sexta-feira, abril 14, 2006

A ressureição

À nossa volta um céu plúmbeo, uma névoa de chumbo que cobre a vista. Tempo fresco a combinar com os dias. Ali ao lado na ribeira, malmequeres, borragens, cardos ainda húmidos do orvalho da noite, à espera que o calor os torne em gás e a fotossíntese faça o que lhe compete. Olhando o sul, a mesma névoa da manhã de Abril paira sobre o mar. No norte, as serras não escondem o mesmo manto.
Mas algo perturba este universo idílico mas tão ‘real’. Sei que por trás de cada janela, nesta manhã que dizem ser santa, está um turista, zangado e triste à espera da ressureição solar. Esse deus que não chega, quando nele se apostou o fim-de-semana: roupa fresca, euros, hotéis a 90% da capacidade turística, lagosta no vapor. Se o deus não cumpre o seu papel, eles sabem como mistificá-lo: vestem os seus calçanitos e a curta tshirt, põem os chinelos e vão “para a praia da Quarteira”. Mesmo com a água fria e o vento agreste de nordeste, os acólitos ficam lá todo o fim-de-semana, a tiritar de frio, aguardando a rotina de segunda. E assim justificam a adesão do seu martírio em nome da apropriação de deus.