terça-feira, abril 28, 2020

Uma imagem por dia 26

Em casa, na minha infância e adolescência, não havia livros. Os salários magros e o emprego sazonal dos meus pais, ambos operários, não permitia nem pequenos luxos, por que todo o ganho ia para a comida e para o estudo dos filhos. As leituras eram aprendidas nos livros mais acessíveis, de Emílio Salgari, do Zoltan e das coleções «6 Balas«, «Cowboy», «Condor», «Mundo de Aventuras», entre outros que os amigos mais velhos compravam ou rapinavam dos quiosques e trocavam por outros já lidos. A biblioteca de Portimão (sítio velho e bafiento) permitia as leituras de verão mais pomposas, das aventuras de Scott e Amundsen e mais tarde, chegaram os livros da Enid Blyton («Os Cinco» e «Os Sete»). Aos 16 anos, quando estudava na Escola Técnica de Silves, para aceder ao liceu após a Escola Comercial de Portimão, já andava com leituras despropositadas, caso de «O Processo» de Franz Kafka. Lembro de ter visto o filme, sobre o livro, com o Anthony Perkins e a Jeanne Moreau nos principais papéis, dirigidos por Orson Welles, a que o meu pai me levou.
A partir daí comecei a constituir a minha biblioteca, iniciada com algumas ofertas e 'empréstimos' do Zé Luís. Este amigo, mais velho, era carpinteiro e para nós um ícone atlético e social, como homem culto, inteligente e sobretudo opositor ao fascismo. Mais tarde, antes e depois do 25A, viríamos a militar juntos nas organizações clandestinas e depois na extrema-esquerda maoísta (o termo radical não era conhecido na altura).
O livro, cuja capa acima se mostra, foi editado em 1972, com coordenação de José Viale Moutinho e inclui uma pequena auto-biografia de José Afonso e testemunhos de José Jorge Letria, Urbano Tavares Rodrigues e Assis Pacheco, entre outros. Lembro-me de o ter lido na Ponta da Areia, a nossa praia comunitária junto do Rio Arade e de pensar que o guardaria sempre.