segunda-feira, abril 06, 2020

A propósito do regresso à normalidade, de Belanciano

Contributo de Joaquim Mealha Costa sobre o artigo de opinião de Vitor Belanciano, no jornal «Público» de 5 de abril de 2020:

A propósito de um artigo de Vítor Belanciano no «Público» que recebi de um amigo e que aproveito para reencaminhar, aconselhando a leitura a quem ainda não o tenha feito, na expectativa de vos estimular o pensamento e a acção, aproveito para vos transmitir as minhas inquietações. 
Concordo com Belanciano, temendo muito que o regresso à normalidade venha a ser o regresso a um "normal" muito pior que o que tínhamos. Pode mesmo ser aterrador.
Atrevo-me a pensar que só uma verdadeira anormalidade o poderá evitar.
Vivemos um momento, em que, como deveria ser em todos os momentos é preciso pensar e agir.
Sei que nos desabituámos-nos disso, tem-nos dito que não é preciso, tudo está nas tabelas de excel. A mensagem é curta e é para ser executada. 
Verifique-se tudo conforme a chec-list ! 
Corte as árvores e o mato à volta da sua casa!
A punição e o medo.
Fique em casa!  
Apesar de tudo a mensagem do momento presente é mais esclarecedora e pedagógica do que foi e é, a relativa à suposta prevenção dos incêndios. 
Procura-se esclarecer e informar ainda que não haja certezas. Introduziu-se até um conceito que me agrada imenso: - as orientações dadas e as decisões tomadas são em função do melhor conhecimento à data, amanhã com mais informação podem ser dadas outras orientação e tomadas outras decisões.
A gestão do evoluir da pandemia veio reforçar um principio básico, o de que a vida, o conhecimento e os processo são dinâmicos.
Se não pensamos, reagimos como multidão, formatada e manipulada, em acção de sentido único.
Na minha vida já vivi situações piores e medos maiores, mas nunca assisti à conjugação de duas pandemias globais: a do Covid 19 e a do medo. 
E face a isto uma aço quase unânime de governos a nível mundial.  
Esta situação assente em motivos reais, deveria conduzir-nos sobretudo a medidas e comportamentos adequados, a processos de capacitação acrescidos. Temos que reconhecer, como refere Belanciano que há algumas boas práticas, gesto solidários, emoções... A mim afigura-se-me estarmos numa espécie de simulacro real, de ficções previamente descritas por quem anteviu o caminho que enquanto humanidade nos temos estoicamente empenhado em auto des(cons)truir. 
Pensar a razão das coisas e o seu contexto é pensar, como refere Belanciano, o serviço de saúde  e nós ainda o temos, fragilizado, outros países nem isso.
É pensar os efeitos de uma economia globalizada em grande parte dominada pela agiotagem financeira, em que cada comunidade não é capaz de sobreviver porque não tem o domínio do processo produtivo de cada bem...
Espero estar enganado. Grande parte das pequenas actividades económicas não voltarão a abrir, muitos produtores deixarão de produzir, a concentração económica em muito poucos será cada vez maior, a crise económica dará argumentos para retirar regalias e remunerações aos trabalhadores ... o pais estará endividado e sem recursos...
Ou será que não é nada disto, porque em momentos extraordinários haverão medidas extraordinárias?
As regras inultrapassáveis de Bruxelas serão revogadas, a UE e o Banco Central Europeu disponibilizam o dinheiro bastante e necessário aos Estados em função da sua população e necessidades de revitalização sustentável da economia com trabalho e direitos sociais e dos serviços públicos nos sectores essenciais, prevendo-se desde logo o perdão de 90% do dinheiro disponibilizado (divida)?
Será que percebemos que a economia local, o aproveitamento sustentável dos recursos de cada território e de cada país, satisfazendo no que seja possível as necessidades internas são o garante da sua autonomia e o esforço de exportação será destinado a produções em que cada um se diferencia?
Será que aprendemos que não devem ser desincentivadas e encerradas actividades económicas locais, assentes em circuitos curtos, mas sim apoiados os seus agentes na criação de condições para que funcionem nas melhores condições e garantam o escoamento? 
Será que passa a ser compreendido que mais importante do que a competição é a cooperação?
O final de 2020 será aterrador, tanto ou mais que o momento presente ou, admitindo a possibilidade de tornar possível o impossível, abrirá o caminho a uma nova ordem económica, social e ambiental...! 

Provavelmente um desfecho ou outro depende um pouquinho de cada um de nós, juntos.

(Nota: o artigo de Belanciano pode ser lido a partir do post abaixo)