segunda-feira, julho 21, 2014

E agora, algo completamente diferente!

Por uma porta se entra, por uma porta se sai.
(Esta é a minha reflexão de desvinculação do Bloco de Esquerda)


1. Aderi ao Bloco de Esquerda nos inícios de 2010. Antes tinha feito um tirocínio de simpatizante no período que precedeu as eleições autárquicas de 2009. Fi-lo como conhecedor das posições programáticas e ideológicas do BE e pela relação de amizade com muitos dos seus aderentes.

2. Entre 1973 e 1982 fui simpatizando e militando de várias formas entre o CMLP, o PUP, a UDP, o PCP(R), um caminho que me pareceu sempre coerente. Em 1982, numa altura em que tinha responsabilidades regionais, em divergência com a direção do último partido saí. Na altura pensava que a ideologia sectária e controleira não augurava nada de bom e o fechamento num obreirismo dogmático (sem classe operária) caminhava para um definhamento previsível. Como se pode perceber, para este peditório já dei o que tinha a dar. Não quis ter razão antes de tempo, mas muitos como eu pensaram o mesmo.

3. Quando o BE surgiu quase não dei por ele. As minhas preocupações centravam-se na militância cultural e educativa, das quais acabei por fazer a minha vida social e profissional, como ainda hoje o faço. Não votei em muitas eleições, por razões de consciência livre e de desconfiança dos partidos tradicionais, embebido em ações e movimentos que me pareciam mais interessantes como o desenvolvimento local, a nova museologia, ou o renascimento cultural popular.

4. Para além das causas de género, sociais e de rutura, que o BE desenvolveu e que me atraíram, foi o pensamento inquieto de uma pessoa livre e que conheci bem - mais como amigo, jornalista, professor, animador, grande leitor e companheiro de férias em Tavira, do que como dirigente do Bloco - que me seduziu. O Miguel Portas deve ter sido o autor indireto de muitas destas reflexões que agora se fazem, como foi o responsável por grande parte da linha de abertura a novidades, tolerâncias, convergências, e a quem o Bloco deve muito.

5. A minha atividade partidária quase se reduziu ao território local. Já não tenho paciência para debates estéreis sobre cultos, estratégias, controlos, refluxos, culpabilizações exógenas, teorias dos poucos mas bons, e dos amanhãs que cantam. Quero viver hoje, porra!, como dizia o Zé Mário. E mesmo que pelo caminho fiquem líderes putativos do socialismo popular e de esquerda, como disse ainda há dias o Daniel Oliveira. Assim, pouco ou nada me envolvi na região, em reuniões ou assembleias. O que dei em Loulé foi o que podia e sabia, sempre com a noção de que haveria que mudar a gestão do município, retirá-lo à direita, mas também desenvolver um trabalho político e cultural, nas áreas sociais, educativas, culturais, fora do espaço redutor dos debates fechados nas autarquias. Quanto a isso, vou fazendo o que posso e sei.

6. Nas últimas eleições autárquicas defendi, com outros companheiros, a proposta de não concorrer à Câmara, de forma a destronar o PSD, mantendo e reforçando a nossa posição de oposição clara na assembleia municipal. Essa posição foi grandemente maioritária em assembleia de aderentes, tal como foi inscrita em ata da mesma. Ressalvando todas as opiniões, o certo é que o PS não é a mesma coisa que o PSD, mas o purismo confunde sempre alhos com bugalhos. O que é claro é que a afirmação do BE se fará sempre na ação direta nos espaços e movimentos sociais locais, e só isso permitirá ganhos políticos na assembleia, em defesa dos cidadãos mais desfavorecidos. Se não participarmos na defesa da escola pública, na manutenção do serviço nacional de saúde, na construção de mecanismos de emergência social, ou na defesa da transparência dos apoios culturais, sociais ou desportivos, nem alargamos base de apoio político, nem recebemos reconhecimento social.

7. Sempre vi a minha contribuição a correr mais por fora do que por dentro. O  meu envolvimento na luta contra as portagens ou na defesa dos serviços de saúde em Loulé (pelo menos na 1ª manifestação) foi pautado pela ideia de convergência alargada a setores da sociedade civil, autarquias, associações, cidadãos e cidadãs. Mais do que a preocupação de nos servirmos para angariar aderentes, o meu desejo foi o de ganhar batalhas pequenas com gente grande. Particularmente na Comissão de Utentes da Via do Infante, de que hoje estou quase afastado, pois vejo a sua ação cada vez mais restrita a um grupo bloquista, sem convergências a setores de esquerda na região, mesmo tendo consciência de que nem todos defendemos o mesmo em cada momento.

8. Nas recentes eleições para o parlamento europeu votei Livre, como livre que sou. E são muitos os motivos para tal: o reconhecimento de uma vertente ética do Rui Tavares, que conheci noutros meandros, a abertura à participação de simpatizantes e amigos, a defesa de princípios alargados de convergência na Europa. E também a defesa de primárias, para contrariar o voto de braço no ar e o sindicato eleitoral de uma monarquia instalada, que escolhe unilateralmente quem quer. Ao contrário defendo uma participação alargada de toda a gente que queira estar connosco, aquilo que Semedo chama de ‘modernices’ e ‘populismo’.

9. Finalmente, quero dizer que sempre estarei disponível para os projetos políticos de esquerda que achar meritórios, em defesa de uma sociedade mais justa e mais igual, que urge hoje e não nas calendas do socialismo, e para os quais queiram aceitar os meus simples contributos.

Loulé, 19 julho 2014
Helder Faustino Raimundo
Aderente do BE nº 8356

Concelhia de Loulé/Distrito de Faro