sexta-feira, outubro 22, 2004

[a cultura]: A Casimiro de Brito

Solicita-me o coordenador desta página ["a cultura" - página cultural do jornal «A Voz de Loulé»] que comente um excerto de «Na Barca do Coração», de Casimiro de Brito, no dia em que o poeta lançou o primeiro número de "Prisma de Cristal", neste mesmo jornal, em 16 de Outubro de 1956.
Tornei-me, inadvertidamente, um divulgador deste diário do poeta ao comentar, no meu “blog”, pequenos trechos que reflectiam os meus cuidados, as minhas emoções, as minhas dúvidas, o meu sentir, como se partes de mim, ou do poeta, andassem soltas em demanda de um lugar de encontro e identificação onde se encaixar, para, de novo, tornar a dividir-se procurando outro alguém.
Curiosamente, a 16 de Outubro de 2000, bem como na sua véspera e no dia seguinte, Casimiro de Brito parece reflectir sobre o que chama “os restos da unidade” e refere-se, expressamente, à relação entre o autor e o leitor.

15.OUT.2000:
“(…) Acordo e vou saltar para dentro das águas do meu mar, em busca dos restos da unidade que todos os dias vou perdendo e reencontrando. (…)”
16.OUT.2000:
“Quem tem uma coisa, procura outra. Quem julga ter uma pessoa, também. Não devia ser assim. O possível futuro? O momento depois? Não devia ser assim.”
17.OUT.2000:
“Escrever bem não me interessa, escrever bonito muito menos. A sensação que desejo transmitir é a mesma que me deixa o amor quando o faço – não fica feito. Um acto não se pode conservar, nem uma mulher. Que também não se conservem os textos que escrevo, que me escapam dos dedos, que se escapem do leitor – deixando-o a sós com a sua vida. A eficácia, na escrita, é uma ilusão e o poema apenas um começo. Para o autor e para o leitor, diferentemente para cada leitor.(…)”

Termino, não sem que antes diga, aos mais cépticos das “coisas” da poesia, que Casimiro também se debruça sobre outras questões “menos poéticas”, mais urgentes.
Sobre a realidade de um dia-a-dia que insiste em prolongar-se:

18.OUT.2000:
“A maior parte dos mortos e feridos na Intifada são crianças ou adolescentes. Quem os fere, quem os mata? Quem os coloca na frente do combate ou quem atira a matar? Vão mais depressa para junto de Alah, dizem. São abatidos duas vezes. (…)”

Silves, 4 de Outubro de 2004
(publicado em «A Voz de Loulé» de 15 de Outubro: página 16)