domingo, julho 31, 2011

Enrique Vila-Matas


De autores de língua castelhana leio muito: espanhóis por supuesto, argentinos, colombianos, por aí. Daqui do lado de Espanha, entre muitos outros de mais antiga leitura, Javier Marías (que belas crónicas sobre la pelota), Arturo Peréz-Reverte (de escrita mais que cinéfila) e Enrique Vila-Matas. Deste último comprei, ao preço da chuva, um pacote com 6 livros há uns anos na Bertrand, editados pela Assírio e Alvim, no meio dos quais vinham jóias como Bartleby & Companhia, História Abreviada da Literatura Portátil e Longe de Vera Cruz, que agora leio, depois de o pendurar, uns tempos, na cabeceira dos livros em trânsito.

Leitura obrigatória de fim de semana

Ainda vou a tempo de aconselhar uma leitura excelente, para ler pausadamente - pensando na nossa rua, na nossa cidade e nos nossos filhos - da autoria do João Martins (link).

sábado, julho 30, 2011

Mais abate de árvores, não!

Também eu estudei nesta escola. Três anos, à noite, para completar o 12º ano. Também eu corri muitas vezes à sombra da mata do 'liceu' de Faro. Agora sabemos que a Parque Escolar (empresa de amigos do anterior governo, criada para 'requalificar' as escolas secundárias) quer substituir as velhas árvores regionais, por espécies exóticas. A minha amiga Rosa Guedes protesta e muita gente com ela. Pena é que a presidente do Conselho Geral (que raio de mania) se preocupe mais com a 'obra' do que com o ambiente. Ler+ na expressão linkada.

sexta-feira, julho 29, 2011

Como lutar contra as portagens

Helder Nunes, diretor do" barlavento", tem manifestado o seu apoio à causa da luta contra as portagens na Via do Infante. Quase sempre é mais radical do que a Comissão de Utentes (CUVI), o que se percebe dada a diversidade de perspetivas que marcam qualquer movimento social. Quando esteve presente na conferência de imprensa da CUVI defendeu algumas ideias para a ação de luta que agora expressa mais em detalhe no seu editorial. Eis um excerto:

Já manifestámos neste espaço o nosso total desacordo em relação à imposição de portagens numa estrada que não é scut, nunca foi em 70 por cento do seu traçado e já está paga. Os algarvios não estão a utilizar um benefício intitulado «sem custos para o utilizador», como acontece noutras vias construídas neste sistema e que estão a ser suportadas na base das tais parcerias público-privadas.
Ler+

quarta-feira, julho 27, 2011

Mais um bocado do conto

O e-scravo subversivo

[4]

O resultado de tal inovação e criatividade, de que toda a gente tinha a boca cheia, era o atraso sucessivo dos homens e das mulheres na entrada da fábrica. O e-scravo tinha sido acertado pelo relógio da torre da igreja, a matriz do século dezasseis em permanente ruína física e moral, mas cuja torre ainda suportava as horas badaladas de sessenta em sessenta minutos. Aquela máquina nunca falhava. De tal modo que o seu filho Dulcério, apaixonado pelas guitarras eléctricas, utilizava aquela sonoridade para servir de metrónomo e de afinador da sua Fender. Mas se aquele horário cristão nunca falhara, como era possível que o e-scravo andasse permanentemente atrasado, sobretudo nas horas de entrada, no início da manhã e após o almoço?

A areia estava quente e fina, como sempre, escorregando com delicadeza por entre os dedos dos pés, grão a grão, voltando de novo a caír para definir as suas pegadas firmes e regulares. Aquela praia, na margem do rio, construída anos a fio com os aluviões mestiços das descargas de terra argilosa da serra e das enchentes das marés vivas do oceano, era o paraíso de Maria Antónia. E fora aquela praia que decidira olhar, de novo, quando ali regressara.

Tinha chegado à aldeia – a que ela preferia chamar bairro – após muitos anos de ausência na cidade, na qual trabalhara e estudara ao mesmo tempo. O que aprendera, em muitos empregos diferentes, definidos temporalmente pelo contrato individual de seis meses certos, enchia agora as quatro páginas do seu curriculum vitae. Nas mãos do mestre da fábrica, aquelas quatro folhas pareciam um livro, o livro da sua jovem vida de pouco mais de duas décadas que estava a entusiasmar o homem, defensor da instrução do corpo e da alma daquela juventude perdida entre televisão, drogas e sexo. Começas amanhã, como manipuladora de peixe, que é por aí que todas as mulheres se iniciam neste mister, dissera-lhe o chefe de fabrico da produção, o topo da pirâmide industrial daquela fábrica de peixe. E remata-lhe, afirmando a superioridade masculina do território: Ou pensavas que entravas aqui como mestra, não? Lá por teres vindo da grande cidade e teres assentado o cú em muitos escritórios, não penses que és a mais competente. Nem essa aldrabice das novas oportunidades te serve. Enquanto afirmava o seu mando, olhava os olhos e a face daquela mulher, quase impassível, tão calma quanto a figura da Mona Lisa, pespegada no quadro de parede do seu escritório, já gasta dos aromas de salmoura do peixe cozido e do levante oceânico de Marrocos. Percebeu, de imediato, que a mulher era inteligente e talvez lhe viesse a dar problemas. Mas naquele verão quente, com mais sardinha no mar do que água salgada, não podia desperdiçar um par de mãos que se oferecia, provavelmente ágil e certeiro a cortar a cabeça da sardinha e ainda mais preciso a deitá-la na lata azeitada.

quinta-feira, julho 21, 2011

Via do Infante sem portagens

Muita coisa se poderia contar da Assembleia de Utentes da Via do Infante realizada no passado dia 9, em Loulé e que a foto dá conta. Tendo sido eleito um grupo de trabalho mais restrito que reuniu no passado dia 19, também em Loulé, uma das suas primeiras deliberações é a resposta aos responsáveis autárquicos do Algarve, que defendiam a não aceitação de portagens e hoje dizem o contrário. Bastou mudar o governo, portanto. A resposta será dada amanhã (22 julho), em conferência de imprensa, no restaurante Austrália, na EN125, pelas 10:30h.

quarta-feira, julho 20, 2011

Mais um naco de conto à 4ª feira

O e-scravo subversivo
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Voltou a lembrar-se da tal Maria Antónia. Que raio! Se ela era pouco mais nova do que ele e trabalhava ali naquela fábrica arcaica, onde a sua mãe deixara o corpo e a alma, mas ganhara artroses nas mãos e nas costas, ele deveria conhecê-la. Aquele nome, outra vez, a martelar-lhe os ouvidos e a calcar-lhe as têmporas. Desde que saíra da aldeia e rumara à capital da sua ambição, nunca mais voltara àquela terra. Agora que tinha sido transferido, ao abrigo da lei da mobilidade e da flexibilidade das aprendizagens de novas competências que o governo lá tinha inventado, logo teria de vir parar àquele lugar. Como se fosse obrigado a olhar-se, demoradamente, naqueles espelhos de feira da sua infância, ora côncavos, tornando-o mais anão do que criança, ora convexos, fazendo-o parecer o magricela do gigante de Moçambique que vira numa qualquer feira de S. Martinho.

À porta da fábrica, o mestre de fabrico controlava o seu velho relógio de ponteiros. Debaixo do vidro, baço de muitos riscos, os ponteiros marcavam oito horas, e nada. Onde estavam os seus operários e operárias que costumavam marchar silenciosos e apressados, em fila, nos saudosos tempos da sirene estridente de vapor, que emergia da caldeira de carvão nos anexos da fábrica? Ele, que tinha levantado o braço, contrariado, para votar a favor daquele novo instrumento sonoro, gostava ainda mais dos idos da buzina. Nesses tempos, o seu homem percorria de bicicleta todo o bairro e arredores, soprando o grande búzio do mar, como se fosse o saxofone da filarmónica da recreativa rica, onde aprendera a tocar e da qual saía para feiras, romarias e saudações aos presidentes da república, eleitos ou não.

Ele sabia de quem era a culpa daquela merda. Aquela Maria Antónia, armada em revolucionária, é que tinha proposto que a chamada para a fábrica fosse feita através do e-scravo, um dispositivo electrónico em forma de cravo que o presidente da república mandara conceber e entregar a todos os trabalhadores, para que assim pudessem estar em permanente contacto, vinte e quatro horas por dia, com todos os membros do gabinete gestor da nação. Mas por que razão aquela gente, que vivia em barracas e era quase toda analfabeta, tinha que possuir telemóveis, plasmas de TV, automóveis trocados pelo abate e, ainda por cima, o e-scravo? Aquela flor de tecnologia que só os antigos alunos do liceu eram capazes de manobrar? Tudo por culpa daquela mania da representatividade mais participada do raio da cidadania, que o seu patrão, aquele de quem era um extremoso colaborador, agora tinha inventado. Era por essas e por outras que qualquer uma – sim, por que as mulheres sempre foram mais escorregadias do que as enguias – vinha agora com ideias, como a Maria Antónia naquela reunião sobre a produtividade e a competitividade das conservas de peixe num mundo globalizado, que o presidente da Câmara tinha convocado.

quarta-feira, julho 13, 2011

Mais um bocado de conto


O E-SCRAVO SUBVERSIVO


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A jovem tinha o nome da sua mãe, chamava-se Maria Antónia. Na ordem escrita não constava mais nome nenhum. Talvez a polícia não os conhecesse, ou seria a rapariga que teria apenas dois nomes? Uma situação estranha nestes tempos de cidadania, em que o comum seria cada pessoa ter dois sobrenomes, apostos pela discriminação hierárquica de género: primeiro o da mãe e a seguir o do pai, deixando à paternidade a identidade perene.

Lembrava-se de ter confirmado que a sua mãe também tinha apenas aqueles dois nomes. Maria Antónia, estava escrito no bilhete de identidade que guardara na caixa dos sapatos pretos sem cordões, comprados para calçar no funeral dela. Recordava-se de o ter olhado algum tempo, aceitando, por fim, o que a sua mãe sempre lhe dissera, que aquele era o seu nome, e chegava para ela, não descendia da nobreza da terra, nem tinha famílias de brasão e anel.

Esqueceu aquela insistência sobre um nome vulgar, uma coincidência que também o chamava para a mesma família de palavras, através do nome que lhe deitaram ao nascer: António. Dobrou a folha amarelada e guardou-a no bolso interior do casaco cinzento, bem assertoado ao corpo esguio, decidido a resolver aquela tarefa de uma vez por todas. Era a sua primeira prova de fogo como polícia do trabalho. Sabia que lhe tinham atribuído aquela acção para o testar. Ou tinha tomates para ir buscar aquela mulher prevaricadora e subversiva e interrogá-la como nos velhos tempos, ou então seria corrido para a aldeia decrépita e miserável onde nascera e crescera, entre estrumeiras, barracas e peixe seco.

Indireitou o corpo ainda mais, como se quisesse ficar perto do céu, olhou e aspirou o perfume do mar naquela manhã luminosa e limpa, e entrou no carro eléctrico que havia comprado a crédito, caro, mas carregado de eficiência energética e limpo de combustíveis fósseis. Dirigiu-se para a fábrica que ficava do outro lado da cidade, na margem do rio que bem conhecia.

Fora nas suas águas que se tinha iniciado na vida adolescente do sexo e do roubo, primeiro com os jovens mais velhos das periferias operárias da cidade, depois, ele próprio se encarregou de chefiar o grupo. Foram os reis da praia, entre os primeiros turistas descidos no novo aeroporto, mulheres jovens, brancas como lulas frescas e camones chatos como a potassa, que não largavam o pé das miúdas. No rio, denunciava já as suas qualidades de coragem e temeridade, lançando-se, de braços abertos, de cima da ponte ferroviária para as águas lodosas e baixas do rio na baixa mar. O Zé Merra tinha partido o pescoço, num mergulho na praia, mas esse era estúpido e não calculava o risco, que ele aprendera a medir, cheio de calculismos e previsões lógicas. Só uma profissão de prestígio físico e moral, ao serviço da pátria, o poderia esperar nos anos activos e estatísticos da vida profissional.

terça-feira, julho 12, 2011

Do ritual do saudosismo

Loulé só podia ser uma terra de contrastes. A partir dum cosmos rural que encontra a modernidade ao virar da esquina - com os banhos de cosmopolitismo do turismo e a inovação cultural de jovens urbanos ou urbanizados -, Loulé não sabe o que fazer. O mais fácil é procurar uma cultura de massas, gerida por uma elite administrativa, com assento na vereação e nas chefias técnicas da Câmara, mas uma cultura assente num neo-romantismo da comunidade perdida, que no concelho tem ainda expoentes marcantes. Por isso, retirar o conceito de 'artesanato' da iniciativa de defesa e da promoção do interior rural do concelho, e ofuscá-lo com o termo perigoso de 'popular', não é só uma forma de revivalismo saloio. É mais do que tudo, uma opção cultural populista. E nós sabemos porquê.

sexta-feira, julho 08, 2011

O futuro da luta contra as portagens passa pela organização

Amanhã (9 julho, 16h), na Casa da Cultura de Loulé, os utentes da Via do Infante reúnem-se para fazer o balanço da luta contra as portagens e traçar novos caminhos de enfrentamento das decisões do governo PSD/CDS, que prevê a cobrança a partir de setembro próximo. Uma das questões que irá estar em cima da mesa é a formalização do movimento numa estrutura associativa, que dê corpo organizado e coeso a esta luta que não para. A propósito, escrevi um texto de desafio a todos os amigos e amigas que comigo teem estado neste combate, na Comissão de Utentes da Via do Infante e fora dela, que aqui vos deixo.

Amigos/amigas:

No próximo sábado reuniremos, em Loulé, para discutir o balanço da nossa ação em defesa de um Algarve livre de portagens, e para ver o que faremos no futuro para mantermos viva a ideia e a prática de rejeitarmos mais taxas que nos empobrecem e a toda a região, nestes tempos difíceis.

Uma das possibilidades, que já tínhamos previsto, é a criação de uma estrutura formal que melhore a nossa organização e eficácia neste combate, por exemplo uma associação de cidadania. Com esta estrutura poderemos ter uma palavra mais presente e uma intervenção mais respeitada junto das entidades do estado, bem como uma maior agregação dos cidadãos e cidadãs que, no Algarve, se preocupam com a mobilidade, quer seja na Via do Infante ou em qualquer outro sistema, ferroviário, ciclista, pedonal, etc.

Julgo, por isso, que a reunião de Loulé, no dia 9, deve ser alargada a toda a gente que queira associar-se à ideia de defesa de uma mobilidade mais justa e moderna, sem custos para os utilizadores e que promova a inovação de formas de transporte ambientalmente sustentável. Na reunião será importante que cheguemos a um consenso sobre o objeto da associação, que deve ser o mais alargado possível (respeitando o princípio de mais ser melhor que menos, pois não se sabe o futuro). Outra medida decisiva seria a nomeação, aceite por toda a gente, de uma comissão instaladora que representasse uma amplitude de personalidades e locais do Algarve e que abrisse caminho à formalização da associação. Independentemente de quem estiver presente na reunião, a nossa ação deve ir-se alargando a novas pessoas, a outros movimentos de opinião que, no Algarve, têm mostrado interesse nos assuntos da mobilidade e têm estado connosco nas lutas contra as portagens na Via do Infante, ainda a nossa luta principal.

Como esta coisa de associações obriga-nos a ir pensando no dia a dia, deixo um nome provável para a mesma:

Associação de Cidadania para a Mobilidade no Algarve

Acrónimo: ACiMA

Cumprimentos de amizade,

Helder Raimundo.