domingo, fevereiro 28, 2021

Até que a Vida nos Separe

A  RTP tem  apostado nas ficções nacionais, convidando vários argumentistas e realizadores. Estas circulam pelos canais da estação e podem ser vistas na RTP Play. Mas há tempo que não ouvia uma série como Até que a Vida nos Separe. Digo ouvia, porque é o argumento e são os diálogos que prevalecem, apesar do desempenho dos atores ser mais prestigiante do que aquilo a que estamos habituados. O argumento é cuidado, e as falas dos personagens têm a qualidade de um vocabulário que contesta a ignorância e o fait-diver, o texto não foge da realidade social e política e contém referências literárias de interesse. O humor não é estúpido e deixa algumas pistas para pensar. Por detrás do argumento estão as seis mãos de João Tordo, Tiago R. Santos e Hugo Gonçalves, habituados a escrever em conjunto. A produção e a música (dos Cassete Pirata) também não são despiciendas no todo.

sábado, fevereiro 27, 2021

Alberto Manguel e a 'consciência de si'

Diz Alberto Manguel, na Revista do Expresso de 19 de fevereiro, que neste confinamento em Lisboa, tomou verdadeira ‘consciência de si’. Em texto autobiográfico maravilhoso – como são todos os seus escritos literatos – recorda os confinamentos atrozes de uma sua ama de infância, salientando que o facto de estarmos fechados só demonstra que os outros lá fora, à porta, ou no encontro fugaz, é que nos dão a certeza da nossa consciência. Há dias, numa incursão à praça de peixe em Loulé, também dei conta de que um encontro com o amigo Manel, junto da banca recheada de peixe fresco, à conversa sobre o destino do pescado que sobra, me tinha trazido a tal ‘consciência de mim’, um sentido de que alguém lá fora preenche também a sua ‘consciência’.

 

sexta-feira, fevereiro 26, 2021

Jesus, no princípio do fim

De Jorge Jesus já disse o que havia a dizer. Não tem competência para treinar o Benfica. Não que o clube mereça mais, numa altura em que Vieira, depois da reeleição, desapareceu em combate, à espera do filho pródigo Rui Costa, ele que vai dirigir a orquestra sem unhas para tocar viola. Nem sempre grandes jogadores dão bons dirigentes. Mas voltando a Jesus, e esquecendo o seu lamentável e ignorante discurso que envergonha a veia elitista do Benfica, já o disse que, depois de treinar o Flamengo, não percebeu que tinha chegado ao fim; e que, por outro lado, depois de saltar para Alvalade, o regresso à Luz só daria o resultado esperado: o princípio do seu fim.

quinta-feira, fevereiro 25, 2021

A facécia contra o conservadorismo brasileiro

Regressar a Gregorio Duvivier, e ao seu livro de crónicas «Caviar é uma Ova» (belo título), é uma experiência interpretativa interessante. Por que razão regressamos a alguns livros, é uma boa questão. Pragmatismo, acesso ao livro, escolha casual para o estímulo noturno do sono? O livro, editado em 2015 pela Tinta da China, reúne as crónicas do humorista no jornal Folha de S. Paulo, entre julho de 2013 e agosto de 2015 e é uma escrita cuidada mas coloquial, vernacular mas ideológica. Já conhecia o autor do coletivo Porta dos Fundos, crítica inteligente e teatro do absurdo, que lembrava, nalguns ‘sketchs’, os Monty Python. O coletivo deixou a direita e os neofascistas brasileiros em polvorosa e, há alguns meses, um dos seus argumentistas colaboradores foi mesmo assassinado. Interessante é verificar as premonições das crónicas sobre o regresso da nomenclatura conservadora e ditatorial nas instituições democráticas brasileiras. Bolsonaro, ainda imberbe e desconhecido politicamente, é um dos visados pelo humor corrosivo de Gregorio. Talvez por tudo isto a sua releitura nos tenha parecido menos inovadora!

 

quarta-feira, fevereiro 24, 2021

A guerra só banaliza o mal!

Como o tema está aí todos os dias, na vulgaridade das ditas ‘redes sociais’, eu, que me recusei a recensear como mancebo, pensando na fuga à guerra criminosa das colónias do capitalismo proto-imperialista (a história da democracia foi-me favorável e contá-la-ei outro dia), só posso indignar-me com a defesa da honra e da coragem de um tal Marcelino da Mata, condecorado como tal pelo governo fascista e agora reconhecido pelo governo socialista. Por isso, entre tantas contribuições que tentam uma posição honesta e documentada, socorro-me da crónica de Francisco Louçã no Expresso, mas aberta à leitura de toda a gente na Estátua de Sal.

terça-feira, fevereiro 23, 2021

Contra o colonialismo, em qualquer momento

Em artigo no Esquerda.Net Luís Farinha recorda o livro «Portugal e o Futuro», do general António Spínola. Publicado em 22 de fevereiro de 1974, o livro anunciava a tese da derrota do colonialismo português. Mesmo disfarçado de ‘solução negociada’ o livro surgia meses depois da declaração unilateral de independência, da Guiné-Bissau, proclamada por Amílcar Cabral em novembro do ano anterior. Recordo que por esses dias de fevereiro ou março de 1974, o Zé Luís (carpinteiro com biblioteca) ter levado livro e falado sobre a sua importância, num encontro clandestino que tivemos num primeiro andar da rua do Café Nacional Ultramarino, em Portimão. O local penso que era da oposição da CDE (Comissão Democrática Eleitoral), que tinha concorrido às eleições falseadas de 1973. O Zé despontava ilusões, como aliás todos nós, sabendo que poderia ser o princípio do fim. E foi! Mais tarde, na mesma cidade de Portimão, estivemos todos numa grande manifestação contra a chamada ‘maioria silenciosa do Spínola e a correr com ele para o Brasil.