Mas há uma cultura instalada de dependência do Estado que não autoriza, sequer, que se raciocine. Vem de muito longe, mas foi cimentada com o salazarismo, o gonçalvismo e o Portugal dos dinheiros europeus.
Esta citação, retirada da crónica de Miguel Sousa Tavares no Expresso de 9 de novembro, a propósito da análise ao ataque ao funcionalismo público no quadro do pagamento da crise, pode parecer uma marca de direita, mas não é. De facto, num contexto de crise estrutural do segundo pós-guerra, depois de ter sido inventado o estado providência e da social-democracia ter desenvolvido um estado social forte, não mais se deixou de pensar no estado como a última fortaleza dos direitos sociais dos trabalhadores. Agora que a classe operária desapareceu, no seu formato clássico, e quase todos nós somos assalariados do estado, o nosso pensamento molda-se a partir de uma visão estadocêntrica, como refere Rui Canário. Esta visão, muito longínqua das velhas ideologias anarquistas e anarco-sindicalistas (que afirmavam "Nem patrões, nem Estado"), tem marcado toda a análise de esquerda sobre as sociedades e, provavelmente, tem contribuído para uma incapacidade crítica de pensamento e de transformação social.