Terceira e última parte do texto sobre o Entrudo e o Carnaval, publicado na Voz de Loulé a 1 de Março de 2004 (leia primeiro os posts anteriores):
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Ora, é a esta prática social, a esta função excomungatória, necessária ao renascimento social e cultural, que o Carnaval civilizado põe fim. Neste, o povo não participa, assiste; não se integra, desfila; não se amotina, ou se enraivece, submete-se; não é actor, mas público. O rei Momo, que se destruía como um rei antigo, para dar lugar ao novo, é agora o rei da festa, que de cima do seu trono impõe as suas regras: o horário da brincadeira, o território fechado da peleja, a separação das classes.Hoje, este carnaval não é uma prática popular de tradição rural, mas um cartaz turístico do efémero, como aliás foi pensado nos anos 60, como resultado, ainda, das tentativas de hegemonização e controlo da cultura popular rural, como manifesta Augusto Santos Silva.E assim, o carnaval civilizado vai conseguindo aquilo que a igreja, desde a Idade Média, nunca conseguiu: opôr-se aos “costumes dos gentios” e fazer de uma festividade cíclica agrária, de esconjuramento popular, uma manifestação religiosa de abertura da Quaresma.É claro que estas mudanças não são pacíficas e talvez seja por isso que, opondo-se a uma crescente aculturação estrangeira do Carnaval - processo consequente da turistificação carnavalesca -, muitos optem por chamar a si a detenção da expressão de uma maior portugalidade.
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Notas:
Freitas, Pedro de (1991). Quadros de Loulé Antigo. Loulé: Câmara Municipal de Loulé.
Espírito Santo, Moisés (1999). Comunidade Rural ao Norte do Tejo, seguido de Vinte anos depois. Lisboa: Universidade Nova de Lisboa.