terça-feira, dezembro 11, 2018

Lourenço Marques, aliás Maputo


De Francisco José Viegas li vários livros, quase todos policiais passados em Portugal. Tinha deixado este em banho maria, mas a história também cruza um polícia com a busca de memórias da colónia, não a colónia do capitalismo português, mas a cidade das acácias, a pérola do Índico, como refere o autor.
De Moçambique não tenho memórias, nem de cafés, nem de cinemas, nem de bailes, nem de cervejas, nem de pretos, nem de brancos, nem de lagos, nem de rios...
De Moçambique, tive um carro, um Austin 1000 branco, comprado a uma amiga minha, que deve ter comprado à sua mãe, e que ficou ali, até ser levado para abate. De Moçambique fugi da guerra, melhor antecipei a fuga, recusando dar o nome em janeiro de 1974, no ano em que faria 18 anos e lia «A Mãe», de Máximo Gorki.

terça-feira, dezembro 04, 2018

Agustina, os comboios e eu



A propósito de uma viagem de comboio, Pedro Mexia (Expresso de 24 de novembro) fala do livro de Agustina «As Estações da Vida», que sendo sobre os painéis de azulejos das estações, é sobretudo sobre a viagem. Das recordações de viagens de comboio lembro os dois anos em que estudei em Silves, quando os assentos de pau não fazim mossa nos corpos juvenis, habituados ao tempo das descobertas da sexualidade, da boémia e da vadiagem. Por isso foram dois anos e não um, como deveria ser até ao acesso ao liceu de Portimão, onde vivia. Também foi numa dessas automotoras que a Pide, nos vigiou e seguiu, após alguns discursos intrusivos e críticos do regime. Falo disto no conto ‘Trinta Anos Depois’, escrito aquando das comemorações dos 30 anos do 25 de Abril e publicado na revista Bestiário (agora apenas editora; mas o conto pode ser lido em breve nos meus arquivos).
Há uns anos, a pedido dos meus filhos que só conheciam as viagens de automóvel, viajamos de comboio entre Loulé e Faro, olhando com tempo as paisagens ainda rurais da passagem do trem. Nessa viagem, o revisor deixou um bilhete autografado como recordação aos miúdos, deixando também parte da sua alma de viajante.

quinta-feira, novembro 29, 2018

Herberto Helder e Vaneigem

Volto a «Photomaton & Vox», a obra 'autobiográfica' do poeta Herberto Helder, uns dias depois de a RTP2 ter passado de novo o documentário de António José de Almeida sobre O Poeta 'Obscuro'. Por detrás de um poeta, não estará um homem, diria Herberto, mas sim um poeta poeta, ele que sabe de «uma pequena coisa que vem num livro de Vaneigem»:
A poesia vivida soube provar, no decurso da história, mesmo na revolta parcelar, mesmo no crime - essa revolta de um só como diz Coeurderoy - que protegia, para além de tudo, o que no homem existe de irredutível: a espontaneidade criadora (p. 39).
Acontece que na minha mesa de cabeceira também estava «Aviso aos Alunos do Básico e do Secundário» manifesto de Raoul Vaneigem sobre a escola criadora, e eu não me senti mais distante:
Quem por gosto transmita o seu saber não precisa de o impor, mas o aquartelamento educativo é de tal ordem que se torna obrigatório uma pessoa instruir por dever, e não por agrado (pp. 48-49).

quarta-feira, novembro 28, 2018

Touradas, cultura e civilização

Ainda a propósito do diferendo entre cultura e civilização, é bom saber que em Loulé temos um guardião da dita civilização. Hoje, percorrendo as ruas próximas da biblioteca Sophia de Mello Breyner, lá dei com uma placa toponímica lembrando que um tal de Salvador S. Ventura, foi o promotor do chamado carnaval 'civilizado' de Loulé. Recordo, por isso, o texto que escrevi há uns anos, sobre o diferendo entrudo/carnaval, no jornal «A Voz de Loulé» e publicado no repositório da Universidade do Algarve. Ler aqui (clicar para aceder).

Nota: interessante também o post de Rui Bebiano sobre as touradas do PCP.

segunda-feira, novembro 26, 2018

Bernardo Bertolucci e 1900


Bernardo Bertolucci morreu hoje, aos 77 anos, em Roma. Dele, vi vários filmes, entre outros: o afamado erótico O último tango em Paris (quem não viu a descoberta da sexualidade ali?), com o debutante tardio Marlon Brando; Um chá no deserto, baseado no livro de Paul Bowles; e mais recentemente O último imperador. Mas, pela influência que teve em mim, num contexto de grande impacto político e social, não posso esquecer o monumento que foi 1900, um périplo sobre a ascensão do fascismo em Itália. Inesquecível, o momento simbólico e clássico em que o fascista interpretado por um jovem Donald Sutherland, esmaga um gato negro contra a parede. Estávamos em 1977 ou 1978 (o filme é de 1976) e julgo que o vi em Portimão ainda, ou talvez em Faro, mas isso pouco interessa.

sábado, novembro 24, 2018

O Diferendo de Lyotard

Continuamos a ouvir os debates ideológicos entre civilização e cultura, no caso prosaico da morte de touros em Portugal, ou na vulgaridade das corridas de arena, uma delas com honra de transmissão televisiva na RTP. Ainda há pouco, o programa «Prós e Contras» lhe dedicou o seu tempo. De tudo o que tenho lido (e aqui não me interessa o ponto de vista pessoal), o ensaio de António Guerreiro, no Público de 16 de novembro, é de leitura e compreensão obrigatória, já que convoca os conceitos originais em presença:
O par dicotómico civilização/cultura é de uma grande complexidade, ao ponto de ser muito difícil responder a esta questão: quando Freud escreveu Unbehagen in der Kultur, publicado em 1930, é sobre o mal-estar da cultura ou sobre o mal-estar da civilização que ele escreveu? Sobre isso, os tradutores nunca se entenderam e nas principais línguas europeias encontramos o título traduzido das duas maneiras.
 Ver também os posts de Joana Lopes!

quinta-feira, novembro 22, 2018

al-'ulyà, uma revista de resistência


Ontem, dia 21 de novembro, a revista al-'ulià comemorou 25 anos de vida. Melhor, diria, 26 anos já que o seu primeiro número foi lançado a 21 de novembro de 1992, numa cerimónia presidida pelo presidente e amigo Joaquim Vairinhos. A revista era dirigida por João Sabóia, historiador e documentalista, e nesse número tive a honra de colaborar, com um artigo sobre «O Movimento Associativo em Meio Rural». Bom, a história da revista, conta-se no artigo conjunto de João Sabóia e Pedro Serra (atual diretor da revista, desde o seu quarto número) sobre os 25 anos da revista, entre as pp. 9-20 do número saído ontem.
Mas a comemoração dos 25 anos serviu, também, para divulgar o Conselho Científico da revista, integrado pelos autores dos artigos em presença e para lançar o Prémio Bienal Joaquim Romero Magalhães, instituído pela Câmara Municipal de Loulé, no valor de 4 mil euros.
Ao João e ao Pedro, de quem tenho a sorte de ter sido colega de trabalho na década de ouro de 1990-2000, e de ser amigo, desejo as maiores felicidades para a continuidade da revista, de quem espero continuar a ser colaborador.

terça-feira, novembro 20, 2018

Artistas e povo

 (trabalho de Renata Pawelee, instalado na casa de Daniel Vieira)

Os baixos-relevos que a escultora Renata Pawelee criou, a partir de obras de Daniel Vieira, e instalou nas ruas da aldeia de Alte, no Algarve, parece estarem a gerar alguma controvérsia entre a população, como é hábito na determinante incomunicação, categoria conhecida no diferendo entre artistas e povo. Voltarei a este tema, em breve, com um pequeno ensaio.

O Inferno depois do Paraíso



Se a conectividade digital foi a centelha, ela acendeu porque a predisposição já estava em todo o lado. O caminho a seguir não é cultivar a nostalgia pelos guardiões de informação à antiga ou pelo idealismo da Primavera Árabe. É perceber como as nossas instituições, os nossos pesos e contrapesos e as nossas salvaguardas sociais devem funcionar no século XXI — não só para as tecnologias digitais mas para a política e a economia em geral. Esta responsabilidade não cabe à Rússia, ou só ao Facebook ou ao Google ou ao Twitter. Cabe-nos a nós.
Pois é. Aquando da chamada Primavera Árabe, estava eu numa reunião do Bloco em Silves, lembro-me bem do entusiasmo sobre o papel instrumental das redes virtuais, ditas ‘sociais’, na mobilização do ativismo pela democracia. Muitos camaradas e amigos entusiasmaram-se tanto que acreditaram na redenção africana ali ao virar da esquina. Apesar de andar pelas ondas da blogosfera desde praticamente o seu início, nunca dei grande crédito àquilo que mais tarde se vem a chamar feicebuque (uso a terminologia de RAP) e no papel que rapidamente o capitalismo tecnológico lhe determinou.
Vale a pena, mesmo muito a pena, ler o ensaio de Zeynep Tufecki, no Expresso revista (AQUI).

segunda-feira, novembro 19, 2018

O Bloco de Esquerda e o poder

Ricardo Costa, numa das suas crónicas no Expresso Diário, reafirma o papel premonitório de Louçã na estratégia de poder do Bloco de Esquerda. É evidente que, por ora, com o BE a assumir o acordo de governação parlamentar no quadro de um governo do PS, nenhum caminho a não ser a ida para o governo, seria de esperar. Mas também Louçã foi empurrado, deixem que vos diga. Nas últimas eleições legislativas, quando tinha acabado de sair do Bloco e intentava uma abrangência democrática no quadro do acordo entre o Livre e o movimento Tempo de Avançar, lembro bem a fechadura que o BE criou a qualquer acordo de governo e as críticas esquerdistas que fez ao L/TdA. Depois, foi só aproveitar os resultados. E fez bem.

domingo, novembro 18, 2018

Arrumar a casa


 (desenho de Adão Contreiras)
 
Dei uma volta à casa. Literalmente, faço-o com regularidade. A minha psique precisa de arrumo e organização, mas o movimento dos objetos é indispensável ao pensamento: livros, revistas, vestuário, alimentos, tudo, deve mudar de lugar ciclicamente, para que a cabeça mude.
Também nesta casa online procedi a mudanças. Ao invés de me repartir como pessoa, em cidadão, professor, escrevinhador, etc, juntei tudo num só lugar e deu nisto. 
Assim, coloquei à disposição as revistas onde publico:
-Minicontos: microcontos
-Trabalho necessário: artigos de investigação;
-Al-Uliã: artigos de divulgação.
Também em acesso aberto ficam os textos nos repositórios científicos:
-Sapientia, da Universidade do Algarve (também se encontram no RCAAP).
Modernizei a lista de blogues por onde mais circulo; e atualizei as minhas leituras online.
Enjoy!

sexta-feira, novembro 16, 2018

A Resistência de Julián Fuks



Venho de duas gerações consecutivas de exilados políticos. Avós que partiram da Roménia quando o antissemitismo ameaçava fulminar tudo o que tinham, como logo fulminou seus pais, irmãos, tios — desses avós herdei o sobrenome judeu, de seu destino ganhei meu nome argentino. Pais que partiram da Argentina quando o terror de Estado se fez sinistro, abatendo amigos, colegas, companheiros — deles herdei algum inconformismo, de seu destino ganhei a língua em que escrevo. Nunca na vida sequer cogitei que minha sina viesse a se parecer à deles, que forças obscuras pudessem me impelir a deixar o Brasil. Hoje, pela primeira vez em 36 anos, me pergunto se esse medo será tão disparatado assim.

Julián Fuks, brasileiro e filho de pais argentinos, escreve um texto no Expresso de sábado, 10 novembro, um texto que é um desabafo e ao mesmo tempo um manifesto pela defesa da cultura e da arte democráticas. Alma Grande chama ao título a expressão «Um futuro carregado de passado», abrindo o caminho para a resistência ao fascismo e a abertura de outros caminhos da democracia, esteja ela onde estiver.
Fuks ganhou o Prémio Saramago em 2017, com o romance exactamente intitulado «A Resistência», editado em 2016 pela Companhia das Letras.

Ler aqui (só leitores inscritos)

Greve dos estivadores do porto de Setúbal

O porto de Setúbal está  parado, devido à greve dos estivadores com contrato precário.
Esta afirmação de Bento Rodrigues, pivô da Sic Notícias, no jornal da tarde de hoje, é todo um programa ideológico. A frase poderia ser - atendendo a outro programa - "O porto de Setúbal está parado devido à escravatura do século XXI".

quinta-feira, novembro 15, 2018

Henrique Raposo e a Web Summitt

Henrique Raposo, cronista do Expresso, ali ao lado do contraditório de Daniel Oliveira, todos os sábados em papel, tem sido por mim desprezado na maior parte das leituras, desde sempre. Acontece que, por estes tempos, com as leituras do expresso diário, tenho vindo a aproximar-me das suas crónicas curtas, incisivas e sempre diversificadas. Esta característica permite-me ler umas e ignorar outras. Das que li recentemente, as que versaram a Web Summitt, tocaram na 'mouche', mostrando como o novo capitalismo se transmuta e usa como veículo fundamental as redes tecnológicas. Não só como produto, mas acima de tudo como aparelho ideológico do capital, parafraseando o velho conceito de Althusser. Enquanto quase toda a gente se baba com a cimeira do novo capital, que agora se instalou em Lisboa, por uns anos (e entre eles muitos socialistas e prosélitos), Raposo consegue uma análise sociológica acertada, mesmo que do ponto de vista conservador, direi eu. Talvez a nossa origem operária e do sul, nos torne ainda mais próximos...

segunda-feira, novembro 12, 2018

Culturas e similitudes

 
Há tempos desligado das temáticas culturais, que em tempo me envolveram diariamente, dou por mim de vez em quando a descobrir similitudes e sequências que recordam o que fui fazendo com amigos e companheiros de jornadas diversas. O projeto Documentar Loulé Interior é um desses exemplos. No quadro da Algarve Film Comission e financiado por diversos organismos, tem vindo a documentar memórias patrimoniais e orais do concelho. Entre essas, lá encontro o registo sonoro em vídeo das cantigas e das estórias dos Velhos da Torre, que gravei em 2003, no CD intitulado «Velhos da Torre e Amigos», 2º volume da coleção Tradição Musical de Loulé, editada pela Câmara Municipal. O filme, que pode ser visto aqui, também me recorda, nalgumas sequências e no seu guião, o documentário que realizamos, eu e o amigo Adão Contreiras (o trailer pode ser visto no seu blogue, aqui).

sexta-feira, novembro 09, 2018

Alte e o concurso da aldeia mais portuguesa de Portugal (1938)

Os escritos científicos (artigos ou teses) não estão imunes a erros, omissões ou inverdades. As pesquisas duradouras e extenuantes obrigam, muitas vezes, a pequenas ou grandes imprecisões. Resultado de cansaço, imprudência, ingenuidade ou inexperiência, podem originar erros mais ou menos graves. O exemplo que aqui trago, não é sobre algo de extrema importância no contexto da investigação, até porque não é matéria central do texto. Expliquemo-nos! 
Há dias, procurando resultados no Google sobre eventuais plágios de textos meus ou de origem conhecida, lá encontrei um 'velho' mito, o da aldeia de Alte como a segunda eleita no Concurso da Aldeia Mais Portuguesa de Portugal, realizado em 1938, pelo Secretariado de Propaganda Nacional. No exemplo, foi um problema de fontes; quando a mesma não é fidedigna e, no caso, a da Junta de Freguesia de Alte, pelo seu caráter encomiástico, não é nada segura. Trata-se de uma tese de doutoramento (o que deveria obrigar a um maior controlo), sobre história local, da autoria de Maria Inês Cristiano Cerol, intitulada «O Espaço Público nas Aldeias e nos Centros Históricos do Barlavento Algarvio...», defendida em 2015, na Universidade de Lisboa. Na página 55, no contexto do concurso acima referido, afirma-se:
(...) Nesse concurso a aldeia algarvia Alte ficou em segundo lugar (JF-ALTE www), galardão que durante os primeiros tempo de propaganda turística foi exibido como atestado da genuinidade do seu interior (...)
Ora, são conhecidas antes da data da referida tese, algumas teses de mestrado e de doutoramento, realizadas em Alte, que abordam direta ou indiretamente esta questão e que, por isso, deveriam ter sido consultadas, apesar de se saberem de mais difícil acesso. Mas não é esse um dos desafios principais dos investigadores? Para não maçar muito, e usando textos que são fontes fidedignas, apenas queremos referir o já clássico texto de Joaquim Pais de Brito (1980, pp. 511-532), publicado nas Actas do Colóquio «O Fascismo em Portugal»; o capítulo 9. O Concurso 'A Aldeia Mais Portuguesa de Portugal' (1938), da autoria de Pedro Félix* (2003, pp. 207-232), inserta na obra magna «Vozes do Povo. A Folclorização em Portugal», organizada por Castelo-Branco e Branco; e ainda o meu humilde livro «Grupo Folclórico da Casa do Povo de Alte. 75 anos de vida: ora agora mando eu!», publicado em 2013 e cuja capa se reproduz na imagem.

Já agora: a aldeia de Alte foi selecionada, de entre as concorrentes, para um primeiro grupo de seis aldeias e, numa segunda fase, foi eliminada para a fase final, em que foram colocadas: Paul, Carrezedo de Bucos e Monsanto. Como sabemos, a esta última foi entregue o 'Galo de Prata', símbolo da aldeia vencedora, não tendo sido atribuídos quaisquer outros lugares.


* Nota: o texto de Félix pode ser lido online aqui.

quinta-feira, novembro 08, 2018

Memórias educativas

Ontem, na SIC Notícias da manhã, uma cara conhecida a dar notas das análises da imprensa americana sobre os resultados intercalares para o Congresso. A Mónica Martins foi minha aluna de Educação Social e mais tarde rumou a Lisboa para fazer mestrado em Comunicação. Sabia da sua participação na equipa de produção do programa E se fosse consigo?, que abordava questões de bulliyng a vários níveis, o que representava uma boa interação entre educação e comunicação. Agora, ainda um pouco nervosa, lá estava frente às câmaras, a falar de republicanos e democratas. Parabéns Mónica!