A Casa da Cultura de Loulé (CCL) iniciou um projeto de tertúlias sobre questões fundamentais da sociedade, que irão decorrer às 2ªs e 4ªs quartas-feiras de cada mês, em locais a designar. O primeiro decorreu no pátio da sede da associação, no dia 12 de maio entre as 18:30 e as 20 horas e foi dedicado à Sociedade Digital. Apesar das poucas presenças, o debate foi vívido e com algumas ideias. Dele resultará um resumo que irá ser publicitado no sítio da CCL. Na conversa tive oportunidade de deixar algumas ideias, que mais tarde traduzi num pequeno texto, que se segue:
A sociedade digital, que parece herdeira da revolução industrial, deve o seu desenvolvimento à revolução tecnológica. Nas palavras do historiador israelita Yuval Noah Harari, foi a revolução agrícola aquela que levou o homo sapiens à sua própria domesticação, pela criação de animais e pelo plantio dos cereais. Depois da revolução cognitiva e da revolução agrícola, a revolução científica e tecnológica trouxe acesso ao conhecimento, à partilha de conteúdos e à interação humana em bolhas especializadas.
Parece que não podemos fugir de uma vida pautada pelas interconexões digitais, para produzir, consumir, estudar ou procriar. Pessoalmente, faço um esforço para encarar este tipo de vivência humana, usando parcimoniosamente o conhecimento e a técnica digital, evitando plataformas e mecanismos de devassa da identidade e do uso abusivo das tecnologias. Não tanto por excesso de privacidade, mas sobretudo pela defesa de uma postura de consciência social e política na vida diária.
No momento presente, os dados de milhares de seres no planeta valem ouro para o mercado global de produtivismo comercial e industrial, já controlado pelas grandes tecnológicas do consumo digital de matérias primas, produtos e conhecimento, os chamados GAFA (Google, Amazon, Facebook e Apple; não coloco aqui a Microsoft, como alguns fazem, por razões contrárias). Estas megalópoles universais controlam e manipulam pessoas, dados e governos, já que nem impostos pagam, e são o exemplo da escravatura de trabalho em todo o planeta. Usando as ditas redes ‘sociais’, conceito que esconde e abandona os sentidos de pertença e coesão física, pela interface de telemóveis e computadores, são armazenados dados privados para serem vendidos no mercado de consumo que se prepara desde o início deste século. A socióloga norte-americana Shoshana Zuboff chama a isto a era do capitalismo da vigilância, devido ao controlo total da vida dos cidadãos e da produção de mecanismos de predição de tecnologia digital que irão definir os consumos futuros. Estes, irão ser levados a cada casa, provavelmente controlada pela inteligência artificial, através de algum motorista da Uber e pagos por e-banking no telemóvel, rastreado pelo GPS da Google.
O que fazer? Talvez, como muitos disseram, voltar ao trabalho de educação, como no princípio do século passado, desenvolvido pelo associativismo popular e pelos sindicatos. Desta vez, com formação tecnológica, realizada através da sociedade civil (associações, grupos informais) e concomitante com a pressão sobre as instituições políticas e sociais para um trabalho de formação popular junto dos mais desfavorecidos tecnológicos, com vista à sua inclusão digital e à cidadania plena.
Referências:
Harari, Yuval Noah (2020). Sapiens. De Animais a Deuses. História Breve da Humanidade. Amadora: Elsinore.
Zuboff, Shoshana (2020). A Era do Capitalismo da Vigilância. A disputa por um futuro humano na nova fronteira do poder. Lisboa: Relógio d´Água.