sábado, outubro 18, 2008

Treinador de Bancada #17

QUINZE MINUTOS DE FAMA COM CRESCINA R5

Todos nós temos os nossos quinze minutos de fama. Foi Andy Warol quem o disse, a propósito das estrelas artísticas americanas, na altura em que desenhava bananas às cores na Factory, empresa de onde saíram, entre outras preciosidades, os míticos Velvet Underground, de Lou Reed e John Cale.

Eu não sei quais foram os meus quinze minutos de fama, provavelmente ainda não me chegaram. Mas sou capaz de descobrir alguém, no mundo da bola, por exemplo, que obteve, desde cedo, muitos minutos de fama, roubando-os a muitos desgraçados de que ninguém já se lembra, como muitos dos nossos ministros e secretários de estado do desporto.

Olhemos então o Ronaldo. Não, esse não, que há pouco acabou de regressar aos relvados, num jogo em que as suecas não lhe tiraram o sono mas alguma inspiração. Falemos do outro, nascido no Atlântico sul, Ronaldo, ex-estrela de futebol do Real Madrid e da selecção da Ordem e do Progresso.

A sua fama não lhe advém das brilhantes fintas aos adversários, ou dos golos arrancados a tiro de fora da área, como se fosse um guerrilheiro das Farroupilhas. Os quinze minutos de fama de Ronaldo são-lhe atribuídos pela página sete do «Expresso», ali mesmo ao fundo, por baixo da crónica azulada do Miguel Sousa Tavares. Em apenas três colunas ficamos a conhecer as causas meteóricas da cabeleira farta e crescente do futebolista (que semana após semana parece maior na foto do jornal), graças aos 5 componentes milagrosos de “Crescina R5”. Como se percebe, o R é de Ronaldo mas o 5 não era o seu número nas costas, mas refere-se, isso sim, aos tais componentes activos da fórmula inventada na Suíça, os quais não descrevo por prurido de publicidade não paga a este jornal.

Confesso que os meus olhos, semana a semana, procuram este pequeno rectângulo da página, esquecendo o editorial do comendador Henrique Monteiro, ou o cartoon crítico de António. Assim, atribuo a Ronaldo os seus quinze minutos de fama semanais, o tempo que decorre na busca sedenta da página sete, na leitura da publicidade, e na atenção que dedico religiosamente àquela foto, onde sobressai uma cabeleira inabitual num jogador que admirámos sem cabelo.

E no fim de tudo o meu dilema é este. Não saber se os meus quinze minutos de fama não estarão no seguinte: correr como um perdigueiro a uma farmácia de serviço, já esta noite, pedir o “Crescina R5” e besuntar a minha ténue calvície de padre com o produto maravilhoso que Ronaldo publicita como “embaixador”. Iam ver se amanhã não aparecia na penúltima página do «24 Horas», entre a morte da velhinha da aldeia e a crónica da socialite da Franqueada.

(A Voz de Loulé, 15 Outubro 2008)

domingo, outubro 05, 2008

A ver em Loulé

O Almeida já tinha chamado a atenção para ela e, ontem, dei uma vista de olhos pela exposição do Bota Filipe ali na Galeria Espírito Santo, em Loulé. Portas recuperadas e transformadas em objectos decorativos, apenas para o prazer do olhar, ou trocadas por espelhos, onde mirámos o nosso desprezo ecológico pela madeira, pela casa, pela identidade. Algures no lugar destas portas estará a modernidade do alumínio frio e higiénico, porta-estandarte da transformação do mundo rural.

Dennis McShade


Na semana em que morreu o actor de excelência Paul Newman, pouca gente recordará Dinis Machado. Lembramo-nos todos de «O que diz Molero», sua obra mais conhecida, mas eu recordo com prazer a colecção de policiais Rififi, que ele dirigiu e na qual publicou três romances do género com pseudónimo americano; isso mesmo, Dennis McShade, ao jeito de Chandler ou Rex Stout. Morreu na sexta, quando a Assírio & Alvim prepara a reedição dos seus livros. Que venham pois.

sexta-feira, outubro 03, 2008

Treinador de Bancada #16

Como ser patriota hoje em dia

Ser patriota tem muito que se lhe diga. Ninguém já acredita (ou acredita?) que se trata de uma identidade nacional que nasce connosco e se inscreve na pele para toda a vida, (como aqueles números de prisioneiro nos campos de concentração nazis). Se eu me lembrar de que, no tempo da escola fascista, os manuais inculcavam essa ideia – que depois os professores as faziam cumprir a cantar o hino e de braço esticado conforme a cartilha nazi – então a repugnância ainda é maior. Felizmente os meus filhos não estudam por essa ideologia. Mas se há campo social onde esta questão do patriotismo se coloca com maior intensidade é no futebol, esse jogo epidérmico e emotivo que nos sai dos poros das pernas. Se olharmos para a selecção da “pátria”, a coisa torna-se mais aguda ainda. Toda a gente se lembra do Euro 2004 e não é só pelo descalabro financeiro da construção dos estádios, ou do 2º lugar que muita gente comemorou mas que foi a vergonha perante os discípulos de Sócrates (o filósofo grego, claro). Para esses ser patriota era isso mesmo: cantar o hino, encher-se de pinturas ameríndias ou carnavalescas, suar as estopinhas aos gritos ao árbitro e, sobretudo, andar de bandeirinha nacional em tudo o que é sítio: no assento do carro, no pescoço e nas costas, à janela; e até em locais mais prosaicos, como pô-la debaixo do rabo, ou a atapetar o chão da casa. Felizmente, para outros patriotas, as bandeiras não eram portuguesas nem tinham sido feitas em Portugal, mas num país distante e comunista (oh diabo!) como a China. Em vez de castelos tinham pagodes (lembram-se?) e as mãos que as coseram eram de meninos pobres ou mulheres pagas com uma tigela de arroz. Mas que importa isso, pá? Deixem-me mas é honrar a bandeira e a pátria.

O nosso vizinho escritor Javier Marías afirmava, numa crónica em 1994, que não estaria nesse ano com a sua selecção, a espanhola. A razão era que não queria ser patriota e apoiá-la só porque sim. E manifestava-se contra o treinador desse tempo e desfavorável às suas escolhas técnico-tácticas (como se verifica aqui, todos nós sabemos muito de futebol e aprendemos imenso com os comentadores encartados). Não sei se neste ano o escritor apoiou a sua selecção. Como ele acerta sempre, presumo que sim, pois a Espanha ganhou o Euro 2008; e não precisou de jogá-lo no seu país.

É claro que o primeiro tipo de patriotas apoia a sua selecção sem pensar naquilo que ela significa. Não lhes interessa o treinador, os jogadores, ou o que quer que seja, mas apenas aquele corpus verde-rubro, com uma manchinha amarela. Depois é só pontapé prá frente. Pois a mim, que não sou patriota, o que interessa é que a selecção seja dirigida, treinada e jogada por gente séria, inteligente e afável. Aceito que ainda existe por aí muita gente que dá excelentes pontapés na bola, e também excelentes pontapés na gramática. Ou noutras coisas, como a educação, a honestidade e por aí adiante. Mas não esperem que eu agora fale disso. Por todas as razões que venho enunciando nunca aceitei o bronco do Scolari como treinador “excelentíssimo”. E enquanto ele esteve por cá, fui farpando o homem onde podia. Sei bem que o que a malta patriota gosta é disso mesmo: um homem que vai pedir as vitórias a uma santa italiana no Brasil, que trata a equipa como uma tropa fandanga dirigida por um sargento, que gosta de mandar os jornalistas à merda. E que no final de tudo isto ainda pergunta: “e o burro sou eu?”. Como diria Grissom (da série CSI Las Vegas), a propósito dos porcos, não confundam o Scolari com os burros, animais inteligentes, educados e dóceis.

Compreende-se que os patriotas de que falo – os que amaram Scolari e agora vêem todos os jogos do Chelsea na liga inglesa – detestem Carlos Queiroz, o actual treinador. Percebe-se facilmente que Queiroz está nos antípodas do anterior seleccionador. Não sou eu que lhe vou apontar qualidades, mas apesar disso concedo e diria uma: Queiroz é educado, mesmo quando fala da confusão com o Sporting. E, sobretudo, sabe que foi ele que trouxe a geração anterior de jogadores até ao cume do futebol internacional. Coisa que Scolari deitou para o lixo (sei que alguns patriotas estão já a dizer que sou ingrato, pois o nosso melhor de sempre foi o 2º lugar europeu, mas não ligo à provocação). Estes patriotas nunca poderão gostar de um homem que se senta calmo num banco, que pensa o jogo entre os manuais e o campo, que responde aos jornalistas de forma contida e pedagógica. Mais: nunca perdoarão o facto de Queiroz ter destruído o séquito do clã scolariano, que tinha Ricardo como ponta de lança, ou de ter mudado os hábitos desleixados e individualistas da equipa.

Eu, como bom não-patriota, o que espero é que Queiroz tenha sorte e faça um bom trabalho, para bem de todos nós, patriotas ou não. Sei que isso é muito difícil, pelo simples facto de os oito anos de Scolari por terras lusas terem deixado a selecção na lama. Não estranhem o peso da expressão, que eu explico: não são os resultados que ficam; o que resta é um conjunto de comportamentos e atitudes (aquilo a que os patriotas chamam mentalidade) erróneas sobre o jogo e a competição. Querem um exemplo? Dou-lho já: Quim, o guarda-redes do Benfica e da selecção – o tal que veio do Europeu lesionado para não ter que aturar o banco eterno – já anda a imitar o Ricardo, nas saídas a bolas cruzadas; e nos frangos também. Vejam como tenho razão. Estes vícios pegam-se. Por isso sempre disse que Queiroz devia era ter ficado junto do seu mentor Ferguson, no United. Mas ele é muito mais patriota do que eu alguma vez serei. Boa sorte, então.

(A Voz de Loulé, 1 Outubro 2008)