A propósito de um artigo de Vítor Belanciano no «Público» que recebi de um amigo e que aproveito para
reencaminhar, aconselhando a leitura a quem ainda não o tenha feito, na
expectativa de vos estimular o pensamento e a acção, aproveito para vos
transmitir as minhas inquietações.
Concordo com Belanciano, temendo muito
que o regresso à normalidade venha a ser o regresso a um "normal"
muito pior que o que tínhamos. Pode mesmo ser aterrador.
Atrevo-me a pensar que só uma verdadeira
anormalidade o poderá evitar.
Vivemos um momento, em que, como deveria
ser em todos os momentos é preciso pensar e agir.
Sei que nos desabituámos-nos disso,
tem-nos dito que não é preciso, tudo está nas tabelas de excel. A mensagem é
curta e é para ser executada.
Verifique-se tudo conforme a chec-list
!
Corte as árvores e o mato à volta da sua
casa!
A punição e o medo.
Fique em casa!
Apesar de tudo a mensagem do momento
presente é mais esclarecedora e pedagógica do que foi e é, a relativa à suposta
prevenção dos incêndios.
Procura-se esclarecer e informar ainda
que não haja certezas. Introduziu-se até um conceito que me agrada imenso: - as
orientações dadas e as decisões tomadas são em função do melhor conhecimento à
data, amanhã com mais informação podem ser dadas outras orientação e tomadas
outras decisões.
A gestão do evoluir da pandemia veio
reforçar um principio básico, o de que a vida, o conhecimento e os
processo são dinâmicos.
Se não pensamos, reagimos como multidão,
formatada e manipulada, em acção de sentido único.
Na minha vida já vivi situações piores e
medos maiores, mas nunca assisti à conjugação de duas pandemias globais: a do
Covid 19 e a do medo.
E face a isto uma aço quase unânime de
governos a nível mundial.
Esta situação assente em motivos reais,
deveria conduzir-nos sobretudo a medidas e comportamentos adequados, a
processos de capacitação acrescidos. Temos que reconhecer, como refere
Belanciano que há algumas boas práticas, gesto solidários, emoções... A mim
afigura-se-me estarmos numa espécie de simulacro real, de ficções previamente
descritas por quem anteviu o caminho que enquanto humanidade nos temos
estoicamente empenhado em auto des(cons)truir.
Pensar a razão das coisas e o seu
contexto é pensar, como refere Belanciano, o serviço de saúde e nós ainda
o temos, fragilizado, outros países nem isso.
É pensar os efeitos de uma economia
globalizada em grande parte dominada pela agiotagem financeira, em que
cada comunidade não é capaz de sobreviver porque não tem o domínio do processo
produtivo de cada bem...
Espero estar enganado. Grande parte das
pequenas actividades económicas não voltarão a abrir, muitos produtores
deixarão de produzir, a concentração económica em muito poucos será cada vez
maior, a crise económica dará argumentos para retirar regalias e remunerações
aos trabalhadores ... o pais estará endividado e sem recursos...
Ou será que não é nada disto, porque em
momentos extraordinários haverão medidas extraordinárias?
As regras inultrapassáveis de Bruxelas
serão revogadas, a UE e o Banco Central Europeu disponibilizam o dinheiro
bastante e necessário aos Estados em função da sua população e necessidades de
revitalização sustentável da economia com trabalho e direitos sociais e dos
serviços públicos nos sectores essenciais, prevendo-se desde logo o perdão de
90% do dinheiro disponibilizado (divida)?
Será que percebemos que a economia
local, o aproveitamento sustentável dos recursos de cada território e de cada
país, satisfazendo no que seja possível as necessidades internas são o garante
da sua autonomia e o esforço de exportação será destinado a produções em que
cada um se diferencia?
Será que aprendemos que não devem ser
desincentivadas e encerradas actividades económicas locais, assentes em
circuitos curtos, mas sim apoiados os seus agentes na criação de condições para
que funcionem nas melhores condições e garantam o escoamento?
Será que passa a ser compreendido que
mais importante do que a competição é a cooperação?
O final de 2020 será aterrador, tanto ou
mais que o momento presente ou, admitindo a possibilidade de tornar possível o
impossível, abrirá o caminho a uma nova ordem económica, social e
ambiental...!
Provavelmente um desfecho ou outro
depende um pouquinho de cada um de nós, juntos.
(Nota: o artigo de Belanciano pode ser lido a partir do post abaixo)