Deixo, para o próximo número, a abordagem da opinião sobre as competências organizativas da Suíça, como país promotor do Euro 2008 em futebol porque, hoje, gostaria de falar de outra modalidade desportiva. Em geral, quando não falamos de futebol, lá estamos nós com a tendência para considerar as outras como modalidades amadoras, como se o termo justificasse amadorismo, sinal de mau desempenho, desobrigação, ou outra qualquer forma de desinteresse pela prática desportiva ou cultural. Falemos, então, de práticas desportivas, e por inteira justiça de práticas sociais e culturais que não beneficiam dos sacos azuis do futebol.
Estou aqui, de portátil ao colo, a assistir ao “31º Kokusai Shitoryu Koshukai-Portugal
Ao olhar para o que tenho em frente – cerca de uma centena de praticantes de karate de diversas graduações e de diversas proveniências territoriais e culturais – pode entender-se como se vão construindo as aprendizagens humanas e sociais de muitas crianças e adolescentes, no seu percurso de vida.
Há alguns anos não era assim. Lembro-me, bem, quando a prática do karate se iniciou em Portimão, terra onde nasci e vivia na altura, quando tinha cerca de 15 ou 16 anos. A modalidade foi-se instalando, como sempre, a partir do entusiasmo de um mestre recente que chega a um local e dispõe do interesse e motivação de alguns futuros discípulos. Eu ia ver muitos dos treinos porque, na altura, a prática era apenas conhecida das sessões de cinema dos grupos de jovens na “febre de sábado à noite”, nos cinemas da cidade. Sobretudo pela beleza das performances do actor sino-americano Bruce Lee e do seu celebrado kung fu. Nos treinos do novel karate, juntava-se mais gente a ver do que a praticar. Fazê-lo, nem pensar, porque o preço estava muito, mas muito longe das bolsas da classe operária da terra e, como a modalidade estava em divulgação, mais valia aproveitar os pequenos momentos de treino dos poucos atletas da altura. Quase todos eles eram jovens que já trabalhavam, em oficinas ou no pequeno comércio, depois de terem terminado o ciclo preparatório ou frequentado a escola comercial ou industrial, o que lhes permitia uns trocos para a prática da modalidade. Claro que, ao tempo, eu praticava outras modalidades, não pagas como se entenderá: o “vernacular” futebol de onze, as modalidades dos torneios quadrangulares de verão e, mais tarde, com fervor e paixão, o badmington.
Se há algo que constitui um evidente padrão de mudança na sociedade portuguesa, este é o índice de prática desportiva dos seus jovens. E não falamos da prática desportiva no sistema e período escolar – que excelentes professores sempre souberam aproveitar em tempos de ditadura – mas da prática à disposição, nos vários clubes e associações desportivas do país, a preços módicos e acessíveis a qualquer jovem. Melhores e mais equipamentos desportivos, construídos pelas autarquias com o orçamento dos contribuintes, vestuário e calçado desportivos ao alcance de qualquer bolsa média, permitiram uma expansão maciça das diversas práticas desportivas. Algo que não estava à nossa disposição, antes do 25 de Abril de 1974.
Se é claro que este movimento se enquadra nos tempos contemporâneos da defesa da saúde e da promoção de práticas desportivas hedonistas e atomistas, ele não deixa de ser representativo da democracia desportiva e da descoberta de uma cidadania mais activa. Porque a prática desportiva sempre foi um dos parâmetros para medir os índices de desenvolvimento das sociedades humanas.
(A Voz de Loulé, 15 Julho 2008)