UMA CHAMA QUE SE APAGA,
OUTRA QUE SE ACENDE
Pois é, a chama olímpica que percorre os vários países até aportar a Pequim, sede dos Jogos Olímpicos de 2008, vai-se apagando de vez em quando, por pressão do povo tibetano. Como aconteceu em França, país ainda símbolo da democracia moderna e da multiculturalidade, cujo governo prevê o boicote às olimpíadas. Ora, esta situação não é nova, e convém lembrar que nos Jogos Olímpicos de 1976, 1980 e 1984 se produziram boicotes nos jogos de Montreal, Moscovo e Los Angeles. Portanto, são ridículas muitas afirmações de espanto e indignação, perante a indignação do povo tibetano e de muitos milhares de pessoas por esse mundo fora.
O mediatismo dos jogos e, sobretudo, a sua conotação com a paz e os direitos humanos no mundo, são uma oportunidade única para a afirmação do protesto tibetano pela independência do país. Convém lembrar que a invasão do Tibete se processou em 1950, um ano após a revolução chinesa, e que já produziu nada mais nada menos do que 90.000 mortos só em Lhasa (capital do país) em 1959, proibição de visitas a estrangeiros, leis marciais no país, e exílio do governo e das organizações democráticas tibetanas. Mesmo agora, com a aproximação dos Jogos, o governo chinês proíbe as visitas de jornalistas estrangeiros ao Tibete e encerra o acesso aos picos mais altos do Everest, pela sua fronteira, obrigando o Nepal a fazer o mesmo na sua entrada de acesso à montanha mais alta.
É claro que os protestos do povo tibetano – quer sejam pela independência (como propugna o Congresso da Juventude Tibetana) quer seja pela via da autonomia da língua e da cultura tibetana (como defende o Dalai Lama) – não se fundamentam apenas na invasão e ocupação do seu território. A China é acusada de violar muitas vertentes dos direitos humanos no seu país e é evidente que toda a gente se lembra do massacre dos tanques na praça de Tian Han Men,
Mas a China é também o grande suporte económico do Ocidente, através da sua economia de exploração de recursos e de mão-de-obra barata. E conta com o apoio dos Estados Unidos que, recentemente, a retiraram da lista de países dos piores violadores de direitos humanos, no mundo. E também não foi por acaso que a China ganhou, em
A decisão do Comité Olímpico Internacional também tem adeptos
Talvez percebendo que muitos atletas irão manifestar o seu protesto, durante as provas, a China já prevê a possibilidade de transmissão dos Jogos em diferido, desrespeitando a vertente de fraternidade universal do acontecimento. E contra isto devemos todos protestar. Porque se a China proíbe a liberdade de expressão dos seus artistas, criadores ou simples internautas, não pode agora armar-se em consciência política da Europa e do mundo. Talvez fosse bom a União Europeia e a Organização das Nações Unidas, não se preocuparem só com o Sudão (país a quem a China vende armas que servem para massacrar o povo de Darfur), mas começarem a olhar para o Tibete, enviando ao país observadores independentes. E, já agora, exercerem pressão para que a China permita a entrada no Tibete de organizações insuspeitas como a Cruz Vermelha e a Human Rights Watch. Se a China nada tem a esconder…
(A Voz de Loulé, 15 Abril 2008)