As histórias têm fim mas não terminam
Era uma vez um livro que vivia num confortável bolso do casaco dum leitor, e onde um ia o outro ia também. A leitura durante as longas viagens de autocarro ou nos breves momentos passados nos cafés era-lhes já rotineira, mas às vezes também lhes aconteciam agradáveis surpresas: um banco de jardim ou uma esplanada à beira do rio. E assim o livro ia vivendo despreocupado, uma página depois da outra, limitando-se a ser quem era. [A moral desta história é aquela que o fino leitor sem dúvida já antecipou: um livro sem um leitor não é ninguém! E vice-versa.]
Um homem encontrou um livro estendido num banco de jardim e perguntou-lhe: Quem te perdeu? Ao que o livro respondeu: Ninguém me perdeu, na verdade fui aqui deixado para que alguém me encontrasse e me levasse consigo. Mas ainda o livro mal acabara de falar e já o homem abalava sozinho sem dizer sequer uma palavra. [A moral desta história é dupla: há livros que não falam ao coração dos homens; há homens que são surdos à voz dos livros]
Uma cadeira, igual a todas as cadeiras daquela sala, decidiu certo dia não deixar que a voltassem a usar. A partir daí, sempre que alguma pessoa tentava sentar-se nela, logo ela dobrava uma das suas quatro pernas ao acaso, derrubando sem apelo nem agravo a infeliz, tudo isto perante o espanto das outras cadeiras. Passado pouco tempo, foi substituída à força e mandada abater por insubordinação. As outras lamentaram então a sua má sorte, nunca mais se iam divertir tanto. [A moral desta fábula é: o público deve apreciar o artista em vida. Ou outra.]
[Luis Ene]
(histórias publicadas em «A Voz de Loulé» de 15 de Outubro)