sexta-feira, setembro 18, 2020

Louis-Ferdinand Céline

Esta capa limpa não é a do meu livro; a minha está bem usada e sem películas e carregada de bagos de areia. A obra está comigo desde 2 de dezembro de 1983, quando ainda assinava com os dois nomes pegados e com maiúsculas no H e no R. Tempos de crise e de rutura, quando abandonei a ortodoxia leninista e dediquei-me a pensar como um neo-marxista. Herman Hesse, tem grandes culpas no cartório, sobretudo com as obras de autonomia do rebanho, «Siddharta» e «O Lobo das Estepes» (este, nome do blog dos meus arquivos). Mas a música tradicional e a pop portuguesa, as artes plásticas, as viagens imaginárias e a descoberta da natureza selvagem, deram alguns empurrões. Este é um livro desse tempo, comprado para exorcizar os fantasmas do anti-semitismo e da apologia do nacional-socialismo, de que Céline foi acusado e bem. Mas, para o peditório da sobreposição entre artista e arte, já dei o que tinha a dar. Viagem ao Fim da Noite foi prémio Goncourt em 1932, quando foi editado, mas Céline não se escaparia dos seus textos panfletários, «Bagattelles pour un massacre», de 1937, dois anos antes da guerra, que criou a resistência francesa e as acusações ao médico da periferia e escritor por acaso. Nas palavras do seu magnífico tradutor, que é Aníbal Fernandes, lemos, no prefácio a outra obra:

O espanto que as fortes personalidades provocam anda sempre de mistura com a surpresa indignada. Houve quem decidisse difícil de engolir tanto talento, ainda por cima chegado por caminho lateral às letras, ainda por cima a passar sobre cadáveres repentinos de escrita encartada, a deixar velha - e velha de vez - a sintaxe de bom-senso da 'boa' literatura francesa.