DO EURO 2004 À LUSITANEA
A derrota da equipa profissional (convém que se diga, não?) de futebol de Portugal contra a Grécia, na passada quarta-feira, recorda-me o Euro 2004. Na altura, a equipa de Portugal perdeu também os dois jogos que disputou contra a equipa de Katsouranis, o carrasco do último jogo. Como se percebe, Scolari tem, na Grécia, uma espada de Dâmocles eterna sobre a sua cabeça. O problema talvez se explique pela distância cultural de Scolari: vindo de um país colonizado 300 anos por Portugal, o treinador de Madaíl apenas solta o seu grito de Ipiranga, mas não chega à civilização de Sócrates e Platão.
Mas o jogo de Dusseldorf poderia ter sido jogado no estádio Algarve, aproveitando as férias da Páscoa e a recente enchente do estádio, na final da Taça da Liga, de nome Calsberg. Já sabem que Páscoa e Algarve são sinónimos, mesmo que a dita seja em Março e chova a cântaros como deve de ser. Isso não impediu o estádio (que representa uma caravela encalhada em seco) encher-se de espectadores, mesmo que muitos com bilhetes oferecidos ou a preços de uva mijona. Como, aliás, deveriam ser sempre os preços. O nome da Taça fez-lhe jus. Como a cerveja Carlsberg já quase não se encontra, que melhor nome para uma prova que teve cerca de 3500 espectadores em média por jogo. Um “número de sucesso” como referiu o presidente da Liga, Hermínio Loureiro.
Também o estádio Algarve é fruto desta estratégia megalómana da visão desportiva do país. Lembro a reportagem do jornal «Público», de Fevereiro de 2006, sobre os estádios do Euro 2004. Nessa peça, da autoria de Manuel Mendes, o estádio do Algarve é referido como um dos “elefantes brancos”: 320.000 euros de receita anual contra 3.200.000 euros de despesas anuais com encargos financeiros e de manutenção. Fazendo as contas, 10 vezes mais despesas do que receitas. Tudo “a cargo” da Associação de Municípios de Faro/Loulé. Explicando: tudo “a cargo” das Câmaras de Faro e de Loulé e, portanto, do erário dos munícipes. Mas nada disso é problema, porque esta visão estratégica vai para além do estádio e suporta um projecto inexistente chamado Parque das Cidades.
O problema é que este problema não está só. Abre-se a caixa de Pandora do Euro 2004 e uma desgraça nunca vem só. O jornal «Expresso», do passado dia 15 de Março, mostra como a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) da região Centro, em conúbio com uma associação público-privada e com o apoio das câmaras da região e respectivas regiões de turismo, obteve financiamento de Bruxelas para promover no exterior a imagem do Centro. Tudo sob o belo nome de “Lusitanea”. Uma auditoria, às contas da campanha de 2004, mostra 2,7 milhões de euros de facturas irregulares, 1,9 milhões de euros de débito a Bruxelas e, finalmente, uma notificação das Finanças no valor de 1,6 milhões de euros que ninguém paga. Como calculam, isto são só números. Custa-me tanto escrevê-los aqui como vós, leitores, a lê-los. Simplesmente, trata-se de dinheiros públicos que o Organismo Europeu de Luta Anti-Fraude não consegue recuperar. Como foi isto possível? Fácil. Bastou que Paulo Pereira Coelho fosse à altura (2004) o presidente da CCDR Centro e se nomeasse, também, presidente da Associação para o Desenvolvimento do Turismo da Região Centro, para gerir a campanha que prometeu mundos e fundos. Depois, foi só sair dos dois organismos e integrar o ex-governo de Santana Lopes na Secretaria de Estado da Administração Interna, deixando os fundos e partindo para novos mundos. Agora, os actuais presidentes que paguem as favas.
E nós, satisfeitos com a bola, que é redonda e nunca pára.
(A Voz de Loulé, 1 Abril 2008)