(fonte: «Le Monde»)
Ontem tinha enviado, a uns amigos, um texto do marxista libertário João Bernardo sobre a pandemia no Brasil. O texto levantara muitos comentários e críticas, sobretudo pela caracterização que o autor fazia do 'povo' brasileiro, com quem conviveu nos últimos 30 anos. Eis o que enviei:
João Bernardo, um dos marxistas mais lúcidos da atualidade (Coletivo PassaPalavra), escreve sobre a pandemia no Brasil, a partir de uma perspetiva dos trabalhadores. Quem tiver paciência (porque agora tempo não falta), pode ler também os comentários pois, neste caso, é sempre o contrário do novo normal nas redes virtuais (link para o artigo)
Mas o artigo levantava outros problemas. Do ponto de vista teórico, a crítica dos anarquistas brasileiros era a de que ao defender a contenção da pandemia por via do distanciamento social, pensado no contexto da política do Brasil, Bernardo estaria a defender uma posição de recuo e passividade perante o capitalismo. Acontece que o texto é bem claro sobre a proposta de auto-gestão organizada dos trabalhadores perante o fenómeno, aceitando a precaução de vários riscos, para simplesmente não morrer.
Ontem à noite, no Governo Sombra Diário (15 minutos sobre o dia) Pedro Mexia trazia à colação outro teórico, conotado com a filosofia libertária, dizendo que Giorgio Agamben defendia uma teoria da conspiração a propósito da pandemia em Itália. Habituado a leituras eletivas daquele autor italiano, fui procurar o texto no «Il Manifesto», onde se publicara (link aqui). A opinião é de 26 de fevereiro passado, e o que lá se comenta tem como base a declaração do Centro de Pesquisa de Itália, declaração muito comedida para o caos que agora se instalou naquele país. O ponto é outro. O teórico, que tem estudado os mecanismos de vigilância e de poder instituídos pelo Estado, questiona se o estado de emergência não passou a ser o mecanismo normal e recorrente da coação de liberdade das pessoas. Isso mesmo! Podemos ler uma justificação, na nossa língua, aqui.
Se pensarmos em Portugal, percebe-se o que tem defendido, entre outros, Daniel Oliveira sobre uma emergência pressionada pela opinião pública (seja o que isso for), quando nem mesmo o governo o definia como prioritário. Aceitando algumas medidas de contenção ou de calamidade, estaremos muito longe de aceitar, de mão beijada, o estado de emergência, considerando todas as configurações políticas possíveis no futuro.