quarta-feira, outubro 13, 2021

Para onde vai o 'Poder Local?'

 

No dia 29 de setembro, dias após as eleições autárquicas, a Casa da Cultura de Loulé organizou mais uma tertúlia ‘Então e agora?’, desta feita dedicada ao tema do Poder Local. Das intervenções que lá fiz, resultou um pequeno texto, que aqui deixo:

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A questão do ‘poder local’ deve ser vista à luz do histórico da democracia portuguesa, nos períodos pré 25 de Abril de 1974 e na construção democrática do PREC e dos anos 1974-1984.

Por razões históricas, já estudadas por historiadores deste período (eu próprio, a partir da minha investigação de doutoramento em Portimão, mas Loulé também é bom exemplo), sabemos que nos dias imediatos ao 25 de abril de 1974 as autarquias, e outras instituições locais do estado, foram tomadas, ocupadas, pelos partidos organizados a nível local ou regional, sobretudo o PCP/MDP, o PS e membros simpatizantes da ala liberal que mais tarde dará origem ao PPD. Os comunistas estavam organizados numa frente eleitoral recente, vinda das eleições de 1969 e 1973, no MDP/CDE, e tinham já algum poder sindical. O PS tinha algumas estruturas ou ativos locais. Os liberais alinharam com aqueles partidos nas primeiras comissões administrativas, criadas após as ocupações das câmaras.

Entretanto, a extrema-esquerda queria era fazer a revolução e a luta de classes, numa visão internacionalista que não apostava nada no poder que se construía nas autarquias. Em vez disso, preferia apostar na dinamização das organizações populares de base, as comissões de moradores e cooperativas de trabalho e de habitação, para além das comissões de trabalhadores, já existentes ou em criação. Tratou-se de um duplo poder que colocou o poder na rua e paralisou o poder de estado, como bem refere Boaventura Sousa Santos.

Esta história determinou, até hoje, a história do poder local, e é por isso que defendo que as autarquias serão sempre dominadas pelos partidos tradicionais do centro, incluindo o CDS, ou mesmo os independentes que saíram dos referidos partidos. Julgo, assim, que a esquerda à esquerda do PS (exceto PCP) nunca terá qualquer poder nas autarquias, a não ser integrada nas suas listas.

Talvez esta questão explique, entre outras questões, a crescente ausência de votantes nas eleições autárquicas, sendo mais do que aqueles que votam. O dito poder local está cada vez mais afastado dos cidadãos e vai governando a partir dos diretórios partidários locais ou nacionais. Por isso, será bom reconsiderar o conceito de poder local, já que o termo ainda mantém um misto de hegemonia dos cidadãos que não existe, e que remete para um período democrático mais representativo e participativo, já ultrapassado.

Perante este quadro, e considerando o definhamento do papel do PCP nas autarquias e na luta sindical – as suas duas principais frentes de luta fora do parlamento –, posso arriscar dizer que no futuro, a médio/longo prazo, teremos três grandes blocos partidários: liberais, social-democratas  e socialistas (incluindo aqui os atuais Bloco de Esquerda, PCP e Verdes, entre alguns outros residuais). A configuração partidária na Europa tem mostrado esse caminho.

Então, se o dito poder local está cada vez mais afastado dos cidadãos e se as autarquias limitam, coartam e manipulam a participação das pessoas, pode prever-se que essa mesma participação só poderá desenvolver-se fora das autarquias, ou pelo menos partir daí em busca de outra construção de poder local.

Talvez o caminho passe por enquadramentos livres e autónomos, fora da profissionalização dos candidatos, cada vez menos competentes e reconhecidos, partindo de focos materiais e concretos, que misturem alguma inorganicidade com dinâmicas representativas, e lideranças que se constroem nas aprendizagens dos movimentos informais: fóruns, observatórios, provedorias, cidadanias, etc. Algum caminho existirá!

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Entretanto, hoje realiza-se mais um encontro, dedicado ao tema das Pandemias. Vamos lá!