segunda-feira, abril 30, 2018

A memória do 25 de Abril de 1974...



 (1º de maio de 1974 em Portimão, organizado pela extrema esquerda)

Alguém que me venha questionar sobre a importância do 25 de Abril de 1974, para nós portugueses, mas também para Europa e outros recantos do Mundo, é para mim tido como uma agressão. Pode ser uma agressão inconsciente, resultante do desconhecimento, mas é uma agressão.
Há 44 anos, quando cheguei a Loulé para mais um dia de aulas, no curso de administração e comércio da escola técnica, deparei com os colegas na rua, os comentários de que algo teria acontecido em Lisboa, uma revolta, um golpe de estado...
Para mim, com 16 anos vividos no campo, tudo aquilo era algo impensável, desconhecido... Levei tempo a entender, a compreender o que de facto se estava a passar. Ouvia muito a rádio, não tinha televisão e raramente comprava jornais, não havia dinheiro para esse extras.
O que me levou a entender o processo que o 25 de Abril nos trouxe foi o passado, até então incompreendido.
Desde os 11, 12 anos que eu assistia regularmente à semana de exercícios dos furriéis milicianos que vinham para a área que eu habitava, antes da mobilização para África. Era uma semana terrível, com o ecoar de rajadas de metralhadora e disparos dia e noite. Uns eram os "turras" outros o exército português.Tudo se devia assemelhar ao contexto real que iriam encontrar na Guiné, Angola ou Moçambique. Por vezes apareciam-nos, às escondidas, a pedir um pouco de comida. A ração de combate que lhes havia sido distribuída era exígua e a fome fazia sentir-se.   
Eu cresci fisicamente cedo, então raro era o exercício em que nos encontros fortuitos que tinha com os soldados que não lhes ouvia o conselho, entredentes:
- foge daqui o mais cedo que possas!
Eu sabia e conhecia jovens que tinham fugido para França. Ouvia falar dos mais diversos expedientes para evitar ir para a tropa e com grande probabilidade de ir parar a África e lá morrer, ou vir deficiente fisicamente, ou com profundas alterações mentais. O meu raio de vivência era pequeno, mas conhecia de tudo.
Eu aos 16 anos estava aterrorizado com a aproximação do que me ia acontecer.
Além disso eu ia assistindo ao desaparecimento de muitos dos homens que via diariamente. Algum tempo depois as mulheres tinham ficado, após terem recebido carta de que tudo estava bem, lá relatavam que o marido tinha ido para França.
Na generalidade dos casos uma emigração clandestina, a salto, com desembolso de elevadas quantias aos "passadores". Era a busca de conseguir condições de vida para si e para as famílias.
Apenas estes dois apontamentos, para não ser exaustivo, foram âncoras para a minha compreensão posterior do País em que vivia e da importância do 25 de Abril.
Esse elevado momento da nossa vida enquanto povo, desde então todos os dias minado por quem usa as palavras como máscaras - a democracia, a liberdade, a justiça - impondo que sejam algo feito à sua medida, à medida dos poderosos, merece uma atitude que não temos tido.
De fato, se os mais novos hoje não entendem o 25 Abril de 74 porque não o viveram e se os mais velhos o parecem esquecer, hipnotizados e asfixiados pela aldrabice a que pomposamente chamam pós-verdade, isto só pode querer dizer que há algo que nós vivemos, que temos que ser capazes de transmitir, com certeza  de forma diferente.

Pode parecer descabido, mas reflictam sobre o tempo em que estamos com Huxley…

[Joaquim Mealha Costa, abril 2018]

segunda-feira, abril 23, 2018

Sous le pavés, la plage!



MAIO  DE  68  EM  PARIS
Grandes Manifestações de Estudantes e Operários

          Em Maio de 1968, uma revolta estudantil em Paris veio a tornar-se numa crise social e política de grandes dimensões, que alastrou a toda a França, e também teve efeitos noutros países europeus.
No período de 1960 a 1968, o número de estudantes em França duplicou, e em áreas como Letras ou Sociologia, os alunos começam a temer que quando terminarem os seus cursos não vão conseguir emprego.
Em 1968 o sector estudantil em França, considerando os alunos com idades entre os 16 e os 24 anos, era constituído por cerca de oito milhões de estudantes, o que representava 16,1 % do total da população francesa.
As Universidades não souberam adaptar-se à mutação do mundo contemporâneo, pois as suas estruturas não se modificaram, como não mudou a sua pedagogia nem se alteraram as suas disciplinas. 
Algumas ocorrências anteriores apontavam para uma juventude procurando novos horizontes, como, por exemplo, quando em Janeiro de 1966 após vários meses de disputa em volta de questões sexuais num complexo de dormitórios estudantis, um director introduziu o que para a época era um regime radical:
             - As raparigas e rapazes com mais de 21 anos podiam, a partir de agora, receber membros do sexo oposto nos seus quartos no dormitório.
Os que tinham menos de 21 anos também podiam fazê-lo, mas mediante autorização escrita dos pais. Em mais lado nenhum foram concedidas tais liberalizações no âmbito sexual.
Além disso, vinha aumentando a divulgação junto dos jovens de ideias revolucionárias, sobretudo com base em Mao, Trotski ou Ernesto Che Guevara.
Foi uma época em que a nível internacional foram barbaramente eliminados alguns defensores dos direitos humanos e símbolos da luta pela liberdade:
De facto, Che Guevara foi assassinado na Bolívia no dia 9 de Outubro de 1967, e o activista americano Martin Luther King é assassinado a 4 de Abril de 1968, em Memphis (USA).
Em França, para descongestionar a emblemática Universidade Sorbonne, foi criado, em 1963, o Campus Universitário de Nanterre, situado num subúrbio de Paris, nas proximidades de bairros de lata (bidonvilles), onde viviam muitos emigrantes portugueses, incluindo, naturalmente, algarvios.
A 22 de Março de 1968, a seguir à prisão de estudantes radicais que tinham atacado uma agência da American Express, no centro de Paris, em repúdio para com a intervenção americana no Vietname, começa a forma-se um grande movimento contestatário.
No mesmo dia, os estudantes ocupam as instalações universitárias de Nanterre, dando o primeiro sinal de revolta. Rapidamente o movimento aumenta, passando a incluir milhares de estudantes, e em volta do qual se unem diversas tendências esquerdistas.
Destacam-se então diversos dirigentes da revolta, como Daniel Cohn-Bendit, um estudante de Sociologia de origem alemã a frequentar o Campus de Nanterre.
Contestavam a autoridade, a desigualdade e o emprego da violência.
Os alunos reclamam sobretudo a destruição do sistema de ensino vigente, que era na época um dos pilares da sociedade burguesa, procurando novas formas que após os estudos lhes permitam emprego estável e o progresso técnico.
As comemorações do 1º de Maio vêm dinamizar ainda mais os jovens, e a Universidade de Nanterre acaba por ser encerrada no dia 3 de Maio, sendo os estudantes atacados pela polícia com gases lacrimogéneos, tendo respondido com uma chuva de pedras arrancadas da calçada.
Pouco depois, os estudantes realizam um meeting na Sorbonne, no centro de Paris. Em consequência deste encontro, vieram a ser presos cerca de 500 alunos, e os próprios professores decidem entrar em greve, e a Sorbonne é também encerrada.
No conhecido Quartin Latin, a tensão sobe entre manifestantes e polícias, vindo a culminar em violentos confrontos na noite de 10 para 11 de Maio, uma das chamadas “noite das barricadas”, do que veio a resultar cerca de milhar de feridos, e onde não faltaram viaturas em chamas.
Para tentar restabelecer a calma, o primeiro-ministro Georges Pompidou deu ordem, no dia 13, para reabrir a histórica Sorbonne. Contudo, o movimento de revolta universitário já se tinha estendido a outros extractos da vida social, nomeadamente à classe operária.
Assim, nesse mesmo dia 13 junta-se uma multidão em Paris, e os trabalhadores começam a ocupar as fábricas. Cerca de uma semana depois, no dia 21, já eram entre oito a dez milhões de grevistas.
Em viagem pela Roménia e Alemanha desde 14 de Maio, como se de nada se passasse no seu país, o general De Gaulle propõe um referendo e reformas. Mas em França ninguém reage à voz do presidente, parecendo que o  governo está de férias.
No dia 22 de Maio o movimento estudantil/operário fragmenta-se.
Com efeito, os comunistas boicotam uma manifestação de apoio a Daniel Cohn-Bendit, cuja expulsão para a Alemanha Federal havia sido decretada pelos governantes.
Pouco depois, há mais uma noite de barricadas em Paris, de 24 para 25 de Maio, com forte repressão policial.
Na prática, a ocupação dos estabelecimentos universitários e subsequentes barricadas, foram essencialmente conduzidos por anarquistas, embora tenha havido também a participação da Juventude Comunista Revolucionária (de base trotskista), assim como de funcionários de sindicatos afectos aos estudantes e professores assistentes.
Foi um movimento espontâneo, que de algum modo escapou ao controle do Partido Comunista Francês (PCF), que se sentiu ultrapassado, e só depois, quando viu milhões de trabalhadores em greve, entrou nas manifestações. 
Entretanto decorreram negociações entre sindicatos, patrões e governantes, e no dia 27, em Grenelle, no Ministério dos Assuntos Sociais, foram conseguidos os seguintes resultados:
              - Aumento de 7 % nos salários;
              - Aumento de 35 % no salário mínimo.
Satisfeito com os aumentos salariais obtidos, o Partido Comunista Francês preconiza o regresso à normalidade. Na realidade, objectivo da direcção do PCF era tentar manter a sua influência no movimento operário, e desprezava claramente os estudantes mais radicais. Mas os militantes de base recusaram esta estratégia.
Curiosamente, as multidões de estudantes eram, na sua maioria, pertencentes à classe média, e muitos pertenciam à própria burguesia parisiense.
Esta revolta de 1968 falava muito de sexo, mas não estava essencialmente preocupada com as desigualdades de género. Basta verificar que não havia mulheres entre os dirigentes do movimento estudantil.
Maio de 68 foram manifestações que marcaram uma geração, constituindo uma experiência extraordinária para quem participou ao vivo, durante um mês num ambiente de grande liberdade e solidariedade entre estudantes e operários.
Ultrapassou em muito as fronteiras de França, sendo um fenómeno que se expandiu a quase todos os países europeus.
Também surgiram movimentos reivindicativos femininos, sobretudo entre 1968 e 1970, onde se destacam obras de autoras como Kate Millet e Gloria Steinem.
Os nossos emigrantes na região de Paris, trabalhavam 12 a 14 horas por dia, e o seu estado de despolitização era quase total, vivendo num meio muito fechado, difícil de penetrar. Só viam o trabalho, procurando enviar o máximo de dinheiro para Portugal, e praticamente mais nada os preocupava.
As suas diversões e tempos de lazer eram quase zero. Por vezes, ouviam o folclore da sua região em Portugal, e também os fados de Amália Rodrigues e Alfredo Marceneiro.
Por sua vez, cantores de intervenção iam aos bairros de lata, e a música conseguia juntar os trabalhadores, mas a sua mensagem era difícil de passar.
Os emigrantes portugueses não faziam ideia do que era a situação política em Portugal, nem compreendiam a atitude dos movimentos de libertação em África.
Era evidente o atraso cultural e político em que se encontravam os emigrantes.
Durante as cerca de três semanas das manifestações na região de Paris, juntavam-se vários cantores e músicos que percorriam as fábricas ocupadas pelos operários, actuando e convivendo pela noite dentro.
Intelectuais, cantores e exilados políticos portugueses era hábito encontrarem-se no café Select Latin, no Quartier Latin, perto da Sorbonne.
Curiosamente, um grupo incluía a cantora francesa Collete Magny, o português Luís Cília e Paco Ibañez, compositor e intérprete espanhol, natural da região de Valência. Também se encontravam em Paris nessa altura os cantores José Mário Branco e Sérgio Godinho.
Para muitos emigrantes portugueses que trabalhavam nas fábricas, foi uma oportunidade para terem contacto com outra realidade, e se aperceberem da força de uma greve.  
Em Portugal, José Afonso, expulso do ensino no princípio do ano lectivo de 1967/68, prepara o trabalho “Cantares do Andarilho”, um disco marcante na obra do grande compositor e intérprete, por ser o primeiro que é estruturado e concebido de raiz.

Manuel J. Pereira

domingo, abril 01, 2018

A grande desmatação...?



Começa a ler-se e ouvir-se alguma reflexão sobre o disparate das medidas que estão a ser aplicadas, e que conscientemente ou não, apenas servem o negócio do fogo, a coberto de uma campanha de medo, naturalmente ancorada em evidencias reais dos incêndios passados, sendo mais um contributo para a destruição de 2/3 do País e do seu espaço rural. 
 Joaquim Mealha Costa põe o dedo na ferida, num problema que tem o olhar de políticos e de técnicos enviesado pela árvore, que tapa a visão da floresta (aqui, serve muito bem o saber popular). Diz ele, que algumas vozes dão nota da verdadeira dimensão do problema. E aqui está uma, bem próxima de nós e muito acertada!