sábado, setembro 27, 2008

Ah tabaco a quanto obrigas

Já ninguém se lembra das campanhas contra a proibição de fumar em espaços públicos. Muitos dos blogues que se armaram em propagandistas do fumo, exibiram imagens das grandes estrelas de Hollywood de cigarrinho na boca. A piada é que uma notícia, hoje divulgada, dá conta de um estudo de investigadores da Universidade de Nova Iorque que provou que muitas dessas estrelas receberam somas chorudas para estimular o uso do tabaco. Nomes? Stewart Granger, Bette Davis, Clark Gable... Um tiro pela culatra, portanto!

sábado, setembro 20, 2008

Ensaio aqui ao lado

Texto sobre o Manifesto de Marx e Engels no Socializar. A ler (link).

Treinador de Bancada #15

O TEMPO DOS ATLÉTICOS

Como se sabe, o futebol foi inventado como prática desportiva da burguesia. Apesar de jogado com os pés, a modalidade foi rapidamente aceite, pela beleza dos gestos corporais e pela finura dos toques que os pés permitiam. As famílias inglesas que o criaram e desenvolveram vestiam-se a rigor para o praticar, de casacos tweed e bonés de fazenda. O futebol não passou despercebido aos operários mais jovens que o vislumbravam aquando do caminho para o trabalho e o copiavam dos relvados de jardins aristocráticos. Rapidamente, a apropriação popular deste desporto se desenvolveu, de tal modo que alastrou para o mundo inteiro, tanto nas colónias inglesas como nos países periféricos.

Em Portugal, conhece-se a prática da modalidade desde finais do século XIX, tendo vários clubes sido fundados na altura.

Do clube do meu bairro há pouca história feita. O sítio, na margem direita do rio Arade, entre a cidade de Portimão e a foz do rio na Praia da Rocha, vivia do complexo industrial conserveiro da Júdice Fialho: fábrica, estaleiro, armazéns, doca de atracagem e outros equipamentos. Para que os industriais dispusessem da mão-de-obra a toda a hora, as operárias e operários viviam num bloco rectangular rasteiro, dividido em 21 parcelas de quatro pequenas divisões, cada uma delas para duas famílias, uma média de oito pessoas por casa/parcela.

A este sítio se dedicaram vários topónimos: S. Francisco, por causa do convento seiscentista do brasão portimonense Castelo Branco; Estremal ou Estrumal, por origem em extrema, ou tresmalho (arte de pesca, praticada no rio); mais tarde algumas designações mais cinematográficas, como Chicago City, por exemplo.

O certo é que os criadores do clube decidem fundá-lo com o pomposo nome de Lusitano Atlético Clube Estremalense, também conhecido por LACE. Penso que a dupla designação de “lusitano” e “atlético” teve a ver com a origem dos habitantes do bairro operário, vindos das orlas camponesas da cidade, mas também de diversos pontos do país, como a região saloia de Lisboa, ou a costa litoral de Peniche a Espinho. O que é certo é que no nome ninguém nos batia e quase sempre os adversários o invejavam. E o equipamento também: aquela risca amarela diagonal na camisola vermelha, dava um ar de comendador a cada jogador. E, por causa disto, foram muitos os forâneos de outros bairros da cidade de Portimão, ou mesmo forasteiros, que quiseram vir jogar no Clube, muito antes de Schengen. Até estrangeiros nós tínhamos, pois a partir de meados dos anos 60, com a chegada dos primeiros ingleses, era fácil aliciar jovens para as equipas que participavam nos torneios organizados por nós ou por outros clubes populares da cidade.

Campos não nos faltavam. Havia um, grande, com as medidas adequadas, copiadas a olho do campo do Portimonense Sport Club, o clube de quem mandava na cidade. O outro campo, mais pequeno, era quase sempre para o jogo da malta mais nova, convocada por assobios ou gritos de Tarzan, na versão Weissmüller, muito em voga na altura. Ambos os campos ocupavam áreas baldias do terreno murado do complexo fabril e que a burguesia industrial ia permitindo, como escape das 18 horas diárias de trabalho do proletariado.

Mas o clube da minha terra só reapareceu em grande forma no período pré-revolucionário. Ele foi motivo de muitas reuniões e conversas dos operários militantes e opositores ao regime, ali mesmo na taberna da Ti Gertrudes, onde nos abastecíamos de água para toda a casa, dos primeiros cigarros da adolescência e se vendia vinho, muito vinho, em copos de três e penaltis, como homenagem ao futebol, claro. Eu, que tinha 13 ou 14 anos na altura e que andava nas noites a ler «A Mãe» de Máximo Gorki às escondidas, percebia que algo se passava. Confesso que entendi com mais dificuldade o que era o raio do “samovar” onde os personagens do romance se aqueciam, do que o tema central das conversas no quintal da taberna, com o pretexto de refundar o clube. Os rituais de iniciação e de passagem eram assim: os mais velhos protegiam os mais novos, neste caso dos muitos bufos que cirandavam à volta dos copos ou dos jogos da lerpa e do truque, nas mesas de mármore.

É por estas e por outras que o meu olhar sobre o futebol haverá de partir sempre destas memórias, e de outras que vos contarei.

(A Voz de Loulé, 15 Setembro 2008)


quinta-feira, setembro 18, 2008

Integração nas escolas

No final do ano lectivo passado tive a oportunidade de defender, numa reunião de encarregados de educação na Escola EB 2/3 Duarte Pacheco, em Loulé, que a integração dos alunos mais novos (sobretudo os que mudam do 1º para o 2º ciclo) se faria com maior qualidade se correspondesse a um trabalho com os alunos mais velhos (sobretudo os do 9º ano). A questão parece-me simples: mobilizar e dinamizar os alunos mais velhos e responsabilizá-los como tutores dos mais novos, tendo como função principal a sua socialização na escola. Tarefas simples, como mostrar a escola, apoiar algumas tarefas administrativas, defender e integrar nos grupos de pares, são de uma importância decisiva para evitar o crescente bullying nas escolas. Na abertura do actual ano-lectivo a televisão lá mostrou uma escola, do concelho de Bragança, que adoptou pela primeira vez este mecanismo. Chamou “padrinhos” aos alunos mais velhos, talvez pelo nome estar associado mais fortemente a um conceito de protecção social. Mas o sentido do que defendo, está lá. Espero que outras escolas adoptem este modelo. E saibam porque o fazem.

domingo, setembro 14, 2008

Edital

Ainda a ressaca das férias e já estamos num novo ciclo de aulas. Trabalho, muito trabalho, meu, dos filhos... A partir de Outubro devo entrar num programa de doutoramento e aí estarei eu: mais três ou quatro anos de estudos pós-graduados. Entretanto, por aqui, vamos ver o tempo que resta para postar com regularidade. No meu blogue académico irei proceder a algumas alterações. Como passarei a usar uma plataforma electrónica de tutoria com os alunos, o Socializar por aí deixará de ter conteúdos curriculares e passará a dispor de pequenos textos ou ensaios sobre vida académica ou política educativa. No Contra>Senso colocarei sempre um link quando se justificar o interesse de leitura, em geral.

Culpas de Caravaggio

O jogo de Portugal (em futebol, é bom que se diga) contra a Dinamarca teve uma primeira parte de assombro: técnica, velocidade, inteligência, sentido colectivo. O que de melhor Queiroz pode oferecer como treinador. Até nos fez esquecer a célebre burrice de Scolari, que eu e muitos outros fomos denunciando contra a corrente. Na segunda parte, apesar dos muitos golos (especialmente os do adversário), lá estávamos nós outra vez com as pechas do conservadorismo no futebol: perdidas, individualismo, rodriguinhos. Nada que preste. Eu bem dizia há tempos: os anos de trabalho (salvo seja) de Scolari deixarão mazelas muito entranhadas e não pensem que até à África do Sul o problema se resolve. Desenganem-se.

sábado, setembro 06, 2008

Música a sério


Hoje queria chamar a atenção para o programa de JP Simões - conhecido mentor e vocalista dos interessantes Belle Chase Hotel, de Coimbra e, mais tarde, com uma excelente carreira a solo - na RTP 2, intitulado "Km Zero". É um discreto mas sério programa sobre a música nacional que se vai fazendo por Portugal fora, a partir de experiências de bandas que ainda não gravaram. Já vi os primeiros vídeos disponibilizados na net (link), isto porque o horário do programa (sábados, na 2 às 19.30h {hoje}) tem sofrido sucessivas alterações devido a jogos de futebol ou olímpicos. A emissão de 4 de Outubro contará com gente do Algarve: Trio de João Frade (Portimão), Nanook e Jazztaparta (Faro). A ver, meus amigos. A página no My Space disponibiliza muita informação (link).

X Files

No dia dos meus anos ganhei a colecção da 1ª série completa de Ficheiros Secretos, a celebrada criação de Chris Carter, que fui vendo, aos poucos em vários canais, nos anos 90. Na altura o meu interesse partia do ponto de vista da ideia de outros mundos, matéria que me interessava e atraía nas leituras de ficção e ensaio. Por ora, sento-me ao portátil vendo os dvds de cada episódio de 1993, e verificando como o que se faz hoje de bom (e muito bom) nas séries televisivas deve quase tudo a estes X Files. E aquele assobio, tem tudo...

quarta-feira, setembro 03, 2008

Treinador de Bancada #14

AS MEMÓRIAS SENTIMENTAIS DA BOLA

Javier Marías é um escritor nosso vizinho. Nascido em 1951, em Madrid, dele são conhecidos em Portugal alguns dos melhores romances escritos em língua castelhana (ou espanhola, se preferirem), como «Todas as Almas» ou «O Homem Sentimental». Para além de um romancista emérito, ele também escreve crónicas sobre futebol. Pelo menos escreveu. De 1992 a 2000 publicou, no «El País» ou no suplemento «El Semanal», pequenos ensaios sobre futebol. Só sobre futebol, aquilo que ele designa como sendo um “descanso”, uma forma maravilhosa de exercitar a “recuperação semanal da infância”. Para muitos escritores – diferentes de Javier Marías que nunca jogou futebol mas é um assumido colchonero (adepto ferrenho do Real Madrid) – o futebol foi outra pátria, muitas vezes em território alheio. Albert Camus foi guarda-redes do Racing Universitaire de Argel nos seus tempos de exílio interno. No terreno de jogo aprendeu tudo sobre a moral humana. E para quem leu «A Peste» ou «O Estrangeiro» percebe bem o que ele quis dizer com isso. Nabokov, também em terra alheia, foi guarda-redes em Cambridge e, muito antes de «Lolita», deixou o vício em muitas lolitas americanas. Foi o que Marías testemunhou mais tarde, quando percebeu que as raparigas de Wellesley só escolhiam futebol, numa terra em que o futebol “macho” americano é que dita as regras.

Para um escritor de crónicas, ou para um treinador de bancada como quer que seja, a leitura de «Selvagens e Sentimentais: Histórias do Futebol», de Javier Marías, é uma tarefa e um prazer incontornáveis. São meia centena de pequenos textos de sabedoria, vício, hooliganismo decente, uma literatura admirável, para a aproximação dos povos. Trata-se de uma “literatura confessional”, pois aqui é impossível não tomar como padrão a memória de infância que todos nós temos, dos relatos radiofónicos ao domingo, dos cromos da bola trocados a peso de ouro e colados com farinha e vinagre nas cadernetas escassas, dos primeiros jogos que vimos com familiares e amigos. Outros tempos, que aqui trarei nas próximas crónicas. Hoje é impossível não recorrermos, nas nossas interpretações, a esses tempos de infância, nos quais construímos o olhar sobre o futebol. E por mais que queiramos ser objectivos, todos sabemos que o nosso olhar de hoje, sobre os tempos de ontem, são definidos pelo que somos e sabemos hoje. O nosso olhar sobre o passado é sempre reinterpretado, uma visão romantizada do que vivemos nesses tempos.

Javier Marías bem tenta recordar-se, e escrever sobre o jogo de caricas que o irmão Fernando montou e dominou nos grandes jogos das tardes de adolescência. Também eu me lembro da construção de autênticos e verdadeiros campos de futebol, em tábuas de madeira encontradas nos baldios dos valados do bairro. Sobre ela colocávamos pregos bem posicionados nos lugares dos jogadores, onze de cada lado do campo, que dividíamos ao meio com lápis e régua. As balizas eram dois pregos maiores, a pequena distância para que não fosse fácil marcar. Também nessa infância portuguesa e mediterrânica, o Vítor “Bagu” se lembrou de apor um bocado de rede de pesca nas balizas. Foi dessa forma que o jogo se tornou mais científico: acabavam as discussões sobre a entrada ou não da bola na baliza. Ah, a bola, o que era a bola? Um botão largo de vestido de mulher que roubávamos às nossas mães, desertificando os vestuários domingueiros, ou uma moeda, ainda mais rara, nesses tempos. Colocado na tábua, o botão, ou a moeda, era só chutar à vez, com a ponta do indicador a fazer pressão no polegar. Havia quem tivesse outros estilos, mais Di Stéfano, ou mais Eusébio. Claro que não havia nunca bolas para o ar, nem golos de cabeça. Torres, ou Vítor Baptista, nem pensar em jogo de cabeça. As caricas, de que Marías fala, também serviam de bola, mas eram muito grandes. O seu serviço era outro, mas isso conto contar em crónica seguinte.

Nestes jogos de simulação, menos de futebol e mais de construção de uma personalidade integrada e coesa, lá estava também o desejo, o vício, a necessidade premente de ganhar sempre. Como no futebol – diz Javier Marías – é preciso vencer sempre uma e outra vez, todas as vezes, porque não há passado na bola. Neste mundo, é sempre o presente que manda, como um condenado à vitória perene. Mais do que a felicidade da vitória passada, o que conta é a angústia de ter de vencer agora. Agora e sempre. É essa angústia que faz do futebol a desgraça que muitas vezes é. Não o facto de ser jogado a pontapé, como Cabrera Infante, escritor cubano, defende. Talvez. Talvez Javier Marías tenha razão, pois “o futebol tem qualquer coisa de inestimável e que não costuma acontecer nas outras ordens da vida: incita ao esquecimento, o que equivale a dizer que nunca incita ao rancor, coisa que só se aprende na idade adulta”.

Em breve falaremos disto.

(A Voz de Loulé, 1 Setembro 2008)