terça-feira, fevereiro 28, 2006

O Entrudo e o Carnaval [3]

Terceira e última parte do texto sobre o Entrudo e o Carnaval, publicado na Voz de Loulé a 1 de Março de 2004 (leia primeiro os posts anteriores):
(...)
Ora, é a esta prática social, a esta função excomungatória, necessária ao renascimento social e cultural, que o Carnaval civilizado põe fim. Neste, o povo não participa, assiste; não se integra, desfila; não se amotina, ou se enraivece, submete-se; não é actor, mas público. O rei Momo, que se destruía como um rei antigo, para dar lugar ao novo, é agora o rei da festa, que de cima do seu trono impõe as suas regras: o horário da brincadeira, o território fechado da peleja, a separação das classes.Hoje, este carnaval não é uma prática popular de tradição rural, mas um cartaz turístico do efémero, como aliás foi pensado nos anos 60, como resultado, ainda, das tentativas de hegemonização e controlo da cultura popular rural, como manifesta Augusto Santos Silva.E assim, o carnaval civilizado vai conseguindo aquilo que a igreja, desde a Idade Média, nunca conseguiu: opôr-se aos “costumes dos gentios” e fazer de uma festividade cíclica agrária, de esconjuramento popular, uma manifestação religiosa de abertura da Quaresma.É claro que estas mudanças não são pacíficas e talvez seja por isso que, opondo-se a uma crescente aculturação estrangeira do Carnaval - processo consequente da turistificação carnavalesca -, muitos optem por chamar a si a detenção da expressão de uma maior portugalidade.
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Notas:
Freitas, Pedro de (1991). Quadros de Loulé Antigo. Loulé: Câmara Municipal de Loulé.
Espírito Santo, Moisés (1999). Comunidade Rural ao Norte do Tejo, seguido de Vinte anos depois. Lisboa: Universidade Nova de Lisboa.

segunda-feira, fevereiro 27, 2006

O Entrudo e o Carnaval [2]

Segunda parte do texto sobre o Entrudo e o Carnaval (ler primeiro o post abaixo):
(...)
Na verdade, os festejos do Entrudo (ou Entroido, na raia nortenha, como referem Dias ou Oliveira, mas também Entrudo no Algarve, no registo de Marreiros) são práticas de introdução a uma nova fase da vida agrária, em que os elementos de contenção e jejum, não só do ponto de vista da religiosidade cristã, são fundamentais à progressão da floração dos campos e da vida. É o fim do Inverno e nesta altura o povo extravasa os limites do seu normativo, como a semente rasga o seu invólucro em busca do florescimento. Por isso tudo é permitido na libertação dos papéis sociais: da sexualidade, da profissão, das hierarquias sociais, do controlo social, da morte. A primordial função social do Entrudo ou Carnaval, como muito bem assinala Espírito Santo (1999: 115) é “a de catalisar os rancores e os desejos reprimidos, trazendo-os à superfície durante estes dias; válvula de segurança para o sistema que o grupo impôs a si próprio, estas cerimónias são a garantia da sobrevivência do grupo”. Daí que as simulações efectuadas nas práticas tradicionais do Entrudo, que temos registado em recolhas por todo o Algarve, mostrem esse psicodrama: os jovens vestem-se com as roupas do género contrário, contrariando assim a sexualidade explícita; grupos de rapazes e raparigas atacam-se entre si, com papelinhos e farinha – símbolo de fartura de sementeira de pão que germina na terra – procurando estabelecer rituais de namoro e de contratualização para futuros casamentos; jovens mascaram-se de fantasmas, de velhos e de caveiras, abjurando a morte, desejando que a ela se substitua uma nova vida, como a que está atrás da máscara; cègadas, com homens vestidos de fardas de autoridade, criticam a torto e a direito as mazelas da terra, pequenas delinquências e anomias, divulgando muitas vezes o que é óbvio, mas dirimindo assim na praça pública, as discriminações e as injustiças (...)
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[continua]

domingo, fevereiro 26, 2006

O Entrudo e o Carnaval [1]

Em época de festejos carnavalescos - e no ano em que o carnaval dito "civilizado" de Loulé comemora o seu 100º aniversário - repesco um texto que escrevi sobre o assunto e que publiquei em A Voz de Loulé de 1 de Março de 2004. Por cada dia dos três dias de Carnaval editarei aqui uma parte dessa crónica. A primeira parte:
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O Entrudo e o Carnaval [1]

O Carnaval de Loulé costuma ser separado entre o carnaval dito “civilizado” e o outro que não o seria. São pouco conhecidos os epítetos sob os quais seriam designadas as práticas dos carnavais anteriores a 1906 - data em que a comissão de festejos, decide fazer do carnaval um recurso financeiro para a Misericórdia local – mas Freitas (1991: 166, 176) dá-nos muitas respostas. Expressões como “a brutalidade do velho carnaval”; “a machadada de morte no velho «Momo»”; “se jogava agressiva e grosseiramente ao indecoroso Entrudo”, são exemplos da transformação do Entrudo no chamado Carnaval civilizado. Esse mecanismo de transformação, assumiu desde sempre a ideologia da normalidade, da hierarquia, da disciplina, da contenção, como princípios da monarquia e, mais tarde, do Estado Novo. A própria expressão de carnaval, é de origem erudita e importada dos festejos urbanos de países centrais da Europa.Aqui a civilidade matou o Entrudo, enquanto expressão da manifestação cíclica do mundo agrário, denotativo do ciclo da germinação – das sementeiras, e das correspondentes coesões sociais, indispensáveis à sobrevivência agrícola e comunitária (...)
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[continua]

sexta-feira, fevereiro 24, 2006

Zeca

Éramos putos e estávamos todos em frenesim à espera do Zeca, no "Glória ou Morte", em Portimão. Eu tinha ouvido, à socapa em casa de amigos, algumas baladas do José Afonso (os primeiros singles dele era assim que o tratavam). O Zé Luís, um carpinteiro mais culto que muitos dos meus professores, tinha-me emprestado um livro de poemas do cantor, editado pela Livraria Paisagem, do Porto, em 1972, onde fiquei a conhecê-lo melhor. Assim, nessa noite, espreitando a Pide à paisana no bar da sociedade recreativa, preparada para o momento de protesto cantatório e olhando os poucos carros que iam chegando, chegou o Zeca, camisola de manga curta azul, cabelos encaracolados já desgrenhados das noites mal dormidas, viola às costas, disposto a limitar-se a cantar, como disse a Viale Moutinho. A malta mais velha, preparou uma peça de Teixeira Gomes, portimonense das letras e da presidência, para compôr o ramalhete e enganar os incultos da censura.
A partir daí cantei muitas vezes, em muitos sítios, as canções do Zeca: Vejam bem/Os vampiros/Canção de embalar/Cantar alentejano/Cantigas do Maio/Canto jovem/Grândola, vila morena/Menino do bairro negro/A morte saíu à rua/Menino d'oiro/Vamos cantar as janeiras/Traz outro amigo também...E aqui continuamos a madrugada do Zeca...
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[escrito na madrugada de 24 de Fevereiro de 2004 e publicado no velho contrasenso]

quinta-feira, fevereiro 23, 2006

quarta-feira, fevereiro 22, 2006

Periferias ameaçadoras

Ele escreve com inteligência e humor sobre o cantinho à beira-mar. Sem pejo de criticar a choldra portuguesa na esteira de Eça. Conheci-o nas leituras da Periférica, uma das melhores revistas que se editaram em Portugal. Agora rende-se à blogosfera, trazendo canhões de Navarone.

segunda-feira, fevereiro 20, 2006



AGENDA: ver episódio 3 de "Com calma, Larry", na 2:, às 22.30h

Bota "amaricana"

Os protestos do PP, sobre as negociações do governo espanhol com a ETA para uma declaração de paz, não se remetem à aludida negociação sem entrega de armas e assunção de arrependimento. O que o PP não esperaria é que o governo espanhol conseguisse um cessar-fogo sem mortes que dura há três anos. Ou melhor, o que queria era continuar uma política à americana: primeiro faz-se a guerra, depois logo se negoceia.

Hum...

O espectáculo mediático do fim de semana, com todas as televisões a transmitir o segundo funeral de Lúcia de Jesus, não pretendia mostrar as provas da canonização da beata. Tanto tempo à chuva e ao vento, horas e horas desmedidas de emissão rastejante só tem duas pretensões: provar que a igreja, sobretudo a do santuário, se quer canonizar na esfera dos poderes de estado; pôr as televisões no campus do populismo religioso. A oeste, nada de novo.

domingo, fevereiro 19, 2006

Dois anos

A Floresta

A floresta
não tinha outras clareiras,
senão
os nossos pensamentos.

Dois anos a escrever para o éter blogosférico.

sexta-feira, fevereiro 17, 2006

Nova lei da nacionalidade

A afirmar a sua política de restrição à emigração, Cavaco Silva, há tempos num debate eleitoral em confronto com Francisco Louçã, dizia que o melhor era termos medo da avalancha de emigrantes que em breve nos suplantariam em número; e poder, perceber-se-á. A corroborar esta ideia peregrina o último Expresso referia que Portugal – desde 1 de Maio de 2004 - emitiu apenas 118 autorizações de residência a nacionais dos 10 países novos membros da UE. Mas o actual governo já afirmou querer acabar com as restrições a partir de Maio. E hoje o Parlamento aprovou legislação sobre a nacionalidade de emigrantes em melhores condições, para os que cá trabalham e vivem. Quando o degelo começar, vamos ter muita água a entrar na presidência.

quinta-feira, fevereiro 16, 2006

i o c c m c a b

introdução objectivos competências conteúdos metodologia calendário avaliação bibliografia introdução objectivos competências conteúdos metodologia calendário avaliação bibliografia
introdução objectivos competências conteúdos metodologia calendário avaliação bibliografia
introd objecti competên conteú metodol calendar avalia biblio intro obje compe cont meto calen aval bib in ob co co me ca av bi i o c c m c a b. Há duas semanas que ando nisto.

sexta-feira, fevereiro 10, 2006

Mudanças de livros

Sairam da cabeceira o "Bilhete de Identidade" de Filomena Mónica (há algum tempo e sobre o qual tinha prometido umas palavras) o "Mil e Uma Pequenas Histórias" de Luís Ene e "O Grande Gatsby" de F. Scott Fitzgerald. Lidos, espero ter algum tempo literário para escrever sobre eles. Entretanto poisou, há uns dias, as "Memórias Póstumas de Brás Cubas" a obra prima de Machado de Assis. Tudo ali ao lado nos links da cabeceira.
Na outra secretária, aqui nas minhas costas, lá está a pilha de livros - agora de teoria - sobre cultura, tradição, memória, etc. Ao lado o portátil ainda fechado, o lápis em permanente sobressalto perto do afia, agenda, a pen drive+MP3, pastas de arquivos e o barlavento de ontem, com a minha crónica escondida...

quinta-feira, fevereiro 09, 2006

Crónica

A Feira da Microsoft
Estou a escrever este texto num processador de texto Word, do Office da Microsoft. Também estou ligado à rede através de um telefone fixo, da PT, que tive de instalar para usufruir do acesso ADSL do Sapo. Nada mais simples. Só que a simplicidade é enganadora. É que talvez não seja tão simples assim. Talvez eu pudesse usar outro programa de processamento, outra ligação telefónica, outro acesso à rede!? O problema não está na falta de concorrência. O problema, simplesmente, decorre da visão tecnocrática do estado de impor a sua lógica de mercado aos cidadãos. E essa lógica, para não desmerecer, é a lógica do seu negócio. De um negócio centralizador e autárcico, que privilegia as suas empresas e os seus ex-governantes.
Perceba-se a feira da Microsoft nesta lógica. Cinco ministros de peso assinam os acordos. Mil pessoas vão ser formadas pela empresa de Gates. Este mete ao ombro a Ordem do Infante. Mas isto são ninharias de publicidade, comparado com o fecho da coisa.
Bill Gates em entrevista a Judite de Sousa na RTP1: 30 minutos de publicidade à Microsoft, à hora do jantar. Percebendo as deixas, o homem não perdeu uma única oportunidade para levar todas as respostas para a panaceia das crises do mundo: a tecnologia informática e a sua multinacional. Na ajuda aos pobres do mundo, claro. Ora com a Fundação, ora com a empresa. Mas foi Judite de Sousa que lhe estendeu o tapete vermelho. Que organizou uma conferência de imprensa para Bill Gates explicar a sua relação empresarial com o governo de Sócrates. Excelente serviço público da TV do Estado. Para encerrar a feira em beleza.
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Também disponível no barlavento online. Clique na imagem!

quarta-feira, fevereiro 08, 2006

O "millieu"

Há uns dois anos, talvez, um amigo que queria editar um livro de poesia sobre a "sua" guerra em África, dizia-me que o millieu estaria dominado pelos Mexias, Lombas, Coutinhos, etc. Na altura não percebi, dado que estava assoberbado de trabalho com a coordenação da Comissão de Comemorações do centenário de José Vieira (Alte) e não tinha muito tempo para ler jornais. Mais tarde percebi, pois fui encontrando os cronistas referidos, primeiro na blogosfera, depois nas crónicas de jornais portugueses e brasileiros. Devo aqui explicar que, independentemente dos seus pontos de vista, leio-os com prazer e refiro-os regularmente. Mas vem esta prosa a propósito de ter ouvido o comentário - ainda há pouco na SicN - de Pedro Lomba sobre a imprensa do dia. E ter verificado que, tal como aconteceu com Pedro Mexia no "Eixo do Mal" do mesmo canal, quase sempre um bom cronista é um mau comentador. E que o facto de escreverem - e bem - em vários jornais (Lomba, por agora, deixou a crónica do Independente na última semana e mantém-se ainda no DN) não é seguro de uma concomitante dinâmica comunicacional. E com essa presença recorrente e supletiva quem perde são os leitores/ouvintes. Aqui anda o célebre amiguismo, um círculo fatídico da comunicação.

segunda-feira, fevereiro 06, 2006

Absolutamente imperdível


Hoje, às 22.30h na 2:

Ora toma mais multiculturalismo!

Ontem, de manhã, fui com a família ver um jogo de basquetebol entre iniciados. Dum lado os "Tubarões" de Quarteira, do outro o Sporting Clube Farense. A claque do SCF era maioritária e sentava-se na área de ataque do adversário. Sentamo-nos no lado dos Tubarões a apoiar a equipa do concelho em que vivemos. Com o apoio da claque que veio do futebol (ora desaparecido nos pergaminhos do clube) a equipa do Farense, melhor vestida e cheia de salamaleques esteve sempre, desde o início do jogo, à frente do marcador. Quase no fim do jogo, os Tubarões (cheia de miúdos dos bairros sociais de Quarteira, retintos de negros) pegaram na bola e deram um banho aos farenses: 73-69. A mim parece-me que foi por terem visto, na bancada, as jovens branquelas farenses a gritarem como macacas quando eles pegavam na bola para encestar três pontos. Ora toma aqui o multiculturalismo!

sexta-feira, fevereiro 03, 2006

Gates open

Bill Gates em entrevista a Judite de Sousa na RTP1: 30 minutos de publicidade à Microsoft, à hora do jantar. Percebendo a deixa, o homem não perdeu uma oportunidade para levar todas as respostas para a panaceia das crises do mundo: a tecnologia informática e a sua multinacional. Na ajuda aos pobres do mundo, claro. Mas foi Judite de Sousa que lhe estendeu o tapete vermelho. Que organizou uma conferência de imprensa para Bill Gates explicar a sua relação empresarial com o governo de Sócrates. Excelente serviço público da TV do Estado.

quinta-feira, fevereiro 02, 2006

Petróleo

Desde manhã que ouço falar do petróleo no Algarve. O assunto já mereceu entrevistas com investigadores da Universidade do Algarve e algumas idas do deputado Mendes Bota aos ecrãs da televisão. Tudo por causa dos espanhóis que nos vão roubar a energia na costa de Sagres. As cartas que o deputado enviou ao presidente da república e a mais não sei quem não servem para nada a não ser cumprir agenda parlamentar; Sampaio já esteve em Espanha a dar a mão a empresários espanhóis. E fez bem. Por isso o assunto não tem altar para Bota se alcandorar lá acima. Mas neste caso o melhor é lembrar o que disse o físico Carlos Fiolhais hoje na revista de imprensa da SicN: o petróleo do Algarve é uma notícia milagreira do Correio da Manhã como o é a notícia da beatificação da irmã Lúcia. Bem visto!

quarta-feira, fevereiro 01, 2006

O primeiro dia...[actualizado]


Hoje é o dia em que duas mulheres, corporizando o direito de igualdade de género consagrado na Constituição, vão desafiar o anacronismo e a discriminação da Código Civil que proíbe o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Dia 16 será o dia em que a direita e o centro direita, no Parlamento, vão ser obrigadas a tirar a cabeça da areia.
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Perante a entrega do pedido de casamento o Conservador pede para pensar, mas lá vai dizendo que o que se pretende é harmonizar a Constituição com o Código Civil.
O ministro da justiça, Alberto Costa, vem dizer que se espera que se cumpra a lei. Percebem? O homem não quer que se cumpra a Constituição.
Entretanto, todas as televisões promovem debates sobre o assunto. Bom sinal. A luta pela igualdade de direitos sempre se fez com debates de ruptura, conflitos de interesses e franjas minoritárias. E o que é preciso é que as minorias se vão impondo à sociedade, seja lá o que essa entidade vácua for.