A Federação do Folclore Português homenageou, no passado dia 8 de fevereiro, alguns dos mais lídimos representantes do folclore algarvio. O Grupo Folclórico de Alte, na pessoa do seu diretor Joaquim Figueiredo, solicitou-me um trabalho de homenagem a José Cavaco Vieira, fundador e diretor do GFA, falecido em 2002. O resultado foi um vídeo com imagens e texto em voz-off que pode ser lido abaixo:
Nasceu na aldeia de Alte, no concelho de Loulé, no ano de 1903.No palco da sua juventude, representou as peças do Grupo Dramático Altense e nos concertos e serenatas ilustrou-se no violino e na guitarra portuguesa, no Grupo Musical Altense.Quando rumou a Lisboa, decidiu tirar o curso de guarda-livros e aprendeu as línguas da correspondência internacional, o francês e o inglês, os saberes que permitiram o seu excecional trabalho profissional de mais de 30 anos, na Caixa de Crédito Agrícola de Alte.De regresso à sua aldeia natal foi eleito para secretário da Junta de Freguesia e mais tarde para seu presidente, durante vários mandatos.Quando em 1938, António Ferro e o Secretariado de Propaganda Nacional lançaram o Concurso da Aldeia Mais Portuguesa de Portugal, ele viu muito mais longe, do que um simples programa de recuperação dos valores etnográficos nacionais.A sua capacidade organizativa levou a aldeia de Alte até à fase final do concurso, destacando a cultura tradicional como trampolim para a defesa da identidade cultural local e como uma forma educativa de participação social e empenhamento coletivo do povo da sua terra.Nos anos 30 e 40 do século vinte, lançou as bases de uma etnografia popular, baseada em princípios científicos sérios de recolha e de divulgação e dotou o Grupo Folclórico de Alte de uma visão educativa que facilitou a transmissão da aprendizagem da memória local.Entre os anos quarenta e noventa do século passado escreveu mais de uma centena de crónicas, primeiro no Boletim Paroquial de Alte e depois no seu célebre Conversando, no jornal Ecos da Serra.Nos seus momentos mais íntimos colocou em telas improvisadas, a pintura que lhe complementava a alma: a natureza agreste, mas benfazeja, as noites de reflexão à luz da lua, as casas brancas e o seu povo, que muito respeitava.Da sua visão artística e ecológica nasceram também algumas obras, que amava muito pessoalmente: a escultura de pedra camoniana da Fonte Grande, e o Cristo de madeira que expõe em sua casa.Até nas coisas mais simples da vida, ele foi sabedor. Respeitava a natureza, as árvores do seu quintal e as coloridas plantas da sua aldeia.Todos os dias passeava junto à ribeira para ver se ela se mantinha livre e vívica como ele gostaria.Cozia a sua fruta e tocava sempre o seu violino antes de dormir, lembrando a sua esposa.Alguém lhe chamou o patriarca de Alte. Ele foi patriarca e matriarca, símbolo vivo e emblema, como lhe chamaram diversos amigos e concidadãos.Ele foi alma e coração de Alte. Todos o ouviam com prazer e escutavam as suas palavras sabedoras e profundas sobre a vida.Recordamo-lo à porta soalheira da sua casa das Valinhas, sentado a comer, deliciado, um cacho de uvas das suas parreiras.Tinha acabado de tocar, no seu violino, “Tens a parreirinha à porta”, cansado do trabalho de gravação de um disco sobre a tradição musical de Loulé.Era fim de tarde de setembro quando percorria, pausadamente, as sombras inclinadas das figueiras e alfarrobeiras, olhando o horizonte prenhe de luz e calor.Acariciou as palhas secas, as uvas brancas e os figos carnudos da figueira onde se deixou fotografar, ao fim do dia, com o seu colete de linho alvo e o seu negro chapeirão.Depois, disse, com a sua sabedoria: “Vamos para casa!”.Morreu num dia de fevereiro de 2002, quando contava 98 anos de idade.No centenário do seu nascimento, em 2003, uma comissão alargada de instituições e personalidades homenageou devidamente a pessoa que hoje aqui também lembramos com amizade: José Cavaco Vieira.