MAIO
DE 68 EM
PARIS
Grandes Manifestações de Estudantes e
Operários
Em Maio de 1968, uma revolta
estudantil em Paris veio a tornar-se numa crise social e política de grandes
dimensões, que alastrou a toda a França, e também teve efeitos noutros países
europeus.
No período de 1960 a 1968, o
número de estudantes em França duplicou, e em áreas como Letras ou Sociologia,
os alunos começam a temer que quando terminarem os seus cursos não vão
conseguir emprego.
Em 1968 o sector estudantil em
França, considerando os alunos com idades entre os 16 e os 24 anos, era
constituído por cerca de oito milhões de estudantes, o que representava 16,1 %
do total da população francesa.
As Universidades não souberam
adaptar-se à mutação do mundo contemporâneo, pois as suas estruturas não se
modificaram, como não mudou a sua pedagogia nem se alteraram as suas
disciplinas.
Algumas ocorrências anteriores
apontavam para uma juventude procurando novos horizontes, como, por exemplo,
quando em Janeiro de 1966 após vários meses de disputa em volta de questões
sexuais num complexo de dormitórios estudantis, um director introduziu o que
para a época era um regime radical:
- As raparigas e rapazes com mais
de 21 anos podiam, a partir de agora, receber membros do sexo oposto nos seus
quartos no dormitório.
Os que tinham menos de 21 anos
também podiam fazê-lo, mas mediante autorização escrita dos pais. Em mais lado
nenhum foram concedidas tais liberalizações no âmbito sexual.
Além disso, vinha aumentando a
divulgação junto dos jovens de ideias revolucionárias, sobretudo com base em
Mao, Trotski ou Ernesto Che Guevara.
Foi uma época em que a nível
internacional foram barbaramente eliminados alguns defensores dos direitos
humanos e símbolos da luta pela liberdade:
De facto, Che Guevara foi
assassinado na Bolívia no dia 9 de Outubro de 1967, e o activista americano
Martin Luther King é assassinado a 4 de Abril de 1968, em Memphis (USA).
Em França, para
descongestionar a emblemática Universidade Sorbonne, foi criado, em 1963, o
Campus Universitário de Nanterre, situado num subúrbio de Paris, nas
proximidades de bairros de lata (bidonvilles), onde viviam muitos emigrantes
portugueses, incluindo, naturalmente, algarvios.
A 22 de Março de 1968, a
seguir à prisão de estudantes radicais que tinham atacado uma agência da
American Express, no centro de Paris, em repúdio para com a intervenção
americana no Vietname, começa a forma-se um grande movimento contestatário.
No mesmo dia, os estudantes
ocupam as instalações universitárias de Nanterre, dando o primeiro sinal de
revolta. Rapidamente o movimento aumenta, passando a incluir milhares de
estudantes, e em volta do qual se unem diversas tendências esquerdistas.
Destacam-se então diversos
dirigentes da revolta, como Daniel Cohn-Bendit, um estudante de Sociologia de
origem alemã a frequentar o Campus de Nanterre.
Contestavam a autoridade, a
desigualdade e o emprego da violência.
Os alunos reclamam sobretudo a
destruição do sistema de ensino vigente, que era na época um dos pilares da
sociedade burguesa, procurando novas formas que após os estudos lhes permitam
emprego estável e o progresso técnico.
As comemorações do 1º de Maio
vêm dinamizar ainda mais os jovens, e a Universidade de Nanterre acaba por ser
encerrada no dia 3 de Maio, sendo os estudantes atacados pela polícia com gases
lacrimogéneos, tendo respondido com uma chuva de pedras arrancadas da calçada.
Pouco depois, os estudantes
realizam um meeting na Sorbonne, no centro de Paris. Em consequência deste
encontro, vieram a ser presos cerca de 500 alunos, e os próprios professores
decidem entrar em greve, e a Sorbonne é também encerrada.
No conhecido Quartin Latin, a
tensão sobe entre manifestantes e polícias, vindo a culminar em violentos
confrontos na noite de 10 para 11 de Maio, uma das chamadas “noite das
barricadas”, do que veio a resultar cerca de milhar de feridos, e onde não
faltaram viaturas em chamas.
Para tentar restabelecer a
calma, o primeiro-ministro Georges Pompidou deu ordem, no dia 13, para reabrir
a histórica Sorbonne. Contudo, o movimento de revolta universitário já se tinha
estendido a outros extractos da vida social, nomeadamente à classe operária.
Assim, nesse mesmo dia 13
junta-se uma multidão em Paris, e os trabalhadores começam a ocupar as
fábricas. Cerca de uma semana depois, no dia 21, já eram entre oito a dez
milhões de grevistas.
Em viagem pela Roménia e
Alemanha desde 14 de Maio, como se de nada se passasse no seu país, o general
De Gaulle propõe um referendo e reformas. Mas em França ninguém reage à voz do presidente,
parecendo que o governo está de férias.
No dia 22 de Maio o movimento
estudantil/operário fragmenta-se.
Com efeito, os comunistas
boicotam uma manifestação de apoio a Daniel Cohn-Bendit, cuja expulsão para a
Alemanha Federal havia sido decretada pelos governantes.
Pouco depois, há mais uma
noite de barricadas em Paris, de 24 para 25 de Maio, com forte repressão
policial.
Na prática, a ocupação dos
estabelecimentos universitários e subsequentes barricadas, foram essencialmente
conduzidos por anarquistas, embora tenha havido também a participação da
Juventude Comunista Revolucionária (de base trotskista), assim como de
funcionários de sindicatos afectos aos estudantes e professores assistentes.
Foi um movimento espontâneo,
que de algum modo escapou ao controle do Partido Comunista Francês (PCF), que
se sentiu ultrapassado, e só depois, quando viu milhões de trabalhadores em
greve, entrou nas manifestações.
Entretanto decorreram
negociações entre sindicatos, patrões e governantes, e no dia 27, em Grenelle,
no Ministério dos Assuntos Sociais, foram conseguidos os seguintes resultados:
- Aumento de 7 % nos salários;
- Aumento de 35 % no salário
mínimo.
Satisfeito com os aumentos
salariais obtidos, o Partido Comunista Francês preconiza o regresso à
normalidade. Na realidade, objectivo da direcção do PCF era tentar manter a sua
influência no movimento operário, e desprezava claramente os estudantes mais
radicais. Mas os militantes de base recusaram esta estratégia.
Curiosamente, as multidões de
estudantes eram, na sua maioria, pertencentes à classe média, e muitos
pertenciam à própria burguesia parisiense.
Esta revolta de 1968 falava
muito de sexo, mas não estava essencialmente preocupada com as desigualdades de
género. Basta verificar que não havia mulheres entre os dirigentes do movimento
estudantil.
Maio de 68 foram manifestações
que marcaram uma geração, constituindo uma experiência extraordinária para quem
participou ao vivo, durante um mês num ambiente de grande liberdade e
solidariedade entre estudantes e operários.
Ultrapassou em muito as
fronteiras de França, sendo um fenómeno que se expandiu a quase todos os países
europeus.
Também surgiram movimentos
reivindicativos femininos, sobretudo entre 1968 e 1970, onde se destacam obras
de autoras como Kate Millet e Gloria Steinem.
Os nossos emigrantes na região
de Paris, trabalhavam 12 a 14 horas por dia, e o seu estado de despolitização
era quase total, vivendo num meio muito fechado, difícil de penetrar. Só viam o
trabalho, procurando enviar o máximo de dinheiro para Portugal, e praticamente
mais nada os preocupava.
As suas diversões e tempos de lazer
eram quase zero. Por vezes, ouviam o folclore da sua região em Portugal, e
também os fados de Amália Rodrigues e Alfredo Marceneiro.
Por sua vez, cantores de
intervenção iam aos bairros de lata, e a música conseguia juntar os
trabalhadores, mas a sua mensagem era difícil de passar.
Os emigrantes portugueses não
faziam ideia do que era a situação política em Portugal, nem compreendiam a
atitude dos movimentos de libertação em África.
Era evidente o atraso cultural
e político em que se encontravam os emigrantes.
Durante as cerca de três
semanas das manifestações na região de Paris, juntavam-se vários cantores e
músicos que percorriam as fábricas ocupadas pelos operários, actuando e
convivendo pela noite dentro.
Intelectuais, cantores e
exilados políticos portugueses era hábito encontrarem-se no café Select Latin,
no Quartier Latin, perto da Sorbonne.
Curiosamente, um grupo incluía
a cantora francesa Collete Magny, o português Luís Cília e Paco Ibañez,
compositor e intérprete espanhol, natural da região de Valência. Também se
encontravam em Paris nessa altura os cantores José Mário Branco e Sérgio
Godinho.
Para muitos emigrantes
portugueses que trabalhavam nas fábricas, foi uma oportunidade para terem
contacto com outra realidade, e se aperceberem da força de uma greve.
Em Portugal, José Afonso, expulso
do ensino no princípio do ano lectivo de 1967/68, prepara o trabalho “Cantares
do Andarilho”, um disco marcante na obra do grande compositor e intérprete, por
ser o primeiro que é estruturado e concebido de raiz.
Manuel J. Pereira