A Voz de Loulé entre o papel e a rede
A Voz de Loulé faz hoje 55 anos. O que dizer de um jornal que atravessa a 2ª metade do século XX e já se espraia por um novo? Bom, em primeiro lugar reconhecer que é muito tempo e motivo de satisfação. Devo reconhecer que, ao escrever estas linhas, eu também estou a escrever sobre mim, sobre o meu tempo, pois as nossas idades andam bem mais próximas do que se pensa. É o momento de endereçar os parabéns, a altura em que toda a gente diz que a Voz de Loulé é um marco da terra, um emblema do concelho. Pois é. Mas o jornal é também um daqueles produtos do século passado, uma construção cultural da escrita e da produção de conhecimento literário. Uma tribuna para dar a conhecer a política do estado novo, os melhoramentos da terra, as novas estradas e avenidas, o carnaval, o ciclismo, as remessas de emigrantes, a necrologia dos parentes, os anúncios e editais. Mas, também já o disse aqui, a poesia, a história, o conto. Mais tarde o futebol, a popularização das arengas da bola e dos novos estádios. A Voz de Loulé é isso tudo e, como todas as construções culturais, um produto em trânsito e dilema. Hoje, é um jornal que se constrói a si próprio, com a participação de amigos e colaboradores, página a página. Se carece de reportagem e de notícias, ele enche-se de crónicas e de comentários, colunas sociais, políticas e fiscais. Se necessita de tratamento de notícia, ele permeia-se de opinião e de entrevista. É o resultado do seu tempo e do seu lugar.
Passaram 55 anos. E, na verdade, se exceptuarmos a cor e uma maior parafernália fotográfica, ou mesmo as máquinas de processamento e de impressão, pouco mudou. Meio século é pouco, convenhamos. Mas é verdade que a imprensa escrita está, cada vez mais, numa encruzilhada. Grande parte dos seus leitores está, hoje, sentado em frente ao monitor e a ler as notícias em linha, de forma mais rápida e eficaz; e económica, talvez. A possibilidade de participação, dos leitores, nos sítios on-line dos jornais é notória, através de comentários e fóruns de interactividade, à medida de um simples clic. Uma participação cidadã, mais activa e mobilizadora dos leitores, é procurada, cada vez mais, pelos gestores dos media actuais. Os exemplos do canal televisivo de Al Gore e do jornal “Público”, de Espanha, são casos paradigmáticos do que afirmo. Também a vulgarização do filme digital e do vídeo, e a sua concomitante divulgação na rede, permitem possibilidades jornalísticas incomensuráveis, como sabemos.
O que fazer, então? Dizem-me que ninguém, nem nada, pode retirar o prazer da leitura de um jornal sopesado entre as mãos. É verdade. Nós próprios, mesmo lendo (ou ouvindo) em linha diversas publicações, entre revistas, jornais, blogues, podcasts, vídeos e o demais que a Web proporciona, também compramos e lemos jornais e revistas, portugueses ou espanhóis, às vezes brasileiros ou americanos. Então, onde está o problema? Bom, o problema é que os jornais, como qualquer produto cultural, estão sujeitos a mudanças, a reposicionamentos enquanto objectos de consumo cultural. E precisam de encontrar novos caminhos. Se olharmos para o Algarve isso é notório, com a procura de novos formatos para a imprensa escrita. No concelho de Loulé, pelo menos três jornais têm sítios on-line e que conste, o facto não lhes retirou leitores para o formato papel. Quando isso acontece, é claro que a contrapartida é sempre mais vantajosa, através da presença dos leitores nos espaços participados da rede. E já agora poderia falar da publicidade, mas isso é outra história.
Pois bem, os novos caminhos da imprensa já estão escritos, e trilhados, por agora e por muita gente. Pois, no futuro, também já o sabemos: a imprensa escrita tal como a conhecemos hoje desaparecerá, envolta num misto de rede conexa de vários formatos tecnológicos. Para bem do leitor, claro.
A Voz de Loulé, 1 Dezembro 07