Os sonhos reconhecem humildemente a sua condição imperfeita, a sua natureza caleidoscópica, mutável, efémera. Teolinda Gersão, em “Os Guarda-Chuvas Cintilantes”, descreve a técnica narrativa dos sonhos como idêntica à da escrita de ficção: “A dificuldade de ligar as coisas, o pé e a relva, o telhado e o muro, o sol e a casa, o autocarro e a árvore, a máquina e a sombra, o homem e o cão, qual era a relação entre as coisas que olhava, e por que razão fariam parte de um conjunto, era ela que se afadigava, correndo atrás das coisas, atando-as com fios em volta, dando-lhes sentidos que não tinham — e que elas de novo deixavam cair, recusavam sempre.
Os Sonhos da Razão,
de Alberto Manguel, Revista/Expresso, 20nov2020