Resultado do debate na tertúlia sobre a sociedade digital, foi produzido um texto com os contributos dos participantes que se pode ler abaixo. Entretanto, ontem realizou-se mais uma tertúlia dedicada ao tema da Economia Local/Economia Global, sobre o qual daremos conhecimento em breve:
A sociedade digital
A súmula da conversa, realizada dia 12 de maio, em que as diferentes perspetivas e experiências, contaram para aprofundar conhecimento.
Dizem que o digital é nosso futuro, o nosso desígnio...Como está a sociedade digital a influir nas nossas vidas? A incluir-nos? A capacitar-nos? A excluir-nos? Como estamos a reagir perante esta inevitabilidade?
Os efeitos da chamada digitalização estão aí, embora nem sempre consigamos ter plena consciência dos seus efeitos, uns para o bem, outros para o mal.
Hoje o nosso atendimento nos serviços de saúde, ao levantar e depositar dinheiro, tratar dos nossos documentos pessoais, pagar as compras, tratarmos das responsabilidades fiscais, comunicar… dependem de processos digitais. E todo o nosso contacto com esses meios, deixa um rasto do nosso percurso e da nossa vida, como se deixássemos pegadas no caminho de terra bem humedecida pela intensa chuvada. São os algoritmos que registam os nossos passos e as nossas preferências, para de seguida nos manipular nas escolhas.
O relacionamento através da intermediação digital que aparenta facilidade, é fator de exclusão para muitos, a grande maioria, que não tem acesso – ou porque não tem rede ou porque não domina a tecnologia – tornando a administração mais inacessível. O antigo papel de 25 linhas, era afinal uma pequena exigência burocrática do passado, comparada com as exigências do presente. Os processos digitais acrescentam procedimentos, por vezes redundantes, somam burocracia à burocracia. E com isto temos degradação e inacessibilidade nos serviços públicos e privados.
Quem antes não sabia escrever ficava à parte. Quem hoje fica à parte é que não domina o digital. E dominar o digital não é saber enviar um e-mail ou colocar um gosto numa qualquer imagem ou frase de 10 palavras. É preciso saber entrar em plataformas, muitas das vezes sem alternativa, onde temos que tratar de assuntos essenciais à nossa vida. Estamos de fato num grande processo de exclusão. Perante a necessidade de capacitar os cidadãos digitalmente, até que tal aconteça, o que demorará anos, é preciso que os diferentes serviços públicos e privados não excluam e promovam o acesso, mediado e apoiado aos serviços.
As freguesias, os municípios, as associações podem e devem ter essa missão de combate à exclusão, como o tiveram no combate ao analfabetismo, agora na alfabetização digital. Nas novas competências das freguesias, os “espaços cidadão” estão previstos, mas poucas entidades estarão efetivamente com a preocupação de os usar como espaços de intermediação apoiada do cidadão com as plataformas digitais.
Ao ensino colocam-se hoje desafios fundamentais: para os adultos a aprendizagem sobre a utilização das ferramentas digitais; para as crianças e jovens aprender e compreender as “coisas da vida”, as relações pessoais, a utilização das mãos… E para ambos o treinamento da reflexão e da capacidade de pensar que lhe permita destrinçar o útil do inútil, o destrutivo e falso do verdadeiro e construtivo. Isto porque na internet circula tudo isso e é preciso criar defesas que nos protejam da desinformação, da manipulação, do aproveitamento dos nossos dados. É preciso dominar a tecnologia e saber como funciona para construir defesas, para não nos deixarmos apanhar pela “rede”.
Quantos de nós conhecemos os acordos de privacidade que as grandes plataformas nos dão para ler e dar o acordo?
A grande revolução da humanidade foi a sedentarização com fixação ao solo pela atividade agrícola. Agora estamos perante a revolução tecnológica e com ela a afirmação do capitalismo de vigilância. A digitalização e automatização leva à perda de milhões de postos de trabalho. Alteram-se os hábitos, a comida chega a casa “fast food”, perdem-se competências, diminuem-se as relações pessoais. Mas esta transformação não nos está a trazer menos tempo de trabalho, maior equidade social. A riqueza mundial concentra-se cada vez mais em menos pessoas e as diferenças entre os mais pobres e os mais ricos não continua a aumentar.
O trabalho não é valorizado, é cada vez mais precário e para sobreviver é preciso trabalhar em dois e três empregos. O poder político, está cada vez mais afastado da realidade, dominado pelo capitalismo financeiro e digital. Promete-se emprego em call-centers de “novos escravos” que atendem consumidores insatisfeitos após longas esperas ao telefone, respondendo a partir da chek list de respostas formatadas.
É perante esta tecnologia que em si não é boa nem má, que temos que ganhar competências para com elas nos protegermos do que é mau e destrutivo, aproveitando ao mesmo tempo o acesso ao conhecimento e informação e á produção e divulgação de conteúdos que possam ser úteis para a comunidade. Os suportes e ferramentas digitais, as novas tecnologias podem contribuir para disseminar valores e conhecimentos que sirvam a humanidade, que alertem para os perigos do consumismo de equipamentos de curta duração sempre a substituir-se e poluir, que promovam a equidade social e a responsabilidade ambiental, a prevenção e o acesso à saúde a educação.
A sociedade digital, inevitável, implica um período transitório que não exclua pelo não acesso ou não domínio e que valorize como essencial a capacitação de utilizadores informados.
António, Cristina, Hélder, Joaquim, Marília, Otílio, Rute, Sérgio, Sónia