diz-se atenta; o governo enterra-se num crash inédito em Portugal. Há momentos em que não sabemos se devemos ficar contentes ou tristes por termos tido razão.

O grau zero da política

José Luís Peixoto questiona o grau menos que zero dos comportamentos oposicionistas dos eleitores, a propósito da contestação à co-incineração, já defendida pelo putativo candidato a primeiro-ministro. No algarve, também está em banho-maria a contestação às putativas portagens da via do infante. A oposição já não se faz às práticas da política mas sim às intenções de candidatos. Contesta-se o futuro, no presente que já é passado.

A mulher de César

Ao ler este post, lembrei-me do texto de La Defensora del Lector do jornal «EL PAÍS» que, a propósito de "El 'caso Echevarría'", afirma isto: «La credibilidad es dificil de alcanzar, pero se pierde con facilidad. Y ya se sabe que la mujer del César no sólo tiene que ser honrada, sino también parecerlo» [19/12/04]. Uma nova versão mas uma versão correcta, que Teresa Caeiro não sabe.

Xenofobia ou etnocentrismo

Ontem, na Sic, enquanto Rodrigo Guedes de Carvalho lia a notícia, o título de rodapé dizia: «Portugueses maltratados em Espanha». O que o leitor subentende? O contrário daquilo que a notícia, realmente, expressava: um empreiteiro português (Medeiros & Medeiros, aqui escarrapachado para ter vergonha na cara) mantém trabalhadores portugueses, em condições miseráveis em Castro Marim e não lhes paga os salários há quatro meses, devidos pelo trabalho que efectuam num empreendimento habitacional em Ayamonte, Espanha. Conclusão: maltratados em Portugal por portugueses! O que é que Espanha tem a ver com isto? Os jornalistas deveriam ter mais cuidado com esta tendência para a xenofobia. Ou é o etnocentrismo a funcionar?

segunda-feira, dezembro 20, 2004

Um contrasenso brazuca

Que raio, um blogue com o mesmo nome, do outro lado do Atlântico?!

O veneno como arma política

Toda a gente fala do golpe político que constituiu o envenenamento do líder ucraniano Yuschenko. Muita gente já esqueceu a mesma suspeita a propósito do líder palestino Yasser Arafat. Não mais do que motivos ideológicos estão por detrás desta ambiguidade de visões. Hoje, uma investigação do «El País» refere: «El veneno también es un arma del nuevo siglo (...). Dos sucesos recientes lo ponen de manifiesto. Por un lado, las sospechas todavía vigentes sobre la muerte del líder palestino Yasir Arafat. Por el otro, las evidencias del trato dispensado al líder opositor ucranio Víktor Yúshenko...». Um pequeno ensaio sobre as técnicas, apuradas, da morte por envenenamento, ao longo da história.

domingo, dezembro 19, 2004

Antígona

«Que muralha é essa, que não é capaz de impedir o mal que dentro de si se engendra?» pergunta Corifeu a Creonte, depois deste afirmar que a lei é a muralha contra os inimigos que não a respeitam. Da peça de Sófocles, “Antígona”.

Os papões dos livros

«Portugal inteiro deixou de olhar o escuro. Deixou que o medo ridículo de papões se sobrepusesse à curiosidade de os ver, deixou que o sono viesse rápido, rápido demais, antes de ter tempo de sentir inquietude. Porque Portugal inteiro não quer sentir inquietude nem curiosidade. Portugal, rezam os estudos, opina que nada mais tem a aprender. Está bem assim, obrigado». Rui Ângelo Araújo, a propósito do desaparecimento da revista “Os Meus Livros”, no último número da revista “Periférica”.

sexta-feira, dezembro 17, 2004

Tango

Em “Tango”, Corto Maltese vive, angelical e educado, entre a Buenos Aires de pistola na mão - incólume a tiros e mortes - e a estação de Borges, sonhando acordado com as duas luas de Junho.

Um tráfego de "machos"

PROTESTO. «Não vi nenhuma feminista protestar. Protestam contra letra de música, palavra de dicionários, clubes e colégios exclusivos pra homens, exigem mesmo, e conseguem, o direito de entrar em banheiro de atletas (eta-ferro). Mas até hoje não vi o menor protesto contra o boneco que sinaliza o Pare ou Avance, Wait ou Walk, do tráfego. Em toda parte do mundo a permissão ou a interdição de tráfego pedestre são indicadas sempre por um bonequinh0 – um macho. PRONTO, PRA QUE QUEU FUI FALAR?». O velho Millôr Fernandes, na última revista “Veja”.

Os sonhos dos blogues

A bloguice toma conta de nós, de tal maneira que vimos tudo à volta com cara de post. Sonhamos e acordamos com posts escritos na cabeça. O pior é quando não temos tempo para sonhar...Bom regresso!

Titis da literatura

«Oh, como são sérias essas Titis da literatura. Note que de fato preferem autores da Europa Central, e que a literatura anglo-saxã lhes mete um nojinho qualquer – é muito simples, muito macha, tem demasiado humor. É claro que Kafka tem humor (não sejam tão rudes a ponto de me informar isso assim na minha cara), mas não é exatamente isso que eles procuram em Kafka. No fundo gostam mesmo da Europa Central porque todos os romances de lá têm uns campinhos de concentração no meio, e estão cheios de uns exemplos de sofrimento sublime». Alexandre Soares Silva na sua coluna da revista "Semana 3".

quinta-feira, dezembro 16, 2004

Setembrino

Um dos poucos prazeres do caderno “Actual” do «Expresso» é a crónica de Luís Fernando Veríssimo, “Do lado de lá”. Do Brasil, entenda-se. Na linha de um humor corrosivo, mas certeiro, às vezes brejeiro, mas sempre educado, dá gosto ler as pequenas histórias do autor. Há semanas atrás, três pequenos contos fizeram o deleite de quem os leu. O último, um microconto intitulado “Monograma”, reza assim:
«Quando Setembrino chegou em casa, encontrou um homem vestindo o seu robe de chambre com o “S” bordado e abraçado à sua mulher no sofá da sala.
- Setembrino!- gritou a mulher, pulando do sofá.
- Setembrino... – disse o homem, alisando o monograma. – Esse eu nunca ia adivinhar. Pensei em Sérgio, Saul, Salviano...».
De estalo, não? Se gosta de contos, micro também, leia esta revista online, do lado de lá, mas também com gente de cá!

Mainardi

Corri, hoje, seca e meca para comprar a «Veja» e ler a coluna de Diogo Mainardi. Resultado: «Tem gente que me acusa de falar mal o tempo todo e de não propor soluções para melhorar o país. Acaba de ficar provado que eu sou melhor quando não proponho soluções». Como não está disponível online, deixo aqui a entrevista de Mainardi à «Semana 3».

quarta-feira, dezembro 15, 2004

Jornalismo, política e independências

O debate sobre a deontologia dos jornalistas não está a cair bem no estômago de alguns. Se é verdade que um jornalista não tem interditos nos seus direitos políticos, misturar ambas as coisas interdita-lhe a independência. E essa não deve ser esquecida por nada deste mundo. Senão estaremos entregues à bicharada.

O poder por um prato de sondagens

«Se acreditássemos em sondagens já tínhamos mudado de vida». Estas foram algumas das palavras de paulo portas proferidas na conferência de imprensa em que psd e pp declararam, cada um a seu tempo, ir concorrer separados às eleições legislativas do próximo dia 20 de fevereiro. Esta frase merece ser explorada, por aquilo que ela tem de razão implícita que explica estas mais que explícitas palavras. Ambos os partidos passaram a semana, primeiro separados e depois juntos, a fazer contas e facilmente chegaram a várias conclusões: i) separados podem obter mais votos, porque muita gente do psd [inclusive militantes e dirigentes] não toleram esta aliança com o pp; ii) esse efeito, retiraria muitos votos do centro político-eleitoral; iii) assim, podem bipolarizar uma área política de direita, contra uma esquerda que teima em não convergir [veja-se a pressa do ps em descartar um acordo pré-eleitoral com o bloco e a correr com o pc para margens radicais; iv) ao assinarem um acordo pós-eleitoral mostram que querem continuar a pretender o poder a todo o custo, mesmo à custa da tramóia dos eleitores; v) afinal a principal preocupação dos partidos da maioria de direita foi mesmo as sondagens. Que conclusões podemos tirar? A primeira é a de que eles acreditam mesmo em sondagens e dão-nas por adquiridas e decisivas. A segunda é que acreditando em sondagens, mentem, ao não mudarem de vida. Ainda, lembro que o sorrisinho malandro de santana, no momento em que portas expressava a frase citada acima, mostrava que se estava a recordar que ambos, ele primeiro e depois portas, dirigiram o centro de sondagens da "amostra", empresa da universidade moderna que tanto brado deu. O futuro augura-se sorridente para este acordo, a avaliar pelas sondagens!

Quem acredita em sondagens muda de vida

Depois das palavras de santana lopes e paulo portas, há momentos, só posso usar outras palavras, as de Hugo Pratt na boca de Corto Maltese, em “Tango”: «...afinal quem sou eu para julgar os outros? Tenho apenas uma antipatia inata pelos censores e pelos puritanos, embora sejam os redentores que mais me incomodam».

terça-feira, dezembro 14, 2004

Canas de Senhorim e Quarteira

Canas de Senhorim volta a manifestar-se contra a saída de urânio da sua terra, lutando pela aprovação do seu concelho. O que aconteceria se, pelos mesmos motivos, os quarteirenses impedissem o peixe de ser vendido em Loulé, ou os louletanos de se banharem nas suas águas?

Os colunistas independentes

Pedro Mexia, na sua coluna: «Um colunista independente tem, como toda a gente, as suas convicções. Não precisa de se proclamar um abstencionista para que o respeitem. Mas não é fantoche de nada nem de ninguém». Vale a pena lê-la online ou mais logo em papel de jornal, até porque conta com uma ilustração magnífica do José Carlos Fernandes.

Peixinhos da horta

O Ma-Schamba visitou-me, mesmo no dia do seu aniversário, para jantar umas lulas recheadas. Parabéns, por este ano na blogosfera em língua portuguesa. Continuarei a ler esta escrita quase cifrada, mas no âmago da pele, iniciática mas quente, do JPT.

Eram lulas "recheadas"

A minha mãe fazia, como ninguém, lulas cheias, era assim que se apelidavam em Portimão. Cheias dos restos dos tentáculos, arroz grossinho e bocadinhos de chouriço, bem calcadas até ao limite da lula, que um pequeno palito cosia, para depois cozer em lume brando, num saboroso refogado de tomate apaparicado de cravo de cabecinha. As do Café Correia, em Vila do Bispo, não desmerecem. Mas o que me veio à boca, mesmo, ao ler o post de JPT, foi o arroz de peixe, que o Correia traz à mesa. O melhor é não dizer mais nada.

sábado, dezembro 11, 2004

A ética da investigação

Anda uma pessoa a ensinar aos alunos que qualquer trabalho de investigação, de cariz académico, deve respeitar as suas fontes, de forma ética, e depois dá com isto: um tribunal condena um jornalista de investigação a 11 meses de prisão por se recusar a revelar uma das suas fontes. Ler mais aqui!

Uma desgraça

nunca vem só, diz o povo. Ou ainda, desgraça atrai desgraça. Estes axiomas poderiam aplicar-se a santana lopes, primeiro ministro não-eleito, por ora demitido e agora objecto de investigação enquanto ex-presidente da câmara da Figueira da Foz, por suspeitas de procedimentos administrativos ilegais.

sexta-feira, dezembro 10, 2004

Moita carrasco

Um tal de rodrigo moita de deus goza com o nome do responsável da comissão de trabalhadores da Bombardier, a propósito das suas declarações sobre a propalada negociação com vista ao fabrico de viaturas militares nas antigas instalações da empresa. O seu nome é antónio tremoço o que permite a rmd intitular, de forma arrogante e sobranceira, o seu post de “Por um prato de tremoços”. Acho que vale a pena retorquir-lhe e dizer: bajula o ministro da defesa e as suas aldrabices populistas e depois como todo o vaidoso, Moita carrasco!.

O blogue da Bombardier

Acidentalmente acabo de descobrir o blogue da Bombardier. Ou será o do PP? Não, talvez seja o do gabinete do ministro da defesa!

A "vendetta"

É impressão minha ou os blogues laranja andam todos de beicinho caído e vendetta na ponta da pena?

quinta-feira, dezembro 09, 2004

A birra

O presidente resolve dissolver o parlamento e com ele o governo que, por eleições, dali saiu sustentado. O líder parlamentar do psd vem à tribuna da assembleia e lesto e lampeiro propõe alterações legislativas que impeçam no futuro o presidente de usar estes poderes: o de dissolver o parlamento. Tal como santana brinca com o governo, guilherme brinca com o parlamento e acha-se ainda jovem para uma birrinha de moço pequeno.

Um pardal cheio de intenção

Sidónio Pardal, arquitecto, coordenou um estudo sobre as reservas, agrícola e ecológica nacionais, e achou que o estado tem permitido um uso incorrecto do uso do solo. Propõe no mesmo estudo a sua gestão pelas autarquias. Sabendo-se a gulodice dos autarcas pelos solos de tipo A e B, normalmente os pertencentes à ran e à ren, imagina-se facilmente a depradação desses solos com vista à instalação de campos de golfe, pedreiras, urbanizações de luxo e condomínios privados. O ministro do ambiente não aprovou o estudo, escandaloso como era, e propõe o que já acontecia [mesmo assim ainda mal]: que sejam os planos directores municipais da responsabilidade das autarquias e de organismos do planeamento, a definir o uso dos solos. Do mal o menos.

sábado, dezembro 04, 2004

AS MULHERES NO SISTEMA POLÍTICO

O processo de constituição das listas para as eleições é, habitualmente, uma representação plena de qual o papel feminino na vida social e política. Os arranjos das últimas listas para as eleições de 20 de Fevereiro mostraram, mais uma vez, a hegemonia masculina dos partidos políticos e em especial dos seus aparelhos nacionais e regionais. A conversa veio à baila com a lista do PS em Coimbra e sobretudo com a decisão de colocar Matilde Sousa Franco (MSF) no primeiro lugar da lista. Muita coisa se escreveu sobre o assunto. Destaco apenas uma opinião:
«Parece-me uma péssima escolha. Não retirando os méritos da Sr.ª, que são muitos, continuando a considerá-la, como considero, uma mulher de fibra e de elevado sentido de estado, não posso deixar de achar que a sua candidatura, para mais como cabeça de lista (aceitaria com mais facilidade um local elegível mas de menor visibilidade), soa demais a uma vontade bacoca de "surfar" a onda de popularidade que ela, pelo braço do falecido Prof. Sousa Franco, seu marido, foi angariando. Ora eu sou contra explorar vivos e muito mais contra explorar mortos que mereciam outro respeito. É o caso».
As razões aduzidas no texto podem ter sido os pressupostos para o PS escolher MSF para o lugar referido, mas isso só penaliza a visão do PS. Aliás, só neste sentido se entende que Helena Roseta, bastonária da Ordem dos Arquitectos tenha sido preterida e Sónia Fertuzinhos, presidente das Mulheres Socialistas, tenha sido relegada para 12º lugar em Braga. Terá sido por esta militante ser a cara socialista da luta pela descriminalização do aborto? Parece que sim, porque o PS de Sócrates impôs, em sua troca - mas no 3º lugar e assim potencialmente elegível -, uma tal de Teresa Venda do Movimento Humanismo e Democracia, nem mais, uma militante defensora das penalizações a mulheres que abortaram. Também no Algarve o PS, bem como o PSD, não deixam as mulheres acima das fronteiras do elegível. Bem diferente do nosso país vizinho em que o governo de Zapatero conta com oito ministras, o mesmo número de homens da equipa, num país assumido como “a nação do machismo e a reserva católica do Ocidente” como refere Lola Galán. Mas aqui ao lado é outra loiça, até porque as medidas paradigmáticas do PSOE no governo, foram a proposta de legalização dos casamentos homossexuais e o combate à violência de género. Esta matéria, aliás, foi motivo para a criação de uma disciplina obrigatória no secundárioo dedicada à igualdade entre os sexos. Em Portugal, como se sabe, a educação sexual nas escolas é letra morta há muito tempo nas práticas dos últimos governos. Na verdade, as matrizes operárias e trabalhistas do PSOE têm permitido a assunção de medidas verdadeiramente inovadoras na governação moderna, enquanto que em Portugal apenas se espera a permanência do status quo, num PS ainda marcado pela sua formação tecnocrática, sem raízes populares.
Mas as razões do texto citado acima (e que expressam o ponto de vista do autor) não deixam de ser puramente machistas. Considerar que uma mulher cavalga a “onda de popularidade” do marido, significa duas coisas: uma, que o autor não conhece o percurso de Matilde Sousa Franco; duas, que ele considera que nos papéis sociais de género, quem constrói a onda é sempre o homem, não percebendo o papel de suporte colectivo que a mulher representa, uma rectaguarda decisiva para o percurso de qualquer homem, tal como no caso referido. Situação que o próprio Sousa Franco reconhecia. Como muito bem afirma Anna Farré «Os homens têm podido ocupar espaços de poder porque têm disposto do apoio de uma estrutura familiar de afecto, cuidado e estabilidade, que actua como um descanso do guerreiro, potenciadora e tranquilizante, que lhes permite dedicar toda a sua energia e entusiasmo à tarefa a que se aplicam».
Mas alguns dados em Portugal vêm trazendo novidades: somos o país europeu com mais mulheres na investigação científica e só somos utrapassados pela Itália em número de mulheres doutoradas na Europa. Estas dinâmicas poderão permitir um crescente papel das mulheres nas esferas profissional e social e empurrar para o sistema político uma dinâmica de escolha baseada na competência e afirmação de género. Nessa altura não será preciso propagandear as quotas de mulheres nas listas, mantendo a hegemonia masculina nos lugares de poder e usando o feminino apenas para compôr o ramalhete, como muito bem salienta Elisabete Rodrigues no jornal «barlavento».

Pai, estou no governo!

A lógica da política agora é esta: o que interessa é governar em alternância, dar a oportunidade a todos, mesmo que para isso se incendeie quem lidera os partidos, ou quem chefia os governos. Essa foi a lógica do PS. Esta é agora a lógica do PSD. Deixar Santana governar, queimá-lo no governo e agora ainda permitir que lance o partido na derrocada final. Depois, é só esperar pelos sebastianistas do quinto império, ou pelos reorganizadores da pátria. Pergunta-se: onde está o espírito nacional? Que interessa isso quando o que interessa são os fugazes momentos de fama em que avisamos os familiares que somos membros do governo. Uma vergonha para os criadores da democracia e para quem ainda acredita nela.

Ora digam lá!

Agora que o governo está a cair, o que vai ser do movimento contra as portagens na via do infante? Prepara-se para lutar pela imposição de portagens durante a vigência do próximo governo? Depois explico!

quarta-feira, dezembro 01, 2004

À espera que caia

Diálogo ouvido à beira do cais, em dia de tempestade:
«O que fazes aí a olhar?»
«Ora, tou à espera que o governo caia»

A Pior Banda do Mundo - volume iv

José Carlos Fernandes é pouco conhecido em Loulé. Também que interessa isso? É mais conhecido em Lisboa! JCF é pouco lido no Algarve. Também que importa isso? É muito lido em Barcelona e em S. Paulo. Se as raízes nos aguentam os pés, de pouco nos servem para quando precisamos de vaguear a alma por esse mundo, um desafio imenso, mesmo que seja um mundo de desenhos. Mas JCF não é, redutoramente, apenas um autor de banda desenhada. Ou melhor, para além de um excelente desenhador, esconde no meio dos desenhos os balões que nos trazem a música, a literatura, a filosofia. E também isso permite que ele seja um dos autores mais premiados em Portugal. E que recentemente tenha ganho mais um prémio, que não vi relatado em lado nenhum. Por estas terras do Algarve, entenda-se! No último Festival Internacional de Banda Desenhada da Amadora voltou a vencer o prémio de “Melhor argumento para álbum português”, com a sua obra «A Grande Enciclopédia do Conhecimento Obsoleto» da série, já premiada, «A Pior Banda do Mundo». Uma obra de futuro que, tenho a certeza, nunca honrará o seu título. Algo que espero, todos esperamos, de José Carlos Fernandes. Parabéns amigo!
(texto completo publicado, hoje, na crónica "Contrasenso", em «A Voz de Loulé»)

Um populista a cair

Há tempos comentava a acepção de “populista” aplicada a Santana Lopes, a propósito de um post de FV, que pretendia defender um conceito que hoje como se sabe tem uma conotação pejorativa. Ora, hoje, aí está uma boa prova disso. Nem sempre o populismo resulta. Ele precisa de um alfobre de condicionalismos vários para fermentar, que no caso presente não existiram e Santana caiu. Apesar de em anterior post revelar a minha incredulidade, a verdade é que parece que Sampaio dissolve o parlamento, não se sabe ainda é para quê o governo. Voltando à questão inicial, gostei de ler o FV que reconhece - com uma mestria e uma dignidade de relevar - o seu desencanto sobre este futuro-ex-primeiro-ministro-não-eleito. A registar, com agrado.

segunda-feira, novembro 29, 2004

A incubadora

A expressão “incubadora”, para caracterizar a prematuridade deste governo, é de um mau gosto a toda a prova, sobretudo expressa pela voz de um p-m. como se estivesse a falar para os seus apaniguados, num qualquer comício eleitoralista. Mostra que Santana para além de não perceber nada de zoologia – como afirmou no Parlamento a F.Louçã – também nada sabe de medicina. Aliás, sobre isto Pacheco Pereira já discorreu de forma sarcástica. Mas a incubadora tem uma outra face da moeda: é que perante esta crise, e com quase toda a gente a referir a necessidade do presidente colocar na ordem do dia a eventual convocação de eleições antecipadas, quase que aposto que Sampaio não vai por aí. E porque sabe que o PS não está preparado para eleições, para governar, portanto. Como lemos, o PS, pela voz de Sócrates, foi o único partido da oposição a não referir eleições antecipadas. Porquê? Porque o PS, na outra face da moeda, também está numa incubadora.

A ciência? Para quê?

Tenho estado nos últimos dias a corrigir uma monografia de licenciatura que versa o diagnóstico das necessidades da freguesia do Ameixial, no concelho de Loulé. O interessante é verificar o desinteresse que os políticos, os que têm responsabilidades na gestão autárquica, manifestam pelos trabalhos sérios que se efectuam nas comunidades em que foram eleitos. Vem isto a propósito de uma entrevista dada pelo presidente da junta de freguesia do Ameixial ao jornal «Carteia» (de 4/11), onde afirma que uma das principais carências é a construção de um polidesportivo para a juventude. Nela afirma: «...seria bom um polidesportivo uma vez que a freguesia tem poucos jovens...». Vale a pena ler o que dizem as alunas autoras da monografia: «Numa freguesia serrana onde tudo se transforma em conversa de café ou em prosa de banco de jardim, quando em contacto com a população o tema recai sobre as associações existentes no Ameixial, as notas vão pouco além do nome de cada uma delas e das acções que desenvolvem. Com o intuito de se focar em linhas certeiras tais referências e aprofundar outras relativamente à origem das estruturas associativas e seus objectivos concretos, foram contactados os respectivos dirigentes assim como alguns sócios. De salientar que as palavras usadas pelos mesmos saem em jeito de rancor e inconformidade com a realidade ameixialense, o que contrasta com a ideia, já generalizada, de que pouco se vai fazer para além do que foi feito ao longo dos últimos vinte anos».

A ler

A propósito da chamada greve aos TPC (Trabalhos Para Casa) vale a pena ler o que escreve Alberto Gonçalves, na sua crónica na revista «Sábado» de 26/11: «Esta espécie de tese alimenta-se de um pressuposto já velho e ainda não extinto: o de que a escola não serve para “impor” regras e conhecimentos aos meninos e às meninas, mas para ajudá-los a exprimirem-se ou, em jargão de reality show, a serem eles próprios.».
[este é um tema para post em próxima oportunidade]

"Temos que nos organizar"

Nos últimos dias tenho visto, quase ad nauseum – para além das histórias do congresso do PCP –, imagens de Jorge Sampaio a gritar nas alocuções que fez na sua visita de dois dias ao Algarve e onde se referiu ao ambiente e aos incêndios florestais, entre outros temas: «Temos que nos organizar, temos que nos organizar...»
Então, Jorge Sampaio já não é o presidente da república?

sábado, novembro 27, 2004

A crítica do criticismo literário

Nos comentários do BdE tenho trocado algumas notas com Fernando Venâncio, a propósito de um post de Luís Rainha sobre os eventuais excessos de criticismo literário de João Pedro George. Este é acusado de criticar iludivelmente através de excertos de frases desadequadas e fora de contexto. Recordo que a crítica às frases de mau gosto e às horríveis metáforas, foi também como começou a crítica aos livros do Lobo Antunes, que hoje anda por aí a ganhar prémios. Facto que apenas constato, pois dele não consigo ler absolutamente nada. Agora sobre João Pedro George: foi delicioso o desmascaramento que fez da chamada coutada literária do «Expresso», certeira e desassombrada crítica num dos últimos números da revista «Periférica». Na última, por agora saída, é Agualusa, que é posto a nú, na sua descarada auto-plagiação, somando páginas e engordando romances. Se eu já pouco gostava dele [disse-o aqui em anteriores posts e em «A Voz de Loulé»], das entrevistas pomposas que deu sobre a universalidade da sua identidade, das viagenzinhas promocionais e de ter especialmente chamado, sobranceiramente, velho a Saramago, aproveitando o ar pós-colonial de estar no Brasil, agora então cai o seu diáfano véu de falso escritor. Por isso, bem vindo JPGeorge!

Psicopatologia dos electrodomésticos

O último número da «Periférica» está cheio de bons textos sobre a outra américa, a latina, pois claro. Do venezuelano Britto García, leio com agrado e deixo aqui um pequeno conto para ler na cozinha:
«3. A placa eléctrica inspira sempre a desconfiança de que aquilo não pode aquecer porque não se vê chama. Às vezes mostra uns números vermelhos como os das bombas- relógio, às vezes um círculo rosado que mais parece um efeito especial do que um fogão, e que o mais que pode aspirar é electrocutar o cozido.»
[Luís Britto García in “Psicopatologia dos electrodomésticos”, revista «Periférica» nº 11. Apenas um dos seus contos pode ser lido, online, no site da revista].

sexta-feira, novembro 26, 2004

Media e (e)media

O primeiro caderno do jornal vai contar ainda com a opinião de Daniel Oliveira, um dos autores do Blogue de Esquerda. A autora do blogue Bomba Inteligente, Carla Quevedo, também terá uma coluna de opinião na revista Única, publicada como suplemento do «Expresso».” [ler artigo completo aqui]
Antes a escrita fez-se nos jornais para seguir para os blogues. Hoje o seu caminho é ao contrário. Os autores de blogues caminham a passos largos para os jornais. É a revolução da blogosfera: o imediatizado a tomar o lugar do mediatizado. O pior é que os jornais percebem isto e pagam o regresso ao tempo que já passou.

O gato azul e o gato cor de laranja

Era uma vez dois gatos. Um era azul e o outro era cor de laranja. Naquele dia encontraram-se e ficaram muito espantados, por se descobrirem de cores diferentes. Pensavam que todos os gatos eram pretos, ou brancos, ou cinzentos, ou castanhos, mas nunca da cor de cada um deles. Ou mesmo de cor diferente.
Quando se encontraram ficaram amigos, por serem diferentes de todos os outros gatos. E assim combinaram ir para sítios onde pudessem mostrar a todos a sua cor. O gato azul subiu para cima de um telhado muito alto, tão alto que a sua cor se projectava contra o azul do céu, lá ao longe. O gato cor de laranja foi deitar-se sobre uma frondosa laranjeira, carregada de laranjas.
As pessoas que passavam nas ruas e olhavam para o céu azul bem no alto não viam gato nenhum. Às vezes confundiam o gato azul com uma estrela gorda, velha e sem brilho, ou mesmo um estranho planeta de forma muito esquisita. No pomar de laranjeiras, as mulheres que apanhavam laranjas à pressa, para vender na beira da estrada ou no mercado de sábado, costumavam agarrar a cabeça ou o rabo do gato cor de laranja, pensando que ele era uma sumarenta laranja. Os meninos da rua, com fome, ou sede, ou fome de brincadeira, agarravam o coitado do gato e levavam-no à boca, assustando-se de seguida, quando o gato miava ou os arranhava.
Foi por tudo isto, que tornava a vida dos dois amigos gatos num inferno, que eles resolveram trocar de lugar. E no outro dia o gato azul foi para cima da laranjeira e o gato cor de laranja subiu ao telhado mais alto da rua, recortada no céu. Nunca mais foram confundidos com laranjas ou estrelas. E cada um percebeu o seu lugar num mundo onde os gatos são pretos, ou brancos, ou cinzentos, ou castanhos.

[uma história inventada, ontem, para adormecer crianças e escrita hoje, para ser contada com o mesmo fim. Hoje, 25 novembro 2004, tantos anos depois do mesmo dia em que não contava histórias mas tentava descobrir e contar outras histórias numa estrada perdida nesse Algarve. Como o tempo passa...]

quinta-feira, novembro 25, 2004

O Mutts é que salvou esta entrada

Estava aqui a olhar para o ecrã, a pensar do que vos falaria. Se da entrevista do primeiro ministro-não-eleito, se do veto do presidente da república à central de comunicação, se do recuo do PSD a propósito da pergunta para o referendo à constituição europeia, se da remodelação governamental, se do urânio de Canas de Senhorim, se da entrevista de David Grossman ao «Público», e nada. Não me apetecia escrever sobre nada. Quando, de repente, desvio o olhar dou com um livro de banda desenhada sobre os livros e textos de trabalho da tese, que se encontram espalhados na secretária. Acabei de comprá-lo, esta tarde em Faro, depois de ter lido e escrito, aqui, sobre outros livros da série. Sobre ele troquei palavras e sugestões com outro admirador fervoroso. E é assim que este post se constrói. Começo pela contracapa, por onde se deve iniciar sempre o conhecimento de um livro, ver o remate antes do verbo. Ora aí está o que leio:
«Para mim, Mutts é tudo o que uma tira deve ser.» [Charles M. Schulz, criador de Charlie Brown];
«Mutts alegra-me todos os dias. Não só é doce, simples e cómico – o que já é uma combinação rara – é simplesmente a melhor tira que eu conheço (...).» [Matt Groening, criador de “Os Simpsons”].

Pois é, voltando à capa, é o «Mutts» de Patrick McDonnell, 1º volume da série, editado pela Devir, em 2003. Até já, que vou conversar com o cão Earl e o gato Mooch...

quarta-feira, novembro 24, 2004

Ainda as portagens na via do infante

Caro João, é evidente que eu sou contra o pagamento de todos os bens essenciais que deverão pertencer ao serviço público do estado. E por esse motivo também contra o pagamento de portagens. Não só, mas também, pelo facto de cada cidadão pagar, como contribuinte, o imposto de rendimento que deve servir para a prossecução do bem público. Mesmo as empresas, através do IRC (as que pagam), contribuirão para o mesmo. Mas no caso da movimentação contra as portagens na via do infante, o que tento ler são os interesses de um regionalismo autárcico (e devo dizê-lo, também autárquico), veiculado por uma perspectiva familista que se esconde por detrás de movimentações populistas, cujo objectivo não é mais do que o poder. Muitas eleições aproximam-se e a campanha começa agora. Tenho a certeza que as portagens não passarão de putativas e que em 2005 e 2006, este movimento não terá interesse nenhum em defender o mesmo. Vamos ver!

terça-feira, novembro 23, 2004

José Carlos Fernandes

José Carlos Fernandes (JCF) é de Loulé. Nasceu e vive por cá. Mas o que interessa, aqui, não é o facto de ser louletano. Não é só por ser louletano que é o que é. Isso deve-o a outro facto. Exactamente por ser um dos melhores autores de banda desenhada portugueses. E coloco a nacionalidade ali, no fim da frase, para torná-lo universal, pois se dissesse autores portugueses de banda desenhada estava a reduzi-lo a um cantinho que produz já mais BD do que a que é lida em Portugal. Estaria a reduzi-lo a uma escrita nacionalista, ou regionalista, coisa que a sua BD não é nem quer. Basta ler um livro qualquer de JCF para vislumbrar isso: uma visão do mundo, fora dos limites de Vilamoura ou da serra do Caldeirão, onde perpassam Jorge Luís Borges ou Mozart, Laurie Anderson ou Coltrane, o jazz e a filosofia, a monocultura da televisão, ou a veia sanguinolenta dos homens (e das mulheres). Mas são desenhos antitéticos, em que também perpassa a paz, uma flor na mão de um puto que procura algo, um aventureiro que por acaso é marinheiro que por acaso navega em Veneza, uma banda musical que prefere tocar as superfícies do mundo em vez de outras menos arrojadas pautas musicais.

Uma causa nossa também

Parabéns ao Causa Nossa - um dos blogues de leitura diária, aqui na lista de favoritos à esquerda do meu olhar – pelo seu primeiro aniversário.

Earl e Mooch

Earl e Mooch mais que merecem. E nós também.

Celso Furtado

Através de VM soube da morte de Celso Furtado, um economista brasileiro que me habituei a respeitar. Dele li apenas o pequeno livro «O Capitalismo Global», editado em 1999, pela Gradiva. Uma explicação simples, mas segura e sincera das teorias do subdesenvolvimento. Dele, só queria respigar:
«(...) o tripé que sustentou o sistema de poder dos estados nacionais está, evidentemente, abalado, em prejuízo das massas trabalhadoras organizadas e em proveito das empresas que controlam as inovações tecnológicas. Já não existe o equilíbrio garantido no passado pela acção reguladora do poder público. Disso resulta a baixa da participação dos assalariados no rendimento nacional de todos os países, independentemente das taxas de crescimento».
Palavras para quê?

A post-literatura

De como um post sobre a Costa do Marfim - presumivelmente sangrento, piedoso e triste - pode ser inteligente, sensato, correcto, mesmo falando do “humano sangue”. Enfim, a entrada literária de José Luís Peixoto no BdE, que muito se saúda, a acrescentar-se a outras escritas como a do Avis e da Revolta...

sábado, novembro 20, 2004

VPV: um regresso inteligente

O que se passa com Vasco Pulido Valente? Saiba aqui.

Influência ou similitude

O João Delgado escreve um excelente texto sobre as semelhanças entre os romances algarvios e as músicas do médio oriente e da bacia mediterrânica. Refere em particular o romance “O Cativo”, recolhido por Giacometti em Aljezur. Da minha experiência de investigador em Aljezur sempre achei que este romance, bem como outros romances oriundos da gesta medieval, se filiava na explicação das influências árabes em Portugal, designadamente nas regiões mais recônditas. Estudos da obra de Fernando Lopes Graça, muitos deles baseados na empiria de Michel Giacometti [que recolheu este romance], sempre me salientaram outra explicação para o facto: FLG sempre defendeu, ao contrário de "influência", o conceito de "similitude". Eu, só devo concordar com esta excelente tese, porque mais universalista.
Há tempos atrás quando ouvia o romance "Branca Rosa" [recolhido por nós em Aljezur, vinte anos depois de Giacometti ter lá estado], apercebi-me da semelhança das frases melódicas iniciais com um tema da Orquestra Andalusi de Tânger. Era mesmo igual. O que poderia ter acontecido? Nem a informante Adélia Rosado teria conhecimento do tema marroquino nem a Orquestra conheceria a versão cantada de Aljezur! Pensando no assunto, e lendo vários investigadores de etnomusicologia, concordei com a ideia de Graça, sobre "a similitude", provinda de um caldeirão de culturas mediterrânicas que enformaram também a música, na época, e pelo vistos continuam a ter esse efeito.

p.s.: devo agradecer o link que João Delgado colocou para este blogue.

Mutts e Krazy Kat

A propósito de um post de João Pedro Fonseca sobre o tema, recordo que há cerca de um mês li o Mutts II "Cães e Gatos", editado pela Baleia Azul e fiquei deveras surpreendido. Apesar de preferir a BD mais tradicional, baseada na prancha e na narrativa média, as histórias zen (como refere JPCotrim) de McDonnell são de uma inteligência profunda, pela ideia, pela antítese e sobretudo pelo remate humorístico e poético. A elegância gráfica não só vive de um excelente desenho mas também de uma recusa do supérfluo na vinheta; e isso torna a obra incontornável.
p.s.: já agora referir uma obra prima de um autor esquecido e fabuloso: "Krazy Kat" de George Herriman, que pode ser encontrada aqui.

sexta-feira, novembro 19, 2004

A iliteracia dos deputados do PSD e do PS

"Concorda com a Carta de Direitos Fundamentais, a regra das votações por maioria qualificada e o novo quadro institucional da União Europeia, nos termos constantes da Constituição para a Europa?"
É esta a pergunta acordada entre PSD e PS para constar da votação no referendo português sobre a Constituição Europeia. Uma prova da iliteracia e da autarcia dos deputados da maioria com a conivência do PS.

A Cultura Cigana na Escola

(publicado, hoje, no jornal «barlavento»-link indisponível)

A Sic deu e propalou a notícia: na Escola do Ensino Básico da Coca Maravilhas em Portimão, pais de origem cigana entram na escola para bater em duas professoras, após uma repreensão a um dos seus filhos, por motivos de um despique entre alunos. Para dar a dimensão multicultural da escola, a jornalista diz que a mesma tem alunos de 21 etnias, que depois corrige para nacionalidades. Na verdade, sendo verdade a segunda asserção e não a primeira, isso não traz problema nenhum. Ouvida a presidente do conselho executivo, esta diz: “os ciganos têm uma forma própria de funcionar, têm mais solidariedade e pensam que podem fazer justiça pelas suas próprias mãos”. Ora bem, sabemos que a entrada, na escola, de etnias diferentes traz com ela a entrada das suas diferentes culturas, com as quais é preciso lidar de forma intercultural, isto é, negociando as normas inerentes a cada cultura num processo participado por todos. A entrada de alunos de etnias diferentes na escola, designadamente da etnia cigana não deixa à porta da escola os seus traços culturais. Habituados à segregação e cultivando uma cultura baseada na desconfiança do “gadjo” [no não-cigano] e afastados da escola, enquanto marca educativo-cultural dos povos sedentarizados, os alunos ciganos ainda não integraram, no seu mecanismo cognitivo e cultural, os climas fechados, disciplinados e normativos dos espaços educativos. Isso deve entender-se, porque a única maneira de lidar com as diferenças étnicas é perceber as diferenças culturais de cada um. Acresce que esta escola se situa numa complexa área de realojamento habitacional, de uma enorme complexidade, que mostra a guetização dos moradores vindos de áreas degradadas, abandonadas ou destruídas pela industrialização. Afastados dos centros de decisão e por cause, dos centros do poder, a tendência não é só fazer justiça pelas suas próprias mãos, quer seja a justiça cigana ou a justiça lusa; nestes locais fomenta-se a xenofobia e o racismo, muitas vezes estimulado pelos media no seu papel de busca e promoção do reality show, da degradação humana.
Moral da história: quase sempre a xenofobia não está nas nossas declarações de intenção, quase sempre pretendemos afastá-la da nossa prática, mas ela espreita sempre que entra em risco a estabilidade dos “nossos valores” culturais.

quinta-feira, novembro 18, 2004

Revistas pt e br ou br e pt

Literariamente incorrecta, a coluna de Alexandre Soares Silva na «Semana 3». E já agora leia também esta crónica.
Enquanto a «Periférica» não chega a casa, o que fazer senão passear por aqui, de olhos ansiosos.

quarta-feira, novembro 17, 2004

As portagens e a região de excepção [actualizado]

No passado dia 12 decorreu uma manifestação contra as portagens na Via do Infante, no Algarve. Muita gente percorreu a EN 125 para mostrar ao governo que esta estrada não é uma alternativa. Os argumentos são muitos e juntam toda a gente: empresários, sindicatos, hoteleiros, comerciantes, políticos de todas as áreas. Uma espécie de consenso de uma pseudo-região independente, diferente das outras em que se pagam portagens para circular. Portanto uma região em excepção. A nota de descontentamento foi dada pelos empresários de turismo que acharam que assim os turistas não poderiam deslocar-se ao Algarve, coitados, devido ao preço das portagens. Também o comércio, os industriais de construção e todos os outros que vivem à sombra da monocultura do turismo fizeram coro. E assim a corda engrossou. E formou-se uma espécie de governo regional contra as portagens, liderado pela Junta Metropolitana do Algarve e pela Região de Turismo do Algarve. Por razões óbvias, ambos os órgãos, dirigidos por militantes e dirigentes do PSD. Evidente, também o dia escolhido, o mesmo em que o partido maioritário do governo iniciava o congresso de Barcelos. Portanto, uma espécie de pró-governo regional que reivindica poderes e lugares, contra o governo central, numa altura em que as portagens não existem e muito antes de os protestos terem cabimento, ou seja em 2005 ou 2006. Mas tem sentido ganhar apoios agora, para jogar depois. Estranho o regionalismo bacoco de outros, que mostraram a cara na moldura das declarações televisivas: Vitor Neto, antigo militante do PC, ex-secretário do turismo de Guterres e agora dirigente empresarial do NERA; a CGTP e UGT; e ainda o Bloco de Esquerda. Região, a quanto obrigas. O povo, esse não protesta. E não o faz porque não circula de carro; viaja em autocarros e comboios entre os locais de residência e de trabalho e ao fim de semana passeia, a pé, ao pé de casa. Para que se perceba o problema, as portagens na via do infante não devem ser só encaradas na perspectiva regionalista ou familista dos interesses do poder no Algarve. O argumento do turismo é para além disso submisso e oportunista. Eu direi mesmo: se pago portagens em todas as minhas deslocações, fora do Algarve, porque não pagarão aqueles que ao Algarve se deslocam? Outra questão é ainda esta: discute-se o problema da liberdade dos acessos viários e nunca o problema da redução do tráfego. Essa é a verdadeira visão do futuro. A propósito, alguém sabe que há um projecto, na gaveta, para uma ciclovia de VRSA a Sagres?

terça-feira, novembro 16, 2004

Diário III

Um verdadeiro serviço público:
As primeiras páginas do «Diário de Notícias» e do «Jornal de Notícias» não falam da demissão da direcção de informação da RTP! Percebe-se porquê!
Um palácio de balcões sobre Silves:
Via barnabé, encontrei um novo blogue sobre as terras do sul. A seguir.

Diário II

Barcelos, ali ao lado do Porto: Desde sexta-feira que Pacheco Pereira só fala das pedras graníticas do Porto. Até parece que Barcelos fica muito longe.
Demitiu-se a direcção de informação da RTP: o argumento deve ser o pouco trabalho da Alta Autoridade para a Comunicação Social.

Diário

Jacinta e Francisco, primos de Lúcia, guardaram cabras e ovelhas na Cova da Iria. Morreram cedo, pobres, incultos, desencantados. Depois de mortos, são beatos e santos, da igreja e do povo. Pastorear rebanhos é o caminho certo!
Assim vai Faro, capital da cultura: «Faro, Capital Nacional da Cultura 2005 vai custar ao estado nove milhões e meio de euros, mas ainda não tem instalações próprias, programação ou equipa de programadores reunida (...)» [“Actual”-«Expresso», 13 Novembro 2004].
A propósito de um meu post anterior chamo a atenção para esta leitura de Vale de Almeida!

segunda-feira, novembro 15, 2004

A homenagem de Joaquim Magalhães

Escreve-me, de novo, o Dr. José de Sousa Uva, desta vez para me falar do Dr. Joaquim Magalhães, o professor Magalhães como todos o conhecíamos. Propõe uma homenagem ao pedagogo e homem de cultura que, vindo do Porto, lançou no Algarve as raízes de uma intensa actividade cultural que ainda hoje perdura. Mais conhecido por ter sido “o secretário do poeta Aleixo”, Joaquim Magalhães fundou o Círculo Cultural do Algarve, associação de prestígio da cidade de Faro. Com Pinheiro e Rosa, Lyster Franco e José Neves Júnior, constituiu uma plêiade de homens cultos das ciências e das letras que marcaram muitos de nós. Por agora, entre tantos momentos de convívio, lembro o dia em que em sua casa, nos anos 80, discutíamos a poesia de António Ramos Rosa. Magalhães, habituado a uma métrica precisa e aos cânones clássicos da arte de rimar, dizia-me, citando de cor algumas passagens da obra de Ramos Rosa, mais ou menos isto: «Como é que eu posso gostar disto: o dedo, o dedo na porta de madeira, a madeira do outro lado, sem o dedo dentro de si, o dedo, o dedo na porta (...)». Logo de seguida, com a sua proverbial sabedoria, acrescentava: «Bom, mas este poeta é dos nossos maiores e vai ser famoso!». Que saudades destas polémicas e destas sapiências. Só me resta concordar com a proposta.

Vamos todos à bola

Ontem, de manhã, junto à praça de Loulé, propaganda sonora a acordar os fregueses da paróquia. Não, não era a campanha política para as presidenciais! Era simplesmente uma carrinha do "Louletano" a avisar do jogo de futebol no estádio Algarve. Como se sabe o estádio está literalmente às moscas e qualquer dia nem com bilhetes oferecidos o povoléu troca o mar de Vilamoura pela caravela em seco.

domingo, novembro 14, 2004

A melhor forma e o melhor estilo

O blogue de José António Barreiros, que deixou as crónicas do DN de forma abrupta, mas por razões solidárias, oferece-nos um conjunto de textos, ponderados, reflectidos, mas sobretudo poéticos, de alguém que pensa [não se estranhe o espanto, hoje em dia pouco se pensa] e que nos obrigam a ir visitar com prazer. Talvez diariamente, acompanhando o diário regular da edição dos seus posts. Mas JAB não tem ainda certezas. Escreve-me, por mail: «Bom dia. Obrigado pelas suas palavras e pela leitura. Cada vez que escrevo hesito se será esta forma ou este o estilo. Cumprimentos. Jab». Não tenhamos dúvidas, começa a ser do melhor que se escreve na blogosfera.

sábado, novembro 13, 2004

Lembrando Maria Rosa Colaço

nota: dado que foi impossível colocar este texto completo no Sapo, para ser lido por quem se interessasse a partir do post que editei neste blog, deixo aqui a sua versão integral, penitenciando-me pela paciência extrema dos leitores, com a vaga desculpa de que é fim de semana.
A notícia apanhou-me de surpresa. Foi através de um mail de um leitor que fiquei a saber da morte da Maria Rosa Colaço (MRC), uma pedagoga, professora e escritora que marcou gerações de alunos e leitores. A escritora faleceu no passado dia 13 de Outubro e dela, apenas, uma simples nota de rodapé nas televisões. A imprensa, publica pequenas referências e notas biográficas da autora. Uma ignorância e uma tristeza que chocou muitos dos seus antigos alunos. É o caso deste nosso amigo leitor [António Matos Rodrigues] que, triste com a morte da sua antiga professora primária e mais triste ainda pelo cerco de silêncio que se fez à volta dela, decidiu criar um blogue em sua homenagem, com o seu nome, abrindo-o a quem queira testemunhar as suas vivências.
Maria Rosa Colaço publicou vários livros, recebeu alguns prémios, escreveu crónicas jornalísticas e guiões de teatro. Mas o seu trabalho mais conhecido é o livro «A Criança e a Vida», que teve direito a mais de 40 edições, escrito a partir de notas guardadas de redacções dos seus alunos de Cacilhas, nos finais dos anos 50. Desse livro disse Urbano Tavares Rodrigues, ser “um milagre de pedagogia poética”.
Já conhecia o livro havia tempo. O trabalho de Maria Rosa Colaço, professora do ensino primário, era uma lufada de ar fresco no ensino tonto e saloio dos anos 60 e nas escolas tristes e salazarentas da época. Os textos que recolheu, poesias e histórias ferventes e imagéticas, de meninos das ruas e dos bairros de lata da margem sul de Lisboa, eram flores anunciando o Abril futuro. Poderiam ter sido escritos por qualquer um de nós que, entre 1960 e 1969, se sentaram irrequietos nos bancos velhos das escolas, aprendendo as letras com que, hoje, nos ajudam a pensar sobre elas próprias.
Lembro de ter lido o poema da contra-capa do livro e ter pensado no quotidiano do Vitor Barroca Moreira, que o escreveu aos nove anos: “O amor é um pássaro verde, num campo azul, no alto da madrugada”. Lembro ainda de ter visto a minha infância neste poema, de liberdade, de aventura, de protesto. Mas havia outros, muitos mais, cheios de flores, amizades e zangas, como o do Inácio da Silva Cruz, de 10 anos: “O amor é como duas borboletas que estivessem sobre uma rosa, a mais linda de todas do jardim. O amor tem que haver. Se não houvesse amor não havia nada bonito. O amor são duas estrelas a brilhar, a brilhar. A rosa e o sol são o amor. O amor é a poesia. O amor são dois passarinhos a construir a sua casinha. O amor é não haver polícias”.
De Maria Rosa Colaço, disse Casimiro de Brito, poeta louletano: “Educadora, escritora vigilante e aberta: aberta à soterrada voz do seu povo, aos longos silêncios que rodeiam a corrupção, à deslumbrada visitação do sol pelas crianças, à quotidiana construção do amor”. Estas são palavras de poeta, de gente que nega a morte, não negando o poema ou as palavras com que se fazem os Homens.
É como a viagem à lua do Manuel Miranda, de 8 anos: “Despedia-me do meu pai e da minha mãe. Preparava as malas e ia para a lua. Quando lá chegasse falava com Deus e os anjos. Ficava lá com os meus companheiros e nunca mais voltava porque encontrava os anjos a cantar e as estrelas ali mesmo ao pé. Porque lá não havia guerra e lá estava muito sossegadinho e não havia misérias, nem morria ninguém”. Assim, o Manuel viajou à lua, antes de outros, como o principezinho da história.
Maria Rosa Colaço diz-nos que estas crianças “não eram génios, nem poetas, nem meninos prodígios. Eram filhos de pescadores, de varinas, de ladrões de coisas...essenciais ao dia-a-dia. Moravam em casas com buracos e dormiam nos barcos, no vão das portas, nos degraus da doca, em qualquer sítio” [ver caixa “Poesia de «A Criança e a Vida»”]
Esta missão de quase evangelizar a criança, a partir da descoberta e da criação poética, permitiu à escritora algarvia Lídia Jorge referir-se-lhe como se estivesse a “tentar atingir a alma do mundo”.
Comprei o livro em Coimbra, em Novembro de 1992 – depois de o ter lido nos finais de 70 -, para voltar a sentir o eco fundo dos seus apelos de criança. E agora, ao pegar nele e olhar as datas dos poemas, posso dizer mais uma coisa: a sua autora, Maria Rosa Colaço, enquanto ensinava a olhar a vida na velha escola de Cacilhas, ainda escrevia para «A Voz de Loulé». São conhecidos os seus 20 anos de crónicas para o jornal «A Capital», mas «A Voz de Loulé» deve ter sido o primeiro jornal em que publicou. Na altura tinha 21 anos, quando surge em 1 de Janeiro de 1957 no nº 6 do “Prisma de Cristal”, página literária de «A Voz de Loulé», coordenada por Casimiro de Brito. Nesse número publica um texto intitulado “Remoendo”, no qual questiona o papel da religião no mundo. A sua presença torna-se regular, publicando em 13 dos 26 números do “Prisma”, publicando textos de reflexão filosófica sobre política, educação e poesia, fazendo análise e crítica literária a vários poetas, realizando entrevistas, etc. No nº 16, de 7 de Julho de 1957, publica um poema, “Inconformidade”, um dos poucos conhecidos de sua autoria [ver caixa “Maria Rosa Colaço no “Prisma de Cristal”].
Maria Rosa Colaço foi uma das colaboradoras mais activas desta página literária e uma das mais estimulantes presenças do chamado Movimento Prisma (ver o meu artigo “O Movimento Prisma em Loule” em [a cultura], «A Voz de Loulé», do passado 15 de Outubro, páginas 15-16).
Na dedicatória que redigiu num dos exemplares de «A Criança e a Vida», disse: “Com pombas e sonho, escrevi (orientei) esta antologia para que, ao menos pela voz clara da infância, os adultos se apercebessem dos abismos e da noite que contorna o mundo. Porque, como F. Pessoa, também digo: "O melhor de tudo, são as crianças"”.
É também ela que diz no prefácio do mesmo livro: “Companheira do sol e das raízes, cheguei à grande cidade”. Agora que partiu para outra grande cidade, nós acompanhamo-la! Na divulgação do seu nome e da pedagogia comprometida e libertária que desenvolveu.

Notas:
1. O “Prisma de Cristal” está inserto no jornal «A Voz de Loulé», entre os números 94, de 16 de Outubro de 1956 e 175, de 15 de Fevereiro de 1959 e pode ser consultado no Arquivo Histórico Municipal de Loulé.
2. Na Biblioteca Municipal de Loulé estão disponíveis várias das obras de Maria Rosa Colaço.
[texto publicado em «A Voz de Loulé» de 1 de Novembro]

sexta-feira, novembro 12, 2004

Manifestação contra as portagens na via do infante

Por esta altura está a decorrer a manifestação contra as portagens na Via do Infante. Muita gente vai percorer a EN 125 para mostar ao governo que esta não é uma alternativa. Os argumentos são muitos e juntam toda a gente: empresários, sindicatos, hoteleiros, comerciantes, políticos de todas as áreas. Uma espécie de consenso de uma pseudo-região independente, diferente das outras em que se pagam portagens para circular. Portanto uma região em excepção. A nota de descontentamento foi dada pelos empresários de turismo que acharam que assim os turistas não poderiam deslocar-se ao Algarve, coitados, devido ao preço das portagens. Também o comércio, os industriais de construção e todos os outros que vivem à sombra da monocultura do turismo fizeram coro. E assim a corda engrossou. O povo esse não protesta. E não o faz porque não circula de carro; viaja em autocarros e comboios entre os locais de residência e de trabalho e ao fim de semana passeia, a pé, ao pé de casa. Para que se perceba o problema, as portagens na via do infante não devem ser só encaradas na perspectiva regionalista ou familista dos interesses do poder no Algarve. O argumento do turismo é para além disso submisso e oportunista. Eu direi mesmo: se pago portagens em todas as minhas deslocações, fora do Algarve, porque não pagarão aqueles que ao Algarve se deslocam?
Outra questão é ainda esta: discute-se o problema da liberdade dos acessos viários e nunca o problema da redução do tráfego. Essa é a verdadeira visão do futuro. A propósito, alguém sabe que há um projecto para uma ciclovia de VRSA a Sagres?...

O secretário do turismo em banda desenhada

Ao ler o texto de Pacheco Pereira sobre as governações descentralizadas do governo, veio-me à lembrança o texto que o caderno de economia do «Expresso», do passado sábado, publica sobre a instalação do secretário de estado do turismo na cidade de Faro. O artigo mostra, em estilo banda desenhada, um conjunto de fotos do seu dia a dia: o homem dorme em casa e toma o pequeno almoço com os filhos, bebe um cafezinho no gabinete, despacha com as secretárias e o seu chefe de gabinete que vem de Lisboa, recebe umas celebridades no gabinete, participa numas inaugurações, dá uns apoios financeiros aos empresários do turismo, almoça e janta com autarcas do seu partido. Apenas repete uma coisa: o telefonema ao seu ministro. Não percebemos o que a sua presença no Algarve melhora a governação. Ah, já sei, ficou mais perto dos empresários. Dos trabalhadores do turismo, nada. Portanto, melhor seria estar no Terreiro do Paço.

quarta-feira, novembro 10, 2004

Terroristas e milionários. Quem são?

Habituei-me, em jovem, a ouvir os arrazoados dos governos de Salazar e Marcelo chamarem de “terroristas” os militares e a população das colónias africanas onde o regime ia roubar o dinheiro para se bastar “orgulhosamente só”. Mais tarde fui entendendo o termo como representando todos aqueles que lutavam pelos seus direitos contra imperialismos alheios. Foi isso que me levou a recusar o recenseamento para integração no serviço militar com a consequente mobilização para "carne para canhão" na Guiné ou em Angola. O 25 de abril safou-me e isso também se deve a todos os jovens negros que, como eu, lutaram pelo Abril nas suas terras africanas.
Hoje, pela multiplicidade de formas guerreiras em todo o mundo, misturando lutas populares ou fratricidas, grupos fundamentalistas ou suicidários, nacionalismos enraizados ou exacerbados, mas sobretudo com a globalização da violência e o poderio cultural do império ocidental, o termo terrorista é usado como “dá cá aquela palha”. Vem isto a propósito de alguns dos posts deste blogue, referindo-se a Yasser Arafat. Lembro-me sempre de um meu professor que numa aula o apelidou de “terrorista que deveria bater as botas”. Quando o questionei não me soube responder. Há pouco, lendo o mesmo blogue e remetido para outro, lembrei-me de questionar ainda outra coisa: se é um milionário que acabou de morrer, mostrem lá as provas dessa vida milionária!

A vida numa colher

Isto das leituras tem épocas, como tudo. Por várias razões [uma importante é o momento de descanso da tese] tenho lido vários álbuns de banda desenhada nos tempos que correm. O José Carlos Fernandes já me tinha falado da veia artística do Miguel Rocha e na primeira oportunidade não resisti. Resultado: apanhei um banho de cor, entre os azuis volúveis dos seus céus alentejanos, os ocres das terras de Siddharta e os vermelhos-sangue das beterrabas, dos milhões de beterrabas que Olegário cultivava como o elixir da sua eterna juventude. Mas para além das soberbas pinturas que são cada uma das vinhetas, Miguel Rocha é ainda um argumentista sólido, dos poucos que aguenta uma narrativa séria e complexa e que se desfaz apenas no remate esperado. Uma obra imparável, na leitura e na beleza gráfica.

p.s.: parabéns ao José Carlos Fernandes pelo prémio de melhor argumento para banda desenhada.

terça-feira, novembro 09, 2004

Os novos políticos

(...) Exp.-As mudanças no PS exigem uma reorientação da estratégia do PSD?
M.R.-José Sócrates é um lider com uma imagem nova mas com ideias velhas. Tenta ser moderado mas está cercado de radicais. O PS é um albergue espanhol. Cabe lá tudo. (...)
[Miguel Relvas, secretário-geral do PSD em entrevista ao «Expresso» de 6/11/04, p. 5]
Que saudades dos velhos políticos!

O Programa da "Poesia 61"

O António Baeta tem estado a publicar poemas de autores do movimento Poesia 61. Quase desconhecido, devido ao abandono da edição poética mas igualmente importante, trago aqui um poeta editado pela Colecção «A Palavra», dirigida em Faro por Casimiro de Brito, no seu nº 6:
PROGRAMA

Pela simples paz a dádiva
das nossas inquietudes
e um pedaço de chão mais nada o chão
das nossas mãos sadias

Talvez serenamente o chão se eleve então
à dimensão dos gritos recolhidos
beijemo-lo depois mais nada um beijo
ou lágrima final mais nada eis tudo

[Candeias Nunes «O Tempo e os Sinais», Faro, 1964]

O Eixo do Mal

Anunciado com pompa e circunstância, o programa «O Eixo do Mal» na SicNotícias. No passado sábado lá vi o primeiro programa e achei-o extremamente desinteressante, por dois motivos: i) o formato está mal pensado, é apressado e imita – mal –, muito do que melhor se fez na televisão portuguesa e americana. ii) é um erro pensar que excelentes bloggers [casos de Daniel Oliveira e Pedro Mexia] se tornam per si excelentes comentaristas em TV. Basta ver que quem se safou melhor ainda foi mesmo a Clara Ferreira Alves.
É natural que o programa melhore, com alterações substanciais de formato, com uma maior experiência dos comentadores e sobretudo com a troca do Nuno Artur Silva como moderador, pois no bastidor é que ele é realmente bom! Mas isso não salva o programa, condenado desde já pela lembrança d’«A Noite da Má-Língua».

quinta-feira, novembro 04, 2004

Cultura cigana na escola

A Sic dá a notícia: numa escola de Portimão, pais (de origem cigana presume-se) entram na escola para bater em duas professoras, após uma repreensão a um dos seus filhos, por motivos de um despique entre alunos. Para dar a dimensão multiétnica da escola, a jornalista diz que a mesma tem alunos de 21 etnias, que depois corrige para nacionalidades. Na verdade, sendo verdade a segunda asserção e não a primeira, isso não traz problema nenhum. Ouvida a presidente do conselho executivo, esta diz: os ciganos têm uma forma própria de funcionar, têm mais solidariedade e pensam que podem fazer justiça pelas suas próprias mãos. Ora bem, sabemos que a entrada na escola de etnias diferentes traz com ela a entrada das suas diferentes culturas, com as quais é preciso lidar de forma intercultural, isto é, negociando as normas inerentes a cada cultura num processo participado por todos. Quase sempre a xenofobia não está nas nossas declarações de intenção, bem como na nossa prática, mas ela espreita sempre que entra em risco a estabilidade dos nossos valores culturais.

Entre a ciência e o senso-comum

Pacheco Pereira (PP) - que põe sempre no que diz uma dose ponderada de análise crítica -, arrasta-se pelo senso-comum quando se trata de falar da problemática do terrorismo. A propósito das eleições americanas [no programa “Quadratura do Círculo”] tenta justificar a vitória de Bush pelo argumento de continuidade da luta contra o terrorismo. Esquece que a guerra não começou por causa do terrorismo; que não haviam armas de destruição maciça no Iraque; que este país não mantinha ligações com a Al Qaeda; que Bin Laden e Saddam foram armados e treinados pelas administrações americanas, quando lhes era vantajoso. Enfim, pede-se um pouco de coerência, como PP pediu a quem apoiou Kerry.

quarta-feira, novembro 03, 2004

O dia da "febre" II

Contorço-me para afastar a incomodidade, encolho-me para mandar às urtigas a febre. Talvez seja das eleições americanas. Pior é pensar que foi uma malvada amigadlite que me apanhou descalço, literalmente três horas dentro de água. Depois, a enxurrada não poupou a família. Disto é que eu não desisto, para ver se sai algum exorcismo!!

O dia da "febre" I

Ontem, ao ver o documentário de Michael Moore sobre o 11 de Setembro, apenas senti uma sensação: nojo, por aquilo que é um troglodita na administração americana. De tal modo que as últimas notícias, sobre eventuais atentados da Al Qaeda no norte da Europa, só podem ser encaradas como mais uma manobra eleitoral. Resta saber se para a Florida, mesmo com os observadores internacionais presentes.

«Diário de Notícias» a saque

Vale a pena ler mais este episódio do «DN»!

terça-feira, novembro 02, 2004

Homenagem a Maria Rosa Colaço

LEMBRANDO MARIA ROSA COLAÇO,
A PEDAGOGA DE «A CRIANÇA E A VIDA»
( antiga colaboradora d’ «A Voz de Loulé» faleceu no dia 13 de Outubro)

A notícia apanhou-me de surpresa. Foi através de um mail de um leitor que fiquei a saber da morte da Maria Rosa Colaço (MRC), uma pedagoga, professora e escritora que marcou gerações de alunos e leitores. A escritora faleceu no passado dia 13 de Outubro e dela, apenas, uma simples nota de rodapé nas televisões. A imprensa, publica pequenas referências e notas biográficas da autora. Uma ignorância e uma tristeza que chocou muitos dos seus antigos alunos. É o caso deste nosso amigo leitor [António Matos Rodrigues] que, triste com a morte da sua antiga professora primária e mais triste ainda pelo cerco de silêncio que se fez à volta dela, decidiu criar um blogue em sua homenagem, com o seu nome, abrindo-o a quem queira testemunhar as suas vivências.
Maria Rosa Colaço publicou vários livros, recebeu alguns prémios, escreveu crónicas jornalísticas e guiões de teatro. Mas o seu trabalho mais conhecido é o livro «A Criança e a Vida», que teve direito a mais de 40 edições, escrito a partir de notas guardadas de redacções dos seus alunos de Cacilhas, nos finais dos anos 50. Desse livro disse Urbano Tavares Rodrigues, ser “um milagre de pedagogia poética”.
Nota: este post é parte de um texto publicado em «A Voz de Loulé» do dia 1 de Novembro. A sua versão integral pode ainda ser lida em "acultura" (se o Sapo o disponibilizar!).

sábado, outubro 30, 2004

A Guerra dos Mundos

Lembrar que hoje, há exactamente 66 anos, um jovem de 21 anos punha um país de joelhos sob uma fictícia ameaça marciana. Depois disso a rádio nunca mais foi a mesma e todos nós ganhámos o actor e realizador que nos deu uma das obras primas do cinema, “Citizen Kane”, uma metáfora sobre os dias de hoje: Orson Welles.

Uma questão de vómito genético

Dante descobre, agora, que nada contribui para Bush filho o facto de Bush pai ter vomitado no colo do primeiro-ministro japonês.

sexta-feira, outubro 29, 2004

A indigna “dignidade” do Benfica

Ontem, em assembleia geral, o Benfica aprovou um inquérito à gestão ruinosa e corrupta de Vale e Azevedo no clube, com vista à sua expulsão. Hoje, na assembleia geral da SAD [do Benfica], a sociedade prepara-se para aprovar a reserva do lugar de presidente para o empresário José Veiga, quando este resolver a dívida ao fisco de 2 milhões de euros e ao banco luxemburguês de um milhão e meio da mesma moeda. E não há quem possa exterminá-los?

quinta-feira, outubro 28, 2004

O "laissez faire" da Alta Autoridade

Que tipo de autoridade é a da Alta Autoridade para a Comunicação Social? Os homens lá estão, escutando os inquiridos, fazendo uma perguntinha vulgar de quando em quando, confundindo audição de opiniões com inquéritos, como bem nota o “Abrupto”. No caso Marcelo, era triste ver o presumível inquirido fazendo um discurso como se estivesse nas suas sete quintas ou na missa dominical da Tvi, enquanto a AACS ouvia deslumbrada e com um sorrisinho condescendente de Artur Portela. Daí que - e justamente por isso - decisivo é que MRS seja ouvido no Parlamento e não na AACS, que é exactamente o que a maioria não quer e que muita gente ainda não entendeu ao exultar com as declarações de ontem.

quarta-feira, outubro 27, 2004

...Um pouco mais de azul...

Acordo com água a caír sobre a cama, motivo da inundação do andar de cima, resultado da pequena tempestade que tardiamente chega ao sul. Bombeiros que chegam com bomba de água que não funciona, piquete da Câmara de Loulé só disponível muitas horas depois das 7 da manhã e só depois do problema resolvido por mãos próprias. Contento-me com as notícias mais tempestuosas do dia: o adiamento da votação da comissão europeia, impregnada de comissários incompetentes ou interessados na economia privada, e radicalmente marcada pelo homófobo Buttiglione à cabeça. Ainda bem que o parlamento (órgão eleito pelos cidadãos europeus, ao contrário da comissão que é designada pelo conjunto dos estados) considerou o chumbo desta equipa, baseado na ideia de uma clara e inequívoca defesa dos direitos humanos, de todos os direitos. Ali perto, a retirada dos colonatos da faixa de Gaza retira algumas nuvens negras do horizonte no médio oriente. Para que o globo comece a ficar com a sua cor de referência só falta que, na próxima terça feira, o povo americano escolha John Kerry. Só assim este outono aproximar-se-ia mais da primavera do que do inverno. Hoje vestimo-nos de azul!

Um balanço da página [a cultura], de «A Voz de Loulé»

No passado dia 15 de Outubro o quinzenário «A Voz de Loulé» publicava o último número de [a cultura]. Nada que não tivéssemos previsto, quando iniciámos a publicação em «A Voz de Loulé» de uma página de cultura [em termos latos, pois a nossa intenção era apenas abordar um conjunto de temas de manifesto interesse cultural, com um sentido de competência científica], aberta a colaborações diversas. Se um dos objectivos era abalar o panorama da presença da cultura nas páginas dos jornais regionais [normalmente voltadas para uma vertente cultural mais mediático-populista], outro seria, sem dúvida, lançar pontes e raízes para projectos mais alicerçados dos pontos de vista cultural e organizacional. Por isso se referia, no “editorial” desse número, que terminava aqui uma primeira fase. E terminou nesse dia, dia 15 de Outubro, altura em que há exactamente 48 anos surgia em «A Voz de Loulé» uma página cultural intitulada “Prisma de Cristal”, organizada pelo poeta Casimiro de Brito. Essa a razão do tema desse número.
Agora, é tempo de balanço, de olhar para trás, reler os nossos/vossos textos, deliciarmo-nos com as imagens, falar com os amigos e com os leitores. O tempo de paragem servirá, também, para dar à edição uma publicação com a selecção do que de mais interessante se foi publicando por aqui, sempre com competente lavra, sempre com empenho absolutamente gracioso. Por isso, agradeço a todos os que colaboraram nestas páginas desde 1 de Abril deste ano, vindos de muitos pontos do país, alguns amigos, outros que entraram nessa roda de similitudes afectivas.
Por ora, podemos, em jeito de quem abre uma prenda para guardar para sempre, percorrermos os carreiros da nossa conhecida e tão crítica formiga, atentarmos nas sentenças proveitosas e exemplares do nosso amigo Luís Ene, conhecermos as escolhas do coração de António Baeta, a propósito do coração de outra barca, a de Casimiro de Brito. E, sobretudo, ficarmos a conhecer a nossa enorme dívida a este grande poeta e homem de cultura, nascido em Loulé, Casimiro Cavaco Correia de Brito, que o amigo José Batista [Jobat] desenha, como seu amigo.
Uma palavra de apreço àqueles que, comigo, deram as mãos na roda inicial: Amália Cabrita, José Batista e Luís Ene. Um obrigado ao José Maria, director de «A Voz de Loulé» e à sua pequena mas grande equipa.

Nota: pode ler alguns textos deste nº de 15 de Outubro nos posts abaixo identificados com [a cultura] e conhecer o histórico da página cultural clicando em “acultura”.

terça-feira, outubro 26, 2004

150 linces ibéricos para um "Algarve United"

Na revista “Única”, do «Expresso» de 23 de Outubro passado, um texto de Telma Miguel dá notícia do aparecimento do Algarve United, uma equipa de futebol amadora que tem o lince ibérico como logotipo. A propósito deste felino afirma, de forma peremptória, que este é o que tem “maior risco de extinção em todo o mundo e do qual já só existem 150 exemplares”. O interessante é o espanto que temos ao ler esta notícia. Como sabe Telma Miguel que existem 150 indivíduos? O que nós sabemos é que não há estatísticas credíveis sobre este mamífero, dadas as condições agrestes em que vive, a desagregação dos seus habitats e o próprio comportamento do animal. No Algarve já há muito tempo que não se realizam avistamentos, o que põe em causa esta tão clara certeza, evocada num texto sobre futebol.

Nota: sobre o Algarve United falarei em próximo post.

[a cultura]: O Movimento “Prisma” em Loulé

O Prisma de Cristal
Em 16 de Outubro de 1956 surgia, no jornal local «A Voz de Loulé» nº 94, uma denominada “página cultural” intitulada “Prisma de Cristal”. Estava colocada na página 2, onde se manteve quase sempre e era organizada por Casimiro de Brito. Casimiro Cavaco Correia de Brito, tinha nascido em Loulé em 1938 e tinha na altura 18 anos. O “Prisma de Cristal” publicou-se durante 26 números, de 16 de Outubro de 1956 até 15 de Fevereiro de 1959, tendo a página, desde o nº 2, passado a chamar-se “página literária”. Percebe-se porquê. A grande maioria dos seus conteúdos seria composta de poesia, poemas de jovens e consagrados lado a lado, oriundos dos vários quadrantes poéticos do Algarve, do país, de Espanha, do Brasil, de África. Nas suas páginas publicaram cerca de 45 poetas, muitos deles traduzidos do espanhol e do inglês, por Casimiro de Brito. De entre os nomes hoje mais conhecidos poderemos referir, para além do organizador da página, Ramos Rosa, Vicente Campinas, Emiliano da Costa, Afonso Cautela, Fernando Midões, Eduardo Olímpio, Maria Rosa Colaço e António Cabral. Com o poeta Eduardo Olímpio, natural de Santiago do Cacém, Casimiro de Brito criou e divulgou os Cadernos de Poesia “Encontro”, vendidos pelo “Prisma” a 4 escudos cada. Na área da criação e divulgação poética o “Prisma de Cristal” dá conta das diversas iniciativas editoriais de Casimiro, designadamente do “Caderno Zero” (como redactor), do “Convívio” (como director) e dos mais célebres “Cadernos do Meio-Dia”, dirigidos por António Ramos Rosa, na altura em que Casimiro de Brito já habitava na Rua do Bocage em Faro. Nos anos 60, Casimiro de Brito viria a dirigir, em Faro, a importante colecção de poesia organizada em “A Palavra”.
Pode ler o texto integral, publicado em «A Voz de Loulé» de 15 de Outubro, em "acultura"

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades...

Irrita-me muito do que se tem escrito sobre os acontecimentos da Academia de Coimbra. E irrita-me porque leio críticas ao comportamento dos estudantes que levaram cacetada da polícia. E irrita-me, porque alguns dos que escrevem viveram as crises da academia de 62 e de 69 e na altura tudo valia. Bem que hoje não há gorilas e a democracia permite este tipo de protesto estudantil. Agora o que mudou foram as caras de quem detém o poder. E são os que protestaram em 62 e 69 que lá estão na crítica aos estudantes e na confirmação da carga policial. O poder corrói. E irrita.

domingo, outubro 24, 2004

Jaquinzinho, ou charrinho?

Brincalhão, o Paulo Querido tem destas coisas. A propósito dos “jaquinzinhos” constituirem, ou não, uma degustação dicotómica entre esquerda e direita, vai dizendo:
É tudo uma questão de classes (sim, sei que não está na moda, mas que as há, há). E contra isto batatas. Logo, Filipe, jaquinzinhos é um prato de esquerdistas e está interdito (horror! porcaria! argh!) nas mesas direitistas. O jcd usou a palavra para intitular o seu blogue primeiro porque é algarvio e segundo porque é uma forma de gozar com a esquerda.
Na verdade, o termo "jaquinzinhos" é um termo aristocrático, da língua dita culta, para designar a espécie comestível das costas do Algarve e do sul atlântico, que se designa carapau. "Jaquinzinho" pretendeu designar um espécime piscícola, degustado de várias formas, que vernacularmente sempre se designou de carapau ou [melhor ainda] de charrinho. Portanto, o termo jaquinzinho é um termo da burguesia e o termo charrinho é um termo popular. O seu uso nas mesas das refeições blogosféricas, pode ser o prolongamento dessas diferenças de que falo.

O medo das utopias

Francisco José Viegas, preocupado com as utopias, quer as do século XVI quer as da actualidade, aconselha a ler Montaigne e Rabelais. Talvez fosse bom fazer novas leituras de More e Campanella. Mais simples ainda seria ler o que pensam Maciel Santos e José Ferreira Borges, que escreveram sobre o assunto antes da moda actual.

sábado, outubro 23, 2004

Quem conhece Maria Rosa Colaço?

No dia da morte de Maria Rosa Colaço (MRC) alguns jornais – poucos – publicaram umas notas sobre a escritora, arranjadas à pressa em meia dúzia de fontes cibernéticas ou nas badanas dos seus livros. De perfil discreto, pouco dada a high profiles, pouco se conhecia da autora. Daí, tantos enganos nos textos escritos. Um deles, repetido pelo fenómeno do copy-paste, que aqui se corrige: na verdade MRC lecciona primeiro em Cacilhas/Almada e só depois em África/Moçambique. Na biblioteca de Loulé, um texto que pretende homenagear a autora – escolhida como autora da semana que corre – copia o mesmo erro. É pena.
Já agora, outro dado: MRC não escreveu só em «A Capital». Para nós interessa-nos muito mais que ela tenha escrito os seus primeiros textos no jornal local, «A Voz de Loulé», nos finais dos anos 50. E isto é que devia ser dito, porque à história pertence!

Os jovens que se riem das quedas dos velhos...

As televisões passaram, ad eternum, as imagens de Fidel Castro a caír e logo toda a gente se apressou a mostrar as mesmas imagens esperando, com isso, a queda do regime que ele sustenta. Se alguém ri com isto é o próprio Fidel que, logo após a dita, se pronunciou exactamente sobre a globalização do acto. Melhor, será ainda ler o que diz Pacheco Pereira sobre a queda: apenas a queda de um qualquer velho, como todos seremos um dia.

sexta-feira, outubro 22, 2004

[a cultura]: A Casimiro de Brito

Solicita-me o coordenador desta página ["a cultura" - página cultural do jornal «A Voz de Loulé»] que comente um excerto de «Na Barca do Coração», de Casimiro de Brito, no dia em que o poeta lançou o primeiro número de "Prisma de Cristal", neste mesmo jornal, em 16 de Outubro de 1956.
Tornei-me, inadvertidamente, um divulgador deste diário do poeta ao comentar, no meu “blog”, pequenos trechos que reflectiam os meus cuidados, as minhas emoções, as minhas dúvidas, o meu sentir, como se partes de mim, ou do poeta, andassem soltas em demanda de um lugar de encontro e identificação onde se encaixar, para, de novo, tornar a dividir-se procurando outro alguém.
Curiosamente, a 16 de Outubro de 2000, bem como na sua véspera e no dia seguinte, Casimiro de Brito parece reflectir sobre o que chama “os restos da unidade” e refere-se, expressamente, à relação entre o autor e o leitor.

15.OUT.2000:
“(…) Acordo e vou saltar para dentro das águas do meu mar, em busca dos restos da unidade que todos os dias vou perdendo e reencontrando. (…)”
16.OUT.2000:
“Quem tem uma coisa, procura outra. Quem julga ter uma pessoa, também. Não devia ser assim. O possível futuro? O momento depois? Não devia ser assim.”
17.OUT.2000:
“Escrever bem não me interessa, escrever bonito muito menos. A sensação que desejo transmitir é a mesma que me deixa o amor quando o faço – não fica feito. Um acto não se pode conservar, nem uma mulher. Que também não se conservem os textos que escrevo, que me escapam dos dedos, que se escapem do leitor – deixando-o a sós com a sua vida. A eficácia, na escrita, é uma ilusão e o poema apenas um começo. Para o autor e para o leitor, diferentemente para cada leitor.(…)”

Termino, não sem que antes diga, aos mais cépticos das “coisas” da poesia, que Casimiro também se debruça sobre outras questões “menos poéticas”, mais urgentes.
Sobre a realidade de um dia-a-dia que insiste em prolongar-se:

18.OUT.2000:
“A maior parte dos mortos e feridos na Intifada são crianças ou adolescentes. Quem os fere, quem os mata? Quem os coloca na frente do combate ou quem atira a matar? Vão mais depressa para junto de Alah, dizem. São abatidos duas vezes. (…)”

Silves, 4 de Outubro de 2004
(publicado em «A Voz de Loulé» de 15 de Outubro: página 16)

terça-feira, outubro 19, 2004

a Maria Rosa Colaço II

O Google tem destas coisas.
Procurando Maria Rosa Colaço
cheguei aqui.
E logo me surpreendi.

a Maria Rosa Colaço

A notícia apanhou-me de surpresa. Acabei agora de ler um email de um leitor que avisava da criação de um blogue. A informação sucedia a um comentário que este leitor deixara num post antigo [de maio passado] sobre um dos livros que marcaram a minha vida. Segui o link do nóvel blogue, pois nestas coisas não há que esperar para ver. Foi assim que fiquei a saber da morte da Maria Rosa Colaço (MRC), uma pedagoga, professora e escritora que marcou gerações de alunos. É o caso deste nosso amigo leitor [António Matos Rodrigues] que, triste com a morte da sua antiga professora primária e mais triste ainda pelo cerco de silêncio que se fez à volta dela, decidiu criar um blogue em sua homenagem, com o seu nome, abrindo-o a quem queira testemunhar as suas vivências. Pela minha parte enviei o meu contributo: um texto que, em Maio passado, publicara na página [a cultura] de «A Voz de Loulé» e disponibilizado também no seu sítio virtual.
Por agora resta-me lembrar que MRC deixou belos rastos da sua escrita na página literária de «A Voz de Loulé», nos finais de 50 e que a Biblioteca Municipal de Loulé a escolheu como autora da semana, expondo alguns dos seus livros.

"Vamos lá cambada, todos à molhada qu'isto é futebol total!"

Durante o período do Euro 2004 escrevi vários textos sobre a problemática do futebol, designadamente questionando os sentidos de identidade dogmática e de afirmação nacionalista que se promovia com o evento. Na altura, muitos teóricos embevecidos pela bola, mais emotivos que racionais [portanto mais primários na análise] acharam que andar de bandeira desfraldada é que era bom e que o “patriotismo” não teria qualquer problema. Hoje as consequências desta posição estão aí bem visíveis: um carnaval hediondo, de acusações e ofensas, mesquinhices e violência verbal, arregimentação de claques e incompetências governativas. Tudo se mistura fazendo do quotidiano das televisões uma aldeia global de roupa suja que nos entra a toda a hora portas adentro. Algo que o futebol não mereceria. Ou talvez este futebol mereça esta cambada que o dirige, nos clubes e no governo.

[a cultura]: A formiga no carreiro...

(escríticas renascentistas)

[22] A formiga de Dâmocles. Oiço na TV referências ao eventual julgamento do caso que opõe a ex-ministra da justiça, Celeste Cardona, ao fiscalista Saldanha Sanches, que a acusou de fazer apenas o jogo do CDS no governo. Numa altura em que se comenta o escândalo da entrada da ex-ministra na Administração da Caixa Geral de Depósitos, esta notícia cai como uma espada de Dâmocles sobre os ombros da nova administradora. E só dá razão às antigas declarações de Saldanha Sanches.

[23] A formiga mais papista que o papa. Notícia da manhã: o Papa, depois de uma grande letargia, descobriu, agora, que o Dalai Lama e o líder religioso indiano tinham celebrado rituais religiosos no santuário de Fátima. Amedrontado com a diversidade religiosa, e com a livre escolha de novos e velhos crentes, despacha no sentido da destituição do Bispo de Leiria e do responsável do santuário. Por aqui se vê o imperialismo do Catolicismo e a discriminação de outros credos religiosos.

[24] A formiga cabulona. Quem ouviu a palestra do ministro do turismo, Telmo Correia, na altura da inauguração da secretaria de estado do turismo em Faro, aprendeu uma verdadeira lição. Diz o ministro, perante uma plateia de alunos a bocejar, a propósito da matéria que domina, como ninguém: “Bom, se fizerem uma chaveta e colocarem lá estes tópicos, se ficarem com esta cábula, tenho a certeza que não terão, no futuro, problemas com qualquer exame”. Esta é a verdadeira pedagogia da direita: Chaveta? Tópico? Cábula? O ministro mostra estar cristalizado, não só no turismo mas também na educação. Para a direita, este governo é uma verdadeira brincadeira aos governantes.

[25] A formiga reformadora. Bagão Félix tem muita falta de vergonha na cara. Para abrir caminho ao ex-secretário de estado Vitor Martins, para a presidência da CGD, nada mais fácil: reforma o ex –ministro Mira Amaral, com a mísera quantia de 3.600 contos mensais e numa celeridade nunca vista. Ao mesmo tempo, com o desplante que se lhe conhece, afirma que quer gerir as finanças do estado, como se fosse de uma família. Da sua, concerteza.

[Zenão de Flandres] (pseudónimo retirado do personagem principal do romance «A Obra ao Negro» de Marguerite Yourcenar).
(publicado em «A Voz de Loulé» de 15 de Outubro)

domingo, outubro 17, 2004

A similitude, ou todos a pensar o mesmo

Não sendo possível deixar um comentário, não resisto a deixar-vos aqui esta interessante similitude. Ontem, jcb editava o seguinte comentário:
Quantos são?

Há coisas que são do futebol e há coisas que são dos tribunais. E estas notícias só por muito adormecimento são inseridas na secção de Desporto.
Hoje, Luís Afonso, no Bartoon do «Público», publicava uma banda desenhada com um texto muito semelhante. Conclusão: ou jcb deu a dica ao cartoonista, ou este anda a ler os blogs para se inspirar. Ou andamos todos a pensar o mesmo deste governo.