sábado, dezembro 04, 2004

AS MULHERES NO SISTEMA POLÍTICO

O processo de constituição das listas para as eleições é, habitualmente, uma representação plena de qual o papel feminino na vida social e política. Os arranjos das últimas listas para as eleições de 20 de Fevereiro mostraram, mais uma vez, a hegemonia masculina dos partidos políticos e em especial dos seus aparelhos nacionais e regionais. A conversa veio à baila com a lista do PS em Coimbra e sobretudo com a decisão de colocar Matilde Sousa Franco (MSF) no primeiro lugar da lista. Muita coisa se escreveu sobre o assunto. Destaco apenas uma opinião:
«Parece-me uma péssima escolha. Não retirando os méritos da Sr.ª, que são muitos, continuando a considerá-la, como considero, uma mulher de fibra e de elevado sentido de estado, não posso deixar de achar que a sua candidatura, para mais como cabeça de lista (aceitaria com mais facilidade um local elegível mas de menor visibilidade), soa demais a uma vontade bacoca de "surfar" a onda de popularidade que ela, pelo braço do falecido Prof. Sousa Franco, seu marido, foi angariando. Ora eu sou contra explorar vivos e muito mais contra explorar mortos que mereciam outro respeito. É o caso».
As razões aduzidas no texto podem ter sido os pressupostos para o PS escolher MSF para o lugar referido, mas isso só penaliza a visão do PS. Aliás, só neste sentido se entende que Helena Roseta, bastonária da Ordem dos Arquitectos tenha sido preterida e Sónia Fertuzinhos, presidente das Mulheres Socialistas, tenha sido relegada para 12º lugar em Braga. Terá sido por esta militante ser a cara socialista da luta pela descriminalização do aborto? Parece que sim, porque o PS de Sócrates impôs, em sua troca - mas no 3º lugar e assim potencialmente elegível -, uma tal de Teresa Venda do Movimento Humanismo e Democracia, nem mais, uma militante defensora das penalizações a mulheres que abortaram. Também no Algarve o PS, bem como o PSD, não deixam as mulheres acima das fronteiras do elegível. Bem diferente do nosso país vizinho em que o governo de Zapatero conta com oito ministras, o mesmo número de homens da equipa, num país assumido como “a nação do machismo e a reserva católica do Ocidente” como refere Lola Galán. Mas aqui ao lado é outra loiça, até porque as medidas paradigmáticas do PSOE no governo, foram a proposta de legalização dos casamentos homossexuais e o combate à violência de género. Esta matéria, aliás, foi motivo para a criação de uma disciplina obrigatória no secundárioo dedicada à igualdade entre os sexos. Em Portugal, como se sabe, a educação sexual nas escolas é letra morta há muito tempo nas práticas dos últimos governos. Na verdade, as matrizes operárias e trabalhistas do PSOE têm permitido a assunção de medidas verdadeiramente inovadoras na governação moderna, enquanto que em Portugal apenas se espera a permanência do status quo, num PS ainda marcado pela sua formação tecnocrática, sem raízes populares.
Mas as razões do texto citado acima (e que expressam o ponto de vista do autor) não deixam de ser puramente machistas. Considerar que uma mulher cavalga a “onda de popularidade” do marido, significa duas coisas: uma, que o autor não conhece o percurso de Matilde Sousa Franco; duas, que ele considera que nos papéis sociais de género, quem constrói a onda é sempre o homem, não percebendo o papel de suporte colectivo que a mulher representa, uma rectaguarda decisiva para o percurso de qualquer homem, tal como no caso referido. Situação que o próprio Sousa Franco reconhecia. Como muito bem afirma Anna Farré «Os homens têm podido ocupar espaços de poder porque têm disposto do apoio de uma estrutura familiar de afecto, cuidado e estabilidade, que actua como um descanso do guerreiro, potenciadora e tranquilizante, que lhes permite dedicar toda a sua energia e entusiasmo à tarefa a que se aplicam».
Mas alguns dados em Portugal vêm trazendo novidades: somos o país europeu com mais mulheres na investigação científica e só somos utrapassados pela Itália em número de mulheres doutoradas na Europa. Estas dinâmicas poderão permitir um crescente papel das mulheres nas esferas profissional e social e empurrar para o sistema político uma dinâmica de escolha baseada na competência e afirmação de género. Nessa altura não será preciso propagandear as quotas de mulheres nas listas, mantendo a hegemonia masculina nos lugares de poder e usando o feminino apenas para compôr o ramalhete, como muito bem salienta Elisabete Rodrigues no jornal «barlavento».