quarta-feira, junho 18, 2008

Treinador de bancada

RESTRIÇÕES À JUSTIÇA DESPORTIVA

Bom, deixarei para a próxima crónica a propalada questão do “multiculturalismo” da selecção de futebol de Portugal, que parece aproximar uma certa intelectualidade das manifestações nacionalistas do velho império. Por agora, abordarei as demarches da justiça desportiva, que têm sido mais actividade desportiva de juízes do que justiça sobre o desporto.

Já se torna claro que os tempos dos comportamentos trogloditas de dirigentes nos estádios, das ameaças de grunhos do norte contra o sul e vice-versa – que a comunicação expandiu e ampliou –, deixaram de fazer qualquer sentido. Tirando os apaniguados do costume, já ninguém lhes liga. Os tempos são outros e o fair-play não serve só para ostentar nas camisolas. A luta pelo poder trava-se agora noutros campos.

Tudo indica que o FC Porto vai ser impedido de disputar a Liga dos Campeões, pelo facto de estar a ser investigado num processo sobre corrupção desportiva. O facto de ser tricampeão em Portugal não conta para nada, nem deve servir para recurso. Até porque o processo discorre exactamente sobre esses períodos. Por isso, tudo indica que a UEFA não vai voltar atrás com a primeira decisão. Quando esta crónica for lida, já terá reunido a Comissão de Apelação da organização do futebol europeu e já se saberá a deliberação final. Eu aposto no impedimento. Entretanto, se isto se confirmar, o SL Benfica é um dos clubes beneficiados. Tento não usar o meu subconsciente clubístico: o Benfica não deveria necessitar de aproveitar este mecanismo tribunalício para integrar as provas europeias. Foi um mau clube esta época, mas a justiça tem destas coisas; em todas as matérias. Agora dizer (como faz Miguel Sousa Tavares), que o Benfica faz pressão na UEFA a favor de uma decisão favorável, é confundir os leitores. Se a justiça desportiva precisa de provas, as afirmações que se fazem, também.

Apontando, agora, a agulha para outros territórios do desporto e da justiça. A RP da China aprovou um pacote de 57 restrições ao aficionado dos Jogos Olímpicos de Pequim. Como sabem, até a liberdade tem limitações. Foi o que a Revolução Francesa nos legou. O New York Times dá a história toda. Querem conhecer algumas dessas restrições? Aqui vão: i) a concessão de vistos a visitantes será controlada nome a nome; ii) todo o activismo, em nome dos direitos humanos, será punido; esperemos que não a esmagamento de canhão; iii) portadores de doenças sexualmente transmissíveis ou do foro psíquico não terão entrada; por isso veja lá bem; iv) imagens e textos atentatórios da política, economia, ou moral chinesas serão proibidos; de acordo com a cartilha chinesa, claro. A lista é grande e ficaremos por aqui. Provavelmente ela aumentará à medida que os Jogos se aproximam. Como o respeitinho é muito bonito, o Comité Olímpico Internacional nada diz. Ora, ora, quem cala consente.

A China, mais uma vez, mostra que tem o poder discriminatório de impor limitações à liberdade, até agora inauditas noutro qualquer país organizador. Até Hitler foi mais estúpido. Ainda longe do carácter assassino dos anos da guerra, deixou que em 1936, em Berlim, o velocista Jesse Owen lhe mandasse à cara o que significava esse conceito de “raça ariana”. A China é mais polida. Publica, antecipadamente, restrições ao contágio da causa da democracia capitalista de pés de aço, que norteia a sua gestão nos últimos tempos. Uma nova revolução cultural, talvez seja o que nos espera.

(A Voz de Loulé, 15 Junho 2008)