terça-feira, fevereiro 15, 2005

Papoilas de ópio para o povo

Uma criança analfabeta e temente aos padres da terra. Umas quantas aldeias isoladas entre ovelhas, penhascos e azinheiras estioladas. Um país miserável, rasteiro e bafiento. Uma palhaçada numa cova montada por um padre de nome Faustino. A visão, essa sim, de um tempo de fés enfeitiçadas pelo sofrimento, pela morte, pela iliteracia pura, pelo arrojar nos tapetes do poder da igreja e dos governos bafientos e salazarentos que haveriam de vir. Depois, foi o que se viu: o negócio da fé, o triângulo de Fátima-Cova da Iria-Leiria, o santuário, as desgraças arrostadas de joelhos, o papão do comunismo. E o segredo. Um segredo oco, vazio, como a cabeça de Lúcia de Jesus, inventado a rigor nos esconsos do cativeiro: o fim da guerra, a conversão da Rússia, o atentado ao papa. Balelas para o povo. Papoilas de ópio mandadas ao vento, a salpicar as almas e as cabeças do povo. Mas a democracia continua a festa: a beatificação dos pastorinhos, de um que só via e não ouvia, de outra que via e ouvia mas não falava. Tudo para Lúcia, a mais velha e afoita, a que poderia escrever os segredos segredados ao ouvido no recolhimento da cela. E agora morreu, logo no dia 13; logo na presença do bispo; seria este um quarto segredo? Talvez possamos vir a saber. E agora o luto, o luto oportunista do PSD e do PP, teatralizados ao pormenor, a gravata preta, o ar mal disfarçado de tristeza, uma caça aos votos, sombria, necrófaga. Até o PS, talvez laico, talvez republicano, se põe de joelhos e junta as mãos à fé. O governo decreta luto nacional! Mas quem acredita já neste governo? O presidente ratifica o luto! Quem morreu? Que merda de país!