terça-feira, dezembro 30, 2014

Todos temos a nossa Lolita, diria Nabokov

(...) A minha Lolita tinha uma maneira muito sua de levantar o joelho esquerdo dobrado, no amplo e elástico início do ciclo do servir, criando, e deixando pairar ao sol durante um segundo, uma teia vital de equilíbrio entre as pontas dos pés, a prístina axila, o braço bronzeado e a raqueta lançada muito para trás, um segundo em que sorria, de dentes cintilantes, ao globo suspenso tão alto, no zénite do potente e gracioso cosmos que ela criara com o objetivo expresso de lhe cair em cima com o estalido vibrante do seu chicote dourado. (...)
Nunca se escreveu melhor sobre o ato de servir a bola de ténis. É desta beleza de imagens simbólicas que se faz a grande literatura. E é por isso que eu decidi, por estes dias, só ler os clássicos (para além de coisas menores, entre os lençóis à espera do sono). O Adeus às Armas, do Hemingway, depois de esperar algum tempo na cabeceira, foi-se. Por ora termino Lolita, do Nabokov, um provocador inteligente, do qual se percebe ser o autor da citação acima.

segunda-feira, dezembro 29, 2014

Demolições na Ria Formosa. E depois?

[Foto de Rui Ochôa no Expresso]

Sim, começaram as demolições de casas nas ilhas e ilhotes da Ria Formosa. Há mais de 20 anos que os sucessivos governos apregoam as demolições de construções em regiões dunares nas ilhas barreira da costa central do Algarve. E por onde começaram as demolições? Pelos ilhotes do Ramalhete (que teve a presença dos sapatos e gravata do ministro da tutela) e pelo ilhote da Cobra, pequenos resíduos de areia nos esteiros da Ria. Agora é só esperar que as máquinas cheguem às ilhas do Farol e de Faro, onde estão as casas de muitos responsáveis políticos, ex-autarcas, ex-governadores, ex-presidentes. Então vamos ver!

domingo, dezembro 28, 2014

Entrevista no Socializar por Aí

Socializar Por Aí é nome de blogue. Criei-o para trabalhar com os meus alunos, antes dos tempos das tutorias eletrónicas na Universidade do Algarve. Mais tarde passou a ser também nome do programa do curso de Educação Social da UAlg na RUA fm. Enquanto o Socializar (blogue) ficou inevitavelmente inativo mas sempre a receber visitas, leitores e pedidos de citação, o Socializar (rádio) continua a emitir, todas as segundas das 19 às 20 horas em 102.7. O último programa (22 de dezembro) tem uma entrevista comigo, conduzida pela aluna do 3º ano Isabel Pacheco. Lá fala-se de mim (o que interessa isso?), mas sobretudo do ensino como eu o vejo, ligado à construção quotidiana da realidade, das práticas dos estudantes, de Lobo Antunes e de Paulo Freire e de docentes militantes como Bourdieu e Touraine. Também se escuta a música dos Dar de Vaia e o meu conto de natal "Um chalé na Praia da Rocha", publicado na revista Letrário. Podem ouvir em podcast na página da RUA: programas; Socializar por aí-22 dezembro. Até já.

sexta-feira, dezembro 19, 2014

Convergência das esquerdas é inevitável

Vale a pena ler a crónica de Vitor Malheiros, no jornal Público de terça feira passada. Para além de ser, e parecer, a vontade da grande maioria dos portugueses, de terminar com a austeridade e reconstruir um país socialmente aceitável, o artigo abre caminho a uma perceção cada vez mais clara: a necessidade da convergência das esquerdas. E digo-a no plural para se perceber qual é a minha posição.

Tenho a certeza de que uma maioria significativa dos portugueses deseja que, das próximas eleições legislativas, saia um novo governo que ponha em prática uma política que recuse o modelo austeritário, que defenda os interesses de Portugal na União Europeia e não os interesses dos nossos credores, que seja capaz de encontrar aliados na UE para combater as políticas europeias que põem em causa a democracia, a independência e o desenvolvimento nacional (a começar pelo Tratado Orçamental e pela TTIP-Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento), que combata de forma vigorosa as desigualdades e a pobreza, que promova uma educação e uma saúde de acesso universal, que defenda a ciência e a cultura, que combata os poderes ilegítimos e a corrupção, que promova o emprego e a dignidade do trabalho, que garanta um desenvolvimento social e ambientalmente sustentável, que permita enfim a todos os cidadãos uma vida decente numa sociedade democrática.

sexta-feira, dezembro 12, 2014

Alface


A última revista LER - que assinei recentemente - traz um desenvolvido ensaio de Nuno Costa Santos sobre o escritor João Alfacinha da Silva, mais conhecido por Alface. Só um humorista sério com a verve linguística e o 'nonsense' de Costa Santos para escrever, e bem, sobre o autor que morreu há sete anos em Lisboa, em plena apresentação de um seu livro, Cá Vai Lisboa. De Alface já tinha lido a pequena novela do Nino e do Sr. Branco, personagens de Um Pai Porreiro Ganha Muito Dinheiro. Lembro que na altura que o li, em 1999, o achei tão estranho quanto gostoso. Ontem e hoje, a partir do estímulo de Costa Santos, voltei a lê-lo com o prazer de descobertas graciosas, como diria o autor.

quarta-feira, novembro 26, 2014

Em Portugal será que PODEMOS?



Espanha é hoje, o palco onde se constrói uma outra forma de pensar e agir sobre a realidade.
Pablo Iglésias veio a Portugal participar numa iniciativa do BE, que antecedeu a sua convenção. 
Nas grandes finalidades e valores: defesa da justiça social, da dignidade das pessoas, do combate aos especuladores e corruptos o PODEMOS e o BE têm toda a afinidade, mas no resto, em quase tudo diferem.
O Bloco, o PCP e mesmo alguns dirigentes do PS continuam a usar uma ferramenta (o marxismo, só ou agregado de outros ismos, leninismo, maoismo, trotskismo...) que não devendo ser desprezada, deveria já hoje conviver com outras abordagens, capazes de construir as respostas necessárias para enfrentar o liberalismo selvagem, sem regras nem valores com que hoje estamos confrontados.
Lendo e/ou ouvindo a entrevista de Iglésias é percetível que estamos perante uma nova abordagem que deixa de estar focalizada na luta de classes para fundamentar a sua ação nos valores cujo centro são as pessoas: o direito a viver em dignidade, a crescer tendo as mesmas oportunidades de desenvolver competências e vocações, a construir e usufruir uma sociedade em que prime a justiça social...
Devemos entender esta abordagem, em que inclusive se questiona a arrumação dos agentes políticos em esquerda e direita como  um retrocesso? Ou antes um avanço, que apesar do regresso  num quadro político, económico e cultural diferente, às referências da revolução francesa é o que mais se adequa ao quadro cultural e desenvolvimento das sociedades, em particular na Europa, não sendo certo que assim seja em todos os países?
Eu estou convencido que em Espanha se está a ensaiar uma resposta e que com eles e outros povos poderemos juntar forças para enfrentar a "besta".

[Joaquim M. Costa]

segunda-feira, novembro 24, 2014

Liderança do Bloco de Esquerda

Afinal de contas a UDP (associação política e tendência do Bloco) nãoconseguiu resgatar a liderança, mas ficou a um voto de voltar a legitimar o sectarismo do blá, blá, blá, que coloca a esquerda dentro de um castelo anexo ao PCP. Do mal o menos, vamos continuar a ter uma liderança bicéfala, mas desta vez aposto na troca de Semedo por Pedro Filipe Soares. Este fica com Catarina e aquele vai para lider parlamentar. Vamos ver o que delibera a mesa nacional no próximo fim de semana e se me dá razão.

quinta-feira, novembro 20, 2014

Revista Ler


Depois de alguns anos sem a ler, assinei de novo a revista Ler. Voltou ao formato que lhe deu prestígio gráfico, das folhas grossas e amarelas, prenhes de tato e cheiro. E agora de novo com a direção de Francisco José Viegas, que se deixou de brincadeiras no governo de direita e voltou para o local da sua e nossa satisfação. O nº de setembro está cheio de pérolas, a começar pelas dicas de Mário de Carvalho e a fechar com extratos da obra de Thomas Piketty.

Identidades paroquianas

A preocupação dos media portugueses com a identidade de um dos terroristas do dito Estado Islâmico, que degolou um dos prisioneiros sírios, revela uma busca de nacionalismo bacoco. A globalização não serve só para reivindicar a aldeia global que nos serve, mas também para compreender que não há identidades nacionais no terrorismo, tal como não há no capitalismo e no imperialismo que constituem o alfobre onde aquele medra.

segunda-feira, novembro 17, 2014

1975

(Comentário em breve)

Demissão do ministro Macedo

Fica a esquerda e a oposição toda entusiasmada com a demissão do ministro Miguel Macedo, acrescentando a embalagem  para empurrar outros ministros 'incompetentes' como Crato, por exemplo. A visão denota uma análise política que incide sobre a tarefa de gestão corrente do capitalismo e não como deveria ser, sobre o papel que os ministros desempenham na implantação do capitalismo e da exploração dos assalariados. Por isso não vale a pena espernear. Melhor será então derrotar a sua política, nas eleições e na rua e defender as conquistas de poder popular impostas no PREC.

quinta-feira, novembro 06, 2014

Viviane em Loulé

A surpreendente cantora Viviane (vocalista dos ex-Entre Aspas, de quem fui o primeiro 'manager'), estará presente no CineTeatro Louletano no próximo dia 8 de novembro (sábado), pelas 21:30, onde apresentará o seu mais recente álbum. A não perder!

sexta-feira, outubro 17, 2014

Regresso a Aljezur

Entre o verão de 1982 e o verão de 1984, em diversos períodos de trabalho, estive em Aljezur com uma equipa de etnógrafos e antropólogos, desenvolvendo um estudo sobre a cultura popular local. Essa experiência deu origem a uma exposição - posteriormente transformada noutras - inovadora e estimulante de nóveis abordagns do trabalho científico no campo da museologia.
Recentemente, e apesar de passar lá muitas vezes, estive durante uma semana com os alunos do 1º ano de Educação Social, e outros colegas da Universidade, numa semana de campo de integração e de contacto com a realidade do concelho. Foi bom regressar e perceber as diferenças!

domingo, outubro 12, 2014

Ouro e Vinho de Adão Contreiras




Ontem, Adão Contreiras apresentou o seu mais recente livro de poemas, Ouro e Vinho, editado pela 4Águas Editora. O comentário de Tiago Nené sobre o livro conteve aspetos que me interessam abordar, já que conheço o Adão.
1. “O voyuerismo do olhar”: Adão é um observador nato e consegue estar dentro e fora da realidade. Se há algo de curiosidade no olhar do que se escreve, o que conta aqui é mais o resultado desse desenlace. Trata-se de um olhar para ver e interpretar, talvez na senda atual de um Baudelaire. Adão entra e sai de cada poema com facilidade.
2. “O poema em direto”: A escrita poética momentânea, não é direta. Adão carrega atrás de si muitos anos de leitura, escrita, anotações. Quando escreve traduz um tempo passado, mesmo que o ato seja presente, que já não o é. Hoje sabemos que a nossa escrita é sempre a reinterpretação de algo, mesmo que seja apenas a interpretação do que vemos. Também se trata de uma interação, pois o autor não está isolado numa redoma, mas presente e em ato,com o que se passa, ou com o momento sobre o qual reflete, escrevendo mais tarde.
3. É comum, entre as várias expressões artísticas atuais, chamar a atenção para o vazio do futuro ato criativo. Por exemplo os fotógrafos fotografam cada vez menos. Isto decorre da visão futura do artista, como se já conhecesse o resultado final. Adão confessa já quase não ouvir música, mas ela estará presente no ritmo da escrita poética. Os poemas do autor são também eles uma construção artística, pictórica ou escultórica. Adaõ escreve como pinta e esculpe e ele já sabe o resultado final da obra.

Helder Raimundo, 12 out. 2014

sábado, outubro 11, 2014

O PS, a direita e a convergência das esquerdas

A propósito daqueles que continuam a confundir o PS de direita com o seu eleitorado (quer dizer votantes que o podem pôr no poder), convém ler o que diz Rui Bebiano, que fala da condessa Violet de Downton Abbey, que também confundia a Rússia dos czares com o contexto da revolução de outubro. Muitos de nós vimos afirmando que o enclave do pensamento sobre o PREC - que opôs direita e esquerda (ou PS e extrema esquerda, se quisermos) - não pode matar hoje as convergências úteis da esquerda, numa alternativa fundamental à política de destruição de todos os direitos e valores humanos. Pois é disso que se trata.

segunda-feira, agosto 04, 2014

João Semedo e o Bloco de Esquerda

De facto a entrevista de João Semedo, líder do Bloco de Esquerda, ao semanário Sol, diz mais do que parece. A primeira constatação é a de que a ideia de influenciar a governação passa apenas por propor ou aprovar com outros setores da esquerda, no parlamento, legislação e princípios defensores do estado social e de causas da modernidade: igualdade, justiça, etc. Ora, alargar essa ação política a outras formas  de governação, com os setores mais à esquerda do PS (e sobretudo com os seus eleitores) e com outros partidos e movimentos de convergência de esquerda, não parece ser a lógica política do BE. Os exemplos que Semedo dá dos sucessos da sua co-liderança, são disso exemplo.
Mas Semedo afirma aquilo que já sabe que muita gente pensa o contrário: “O BE não é só um partido de protesto, existe para disputar o poder”. As suas palavras indiciam exatamente o contrário, pois a segunda parte da resposta fala numa mudança que ninguém sabe o que é. A não ser que o BE perspetive uma aliança com o PCP com vista ao poder, com o qual, segundo ele, converge diariamente no parlamento. Semedo esquece (tendo sido militante do partido, é estranho) que o PC está recluso da/na sua fortaleza, jogando com os sindicatos a sua força política nas eleições, e não está interessado em nenhum acordo com o Bloco. Aliás Oliveira, seu líder parlamentar, disse-o há dias a propósito das eleições presidenciais.
Quanto ao ex-líder Louçã, Semedo afirma-se autónomo da sua influência, mas toda a gente vê uma liderança à distância. Louçã afirma-se nos media como um político de convergências alargadas (manifesto dos 74, manifesto dos economistas, blogue do jornal Público), mas nas posições internas como um político de reduções radicais fechadas. E o BE navega nesse caminho.

Nas páginas do semanário citado acima, outros artigos dão conta de um movimento de esquerda com vista à defesa, nas próximas eleições legislativas, de uma plataforma política de esquerda alargada e aberta. Bons ventos de sudoeste!

domingo, agosto 03, 2014

Em concordância absoluta

Desejo a todos um bom Agosto – aos que saem da rotina, como eu, e aos que ficam a trabalhar. E, por favor, leiam. É também, acreditem, o que vou tentar fazer. Au revoir!
As palavras são da Maria do Rosário Pedreira, escritora e crítica literária. Eu poderia concordar com ela e faço-o, pelo menos agora, pensando que as leituras, compulsivas, estimulantes, azedas, obrigatórias, adiadas, não são motivo para horas extraordinárias. Ler +

quarta-feira, julho 30, 2014

Mexilhões com alecrim e pimentos


Depois de ter retirado as areias da praia do Tonel, as marés da invernia deste ano depositaram-nas no Beliche. Há dois invernos esta praia mostrava as rochas de que são feitas as suas costas e o estaminé de madeira tinha ido à vida. Dois anos depois a natureza troca as voltas a banhistas e apanhadores de marisco. Das rochas do lado direito da baía vieram dos melhores mexilhões que já comi, cozinhados no parque de campismo, com pimentos, caldo de carne e alecrim. À noite, foi a vez do arroz basmati fazer as honras de envolver gostosamente as vulvas que sobraram do almoço.

quinta-feira, julho 24, 2014

Evitar hoje os amanhãs que cantam

A propósito do meu post abaixo, e na convergência de pensamentos à esquerda, cito um extrato da 2ª parte de um texto de Rui Bebiano. É bom perceber que existem muitas similitudes de ideias por este país fora, o que nos dará esperanças. Assim vamos lá.

O que se prevê para um futuro próximo é a apresentação ao eleitorado de diversas propostas no campo da esquerda. Propostas sem qualquer intenção de unir, mas sim de aproximar no que é essencial. Plurais como nunca, e abertas à mobilização e ao debate dos programas e dos compromissos que envolvem o jogo eleitoral. O surgimento no terreno de forças como o Fórum Manifesto, o que resta do Manifesto 3D e do Congresso Democrático das Alternativas, o Livre ou o PAN só é mau se não for possível um entendimento na diversidade. Mas neste jogo o Bloco de Esquerda terá um papel a desempenhar. Resta saber se alinhado no lado dos que se centram no diagnóstico, ou na imaginação de uma terapia, mas ignoram a cura, diferida para uns quaisquer «amanhãs que cantam». Ou no daqueles que procurarão sempre, independentemente das suas convicções – levadas quando necessário também para a rua e para o protesto –, encontrar em comum um compromisso imediato para minimizar a desgraça e retomar a expectativa de uma vida melhor.
Ler o texto integral aqui.

segunda-feira, julho 21, 2014

E agora, algo completamente diferente!

Por uma porta se entra, por uma porta se sai.
(Esta é a minha reflexão de desvinculação do Bloco de Esquerda)


1. Aderi ao Bloco de Esquerda nos inícios de 2010. Antes tinha feito um tirocínio de simpatizante no período que precedeu as eleições autárquicas de 2009. Fi-lo como conhecedor das posições programáticas e ideológicas do BE e pela relação de amizade com muitos dos seus aderentes.

2. Entre 1973 e 1982 fui simpatizando e militando de várias formas entre o CMLP, o PUP, a UDP, o PCP(R), um caminho que me pareceu sempre coerente. Em 1982, numa altura em que tinha responsabilidades regionais, em divergência com a direção do último partido saí. Na altura pensava que a ideologia sectária e controleira não augurava nada de bom e o fechamento num obreirismo dogmático (sem classe operária) caminhava para um definhamento previsível. Como se pode perceber, para este peditório já dei o que tinha a dar. Não quis ter razão antes de tempo, mas muitos como eu pensaram o mesmo.

3. Quando o BE surgiu quase não dei por ele. As minhas preocupações centravam-se na militância cultural e educativa, das quais acabei por fazer a minha vida social e profissional, como ainda hoje o faço. Não votei em muitas eleições, por razões de consciência livre e de desconfiança dos partidos tradicionais, embebido em ações e movimentos que me pareciam mais interessantes como o desenvolvimento local, a nova museologia, ou o renascimento cultural popular.

4. Para além das causas de género, sociais e de rutura, que o BE desenvolveu e que me atraíram, foi o pensamento inquieto de uma pessoa livre e que conheci bem - mais como amigo, jornalista, professor, animador, grande leitor e companheiro de férias em Tavira, do que como dirigente do Bloco - que me seduziu. O Miguel Portas deve ter sido o autor indireto de muitas destas reflexões que agora se fazem, como foi o responsável por grande parte da linha de abertura a novidades, tolerâncias, convergências, e a quem o Bloco deve muito.

5. A minha atividade partidária quase se reduziu ao território local. Já não tenho paciência para debates estéreis sobre cultos, estratégias, controlos, refluxos, culpabilizações exógenas, teorias dos poucos mas bons, e dos amanhãs que cantam. Quero viver hoje, porra!, como dizia o Zé Mário. E mesmo que pelo caminho fiquem líderes putativos do socialismo popular e de esquerda, como disse ainda há dias o Daniel Oliveira. Assim, pouco ou nada me envolvi na região, em reuniões ou assembleias. O que dei em Loulé foi o que podia e sabia, sempre com a noção de que haveria que mudar a gestão do município, retirá-lo à direita, mas também desenvolver um trabalho político e cultural, nas áreas sociais, educativas, culturais, fora do espaço redutor dos debates fechados nas autarquias. Quanto a isso, vou fazendo o que posso e sei.

6. Nas últimas eleições autárquicas defendi, com outros companheiros, a proposta de não concorrer à Câmara, de forma a destronar o PSD, mantendo e reforçando a nossa posição de oposição clara na assembleia municipal. Essa posição foi grandemente maioritária em assembleia de aderentes, tal como foi inscrita em ata da mesma. Ressalvando todas as opiniões, o certo é que o PS não é a mesma coisa que o PSD, mas o purismo confunde sempre alhos com bugalhos. O que é claro é que a afirmação do BE se fará sempre na ação direta nos espaços e movimentos sociais locais, e só isso permitirá ganhos políticos na assembleia, em defesa dos cidadãos mais desfavorecidos. Se não participarmos na defesa da escola pública, na manutenção do serviço nacional de saúde, na construção de mecanismos de emergência social, ou na defesa da transparência dos apoios culturais, sociais ou desportivos, nem alargamos base de apoio político, nem recebemos reconhecimento social.

7. Sempre vi a minha contribuição a correr mais por fora do que por dentro. O  meu envolvimento na luta contra as portagens ou na defesa dos serviços de saúde em Loulé (pelo menos na 1ª manifestação) foi pautado pela ideia de convergência alargada a setores da sociedade civil, autarquias, associações, cidadãos e cidadãs. Mais do que a preocupação de nos servirmos para angariar aderentes, o meu desejo foi o de ganhar batalhas pequenas com gente grande. Particularmente na Comissão de Utentes da Via do Infante, de que hoje estou quase afastado, pois vejo a sua ação cada vez mais restrita a um grupo bloquista, sem convergências a setores de esquerda na região, mesmo tendo consciência de que nem todos defendemos o mesmo em cada momento.

8. Nas recentes eleições para o parlamento europeu votei Livre, como livre que sou. E são muitos os motivos para tal: o reconhecimento de uma vertente ética do Rui Tavares, que conheci noutros meandros, a abertura à participação de simpatizantes e amigos, a defesa de princípios alargados de convergência na Europa. E também a defesa de primárias, para contrariar o voto de braço no ar e o sindicato eleitoral de uma monarquia instalada, que escolhe unilateralmente quem quer. Ao contrário defendo uma participação alargada de toda a gente que queira estar connosco, aquilo que Semedo chama de ‘modernices’ e ‘populismo’.

9. Finalmente, quero dizer que sempre estarei disponível para os projetos políticos de esquerda que achar meritórios, em defesa de uma sociedade mais justa e mais igual, que urge hoje e não nas calendas do socialismo, e para os quais queiram aceitar os meus simples contributos.

Loulé, 19 julho 2014
Helder Faustino Raimundo
Aderente do BE nº 8356

Concelhia de Loulé/Distrito de Faro