(1º de maio de 1974 em Portimão, organizado pela extrema esquerda)
Alguém que me venha questionar
sobre a importância do 25 de Abril de 1974, para nós portugueses, mas também
para Europa e outros recantos do Mundo, é para mim tido como uma agressão. Pode
ser uma agressão inconsciente, resultante do desconhecimento, mas é uma
agressão.
Há 44 anos, quando cheguei a
Loulé para mais um dia de aulas, no curso de administração e comércio da escola
técnica, deparei com os colegas na rua, os comentários de que algo teria
acontecido em Lisboa, uma revolta, um golpe de estado...
Para mim, com 16 anos vividos
no campo, tudo aquilo era algo impensável, desconhecido... Levei tempo a
entender, a compreender o que de facto se estava a passar. Ouvia muito a rádio,
não tinha televisão e raramente comprava jornais, não havia dinheiro para esse
extras.
O que me levou a entender o
processo que o 25 de Abril nos trouxe foi o passado, até então incompreendido.
Desde os 11, 12 anos que eu
assistia regularmente à semana de exercícios dos furriéis milicianos que vinham
para a área que eu habitava, antes da mobilização para África. Era uma semana
terrível, com o ecoar de rajadas de metralhadora e disparos dia e noite. Uns
eram os "turras" outros o exército português.Tudo se devia assemelhar
ao contexto real que iriam encontrar na Guiné, Angola ou Moçambique. Por vezes
apareciam-nos, às escondidas, a pedir um pouco de comida. A ração de combate
que lhes havia sido distribuída era exígua e a fome fazia sentir-se.
Eu cresci fisicamente cedo,
então raro era o exercício em que nos encontros fortuitos que tinha com os
soldados que não lhes ouvia o conselho, entredentes:
- foge daqui o mais cedo que
possas!
Eu sabia e conhecia jovens que
tinham fugido para França. Ouvia falar dos mais diversos expedientes para
evitar ir para a tropa e com grande probabilidade de ir parar a África e lá
morrer, ou vir deficiente fisicamente, ou com profundas alterações mentais. O
meu raio de vivência era pequeno, mas conhecia de tudo.
Eu aos 16 anos estava
aterrorizado com a aproximação do que me ia acontecer.
Além disso eu ia assistindo ao
desaparecimento de muitos dos homens que via diariamente. Algum tempo depois as
mulheres tinham ficado, após terem recebido carta de que tudo estava bem, lá
relatavam que o marido tinha ido para França.
Na generalidade dos casos uma
emigração clandestina, a salto, com desembolso de elevadas quantias aos
"passadores". Era a busca de conseguir condições de vida para si e
para as famílias.
Apenas estes dois
apontamentos, para não ser exaustivo, foram âncoras para a minha compreensão
posterior do País em que vivia e da importância do 25 de Abril.
Esse elevado momento da nossa
vida enquanto povo, desde então todos os dias minado por quem usa as palavras
como máscaras - a democracia, a liberdade, a justiça - impondo que sejam algo
feito à sua medida, à medida dos poderosos, merece uma atitude que não temos
tido.
De fato, se os mais novos hoje
não entendem o 25 Abril de 74 porque não o viveram e se os mais velhos o
parecem esquecer, hipnotizados e asfixiados pela aldrabice a que pomposamente
chamam pós-verdade, isto só pode querer dizer que há algo que nós vivemos, que
temos que ser capazes de transmitir, com certeza de forma diferente.
Pode parecer descabido, mas
reflictam sobre o tempo em que estamos com Huxley…
[Joaquim
Mealha Costa, abril 2018]