Tal como tinha referido em post anterior [aqui], escrevi um pequeno ensaio sobre o tema da incomunicação entre artistas de vanguarda e povo rural, publicado no último número do Jornal Ecos da Serra, de Alte (novembro-dezembro 2018), que pode ser lido em papel:
A
ARTE E AS COMUNIDADES RURAIS.
O CASO DA INSTALAÇÃO ARTÍSTICA DE DANIEL VIEIRA
NA ALDEIA DE ALTE
Em
estudo realizado sobre as Bienais de Arte de Vila Nova de Cerveira, a socióloga
Idalina Conde, num texto já clássico de 1987, fala da dissonância entre arte de
vanguarda (arte moderna) e o público com o qual se comunica. Um dos conceitos
fundamentais, presente nesta relação entre o artista e o público, é o da «incomunicação»,
dado que a arte erudita de vanguarda não é recebida por um público sem
disposição estética para apreciar uma prática artística, que é uma imposição
aos seus hábitos e práticas culturais.
Ora,
a propósito da instalação das obras de arte do artista plástico Daniel Vieira,
transformadas pela artista Renata Pawelec, e colocadas nas paredes das casas da
aldeia de Alte, no concelho de Loulé, é interessante colocar algumas notas:
i)
Daniel Vieira é um artista plástico consagrado, e aceite consensualmente na
área da pintura e da serigrafia nacionais. Outra coisa é quando as suas obras
são simuladas como baixos relevos por outra artista. Não há nada de mal neste
trabalho em conjunto, mas essa situação deve ser explicada, sobretudo quando o
artista expõe no espaço público;
ii)
É exatamente este aspeto que se deve considerar. Quando se passa do espaço
privado (a oficina ou a galeria do artista) para o espaço público (a rua), a
arte assume outra dimensão e a responsabilidade atinge toda a comunidade, já
que estamos no domínio do público, das gentes que habitam a aldeia e, por isso,
esse público tem o poder de se auto-excluir, ou de criticar;
iii)
Outro aspeto relaciona-se com o momento expositivo da arte. Quando esta se
expõe de forma efémera, quer dizer, instala-se durante algum tempo, sabemos que
o seu impacto visual e social é menor. Quando, pelo contrário, a arte é colocada
como elemento permanente, o seu peso é tão grande quanto uma casa, uma chaminé,
um museu, e assim ela passa a constituir um elemento arquitetónico da aldeia;
iv)
Ora, é justamente este ponto que nos deve preocupar. As instalações colocadas
nas ruas da aldeia de Alte, tornam-se mais um elemento de impacto e de estímulo
visual, tal como a arquitetura, a iluminação, o trânsito, as pessoas, etc. O
excesso de elementos visuais, tal como os escritos, não são benéficos para o
usufruto cultural e podem tornar-se naquilo que Conde diz ser uma imposição de
novos hábitos culturais, que criam tensão e violência simbólica. Como exemplo,
temos o painel colocado na Rua dos Pisadoiros, rua que já tem dois painéis de
azulejo sobre o tema local do esparto.
v)
Que fazer, então, perante este desentendimento entre artistas e públicos?
Uma
das metodologias (a maneira de fazer) usadas pelos artistas, é aquilo a que se
chama a «arte participada», um espaço coletivo e comum de compromisso social
compartilhado por artistas e público, em que este é parte indispensável do
processo criativo. Lembro que, aquando da 1ª Semana das Artes e Culturas, em
1995, as três manifestações artísticas realizadas em Alte, obedeceram a este
princípio. Como exemplo, a escultura de pedra de Afonso Rocha, foi trabalhada
por algumas pessoas da aldeia; a própria pedra calcária, em que assenta o
acordeão, foi encontrada e trazida por populares para a instalar no Largo José
Cavaco Vieira.
vi)
Finalmente, a arte encontra hoje na educação o seu parceiro fundamental. As
manifestações artísticas, sejam eruditas ou populares, devem ter uma componente
educacional. Os jovens estudantes de turismo da Escola Profissional podem fazer
presépios com as artesãs da Torre, porque aprendem cultura local. Também os
populares podem ser artistas plásticos por um dia.
Assim,
as obras de arte instaladas na aldeia deveriam ter a discussão e a participação
mais passiva ou mais ativa da comunidade local, porque é ela também a detentora
do espaço público onde vive.
(investigador do Instituto de Educação da Universidade de Lisboa)
(investigador do Instituto de Educação da Universidade de Lisboa)