A história das rivalidades políticas e pessoais entre João de Deus, director do jornal «O Aldeão» e Cândido Guerreiro, presidente da Comissão Administrativa Municipal de Loulé, decorridas no ano de 1912, está ainda por contar. Se Cândido Guerreiro passou à história como um poeta, João de Deus ficou esquecido nas brumas do tempo. E isso talvez valha a pena desvelar.
A propósito de uma pesquisa que estou a realizar sobre Alte e como a tradição da imprensa local na aldeia é muito forte, resolvo iniciar a pesquisa pelos jornais da terra. O mais antigo, disponível no Arquivo Histórico de Loulé, é “O Aldeão”, fundado em 1912, por João de Deus, que durou apenas até 1913, tendo sido encerrado pelas autoridades. Esse encerramento deve-se sobretudo às batalhas verbais travadas entre o jornal, dito acérrimo “defensor dos interesses locaes”, e o conhecido poeta altense Cândido Guerreiro, entre outros cargos, também presidente da Câmara de Loulé, na altura.
Dou por mim a folhear as velhas páginas facsimiladas do jornal, de há quase um século, escutando vozes antigas do período do fundamentalismo republicano. E de como a crítica acerada e crua se fazia na altura. João de Deus, um jovem de vinte anos, ajudou a crescer - em conjunto com outros amigos -, para os estudos e para a política, o futuro bacharel Cândido Guerreiro, um homem que mais tarde é acusado pelos jovens republicanos altenses de ter vendido os votos ao inimigo. É esta a faísca que incendeia a chama das acusações d’«O Aldeão» ao presidente da Comissão Administrativa Municipal, que chama várias vezes a depor e dá voz de prisão a João de Deus, cansado de vir de macho de Alte a Loulé, da freguesia ao poder central do município. É também por isto que o jovem republicano funda um jornal, que em repetidos e fogosos editoriais se atira contra o poder da senhora Câmara, expressão de crítica e protesto do controlo social e político dos municípios sobre as freguesias rurais. Um vocabulário aterrador – que hoje envergonharia muito boa gente – escorre pelas páginas d’«O Aldeão», pela mão de João de Deus, Graça Mira e outros colaboradores, em defesa da honra do seu director. Uma tertúlia juvenil que não tolerou nunca os poderes distantes, as promessas descaradas e os conúbios fáceis da vila.
Hoje, passados nove décadas, a função de crítica dos jornais mantém-se quase intacta, como nesses velhos tempos de bengaladas, navalhadas e torpes impropérios. Porque os alvos da crítica dos jornais pouco mudaram, deambulando ainda, nos corredores do poder, nos escritórios da justiça, nos pátios encerados. Mesmo que não se goste, que se acuse as denúncias, que se proteste num linguajar apressado e intolerante, aqueles que se sentem no dever de escrever o que pensam, deverão fazê-lo, honrando-se a si próprios e àqueles que nunca terão poder para o fazer.
A propósito de uma pesquisa que estou a realizar sobre Alte e como a tradição da imprensa local na aldeia é muito forte, resolvo iniciar a pesquisa pelos jornais da terra. O mais antigo, disponível no Arquivo Histórico de Loulé, é “O Aldeão”, fundado em 1912, por João de Deus, que durou apenas até 1913, tendo sido encerrado pelas autoridades. Esse encerramento deve-se sobretudo às batalhas verbais travadas entre o jornal, dito acérrimo “defensor dos interesses locaes”, e o conhecido poeta altense Cândido Guerreiro, entre outros cargos, também presidente da Câmara de Loulé, na altura.
Dou por mim a folhear as velhas páginas facsimiladas do jornal, de há quase um século, escutando vozes antigas do período do fundamentalismo republicano. E de como a crítica acerada e crua se fazia na altura. João de Deus, um jovem de vinte anos, ajudou a crescer - em conjunto com outros amigos -, para os estudos e para a política, o futuro bacharel Cândido Guerreiro, um homem que mais tarde é acusado pelos jovens republicanos altenses de ter vendido os votos ao inimigo. É esta a faísca que incendeia a chama das acusações d’«O Aldeão» ao presidente da Comissão Administrativa Municipal, que chama várias vezes a depor e dá voz de prisão a João de Deus, cansado de vir de macho de Alte a Loulé, da freguesia ao poder central do município. É também por isto que o jovem republicano funda um jornal, que em repetidos e fogosos editoriais se atira contra o poder da senhora Câmara, expressão de crítica e protesto do controlo social e político dos municípios sobre as freguesias rurais. Um vocabulário aterrador – que hoje envergonharia muito boa gente – escorre pelas páginas d’«O Aldeão», pela mão de João de Deus, Graça Mira e outros colaboradores, em defesa da honra do seu director. Uma tertúlia juvenil que não tolerou nunca os poderes distantes, as promessas descaradas e os conúbios fáceis da vila.
Hoje, passados nove décadas, a função de crítica dos jornais mantém-se quase intacta, como nesses velhos tempos de bengaladas, navalhadas e torpes impropérios. Porque os alvos da crítica dos jornais pouco mudaram, deambulando ainda, nos corredores do poder, nos escritórios da justiça, nos pátios encerados. Mesmo que não se goste, que se acuse as denúncias, que se proteste num linguajar apressado e intolerante, aqueles que se sentem no dever de escrever o que pensam, deverão fazê-lo, honrando-se a si próprios e àqueles que nunca terão poder para o fazer.
[minha coluna publicada, hoje, em «A Voz de Loulé»]