segunda-feira, fevereiro 27, 2006

O Entrudo e o Carnaval [2]

Segunda parte do texto sobre o Entrudo e o Carnaval (ler primeiro o post abaixo):
(...)
Na verdade, os festejos do Entrudo (ou Entroido, na raia nortenha, como referem Dias ou Oliveira, mas também Entrudo no Algarve, no registo de Marreiros) são práticas de introdução a uma nova fase da vida agrária, em que os elementos de contenção e jejum, não só do ponto de vista da religiosidade cristã, são fundamentais à progressão da floração dos campos e da vida. É o fim do Inverno e nesta altura o povo extravasa os limites do seu normativo, como a semente rasga o seu invólucro em busca do florescimento. Por isso tudo é permitido na libertação dos papéis sociais: da sexualidade, da profissão, das hierarquias sociais, do controlo social, da morte. A primordial função social do Entrudo ou Carnaval, como muito bem assinala Espírito Santo (1999: 115) é “a de catalisar os rancores e os desejos reprimidos, trazendo-os à superfície durante estes dias; válvula de segurança para o sistema que o grupo impôs a si próprio, estas cerimónias são a garantia da sobrevivência do grupo”. Daí que as simulações efectuadas nas práticas tradicionais do Entrudo, que temos registado em recolhas por todo o Algarve, mostrem esse psicodrama: os jovens vestem-se com as roupas do género contrário, contrariando assim a sexualidade explícita; grupos de rapazes e raparigas atacam-se entre si, com papelinhos e farinha – símbolo de fartura de sementeira de pão que germina na terra – procurando estabelecer rituais de namoro e de contratualização para futuros casamentos; jovens mascaram-se de fantasmas, de velhos e de caveiras, abjurando a morte, desejando que a ela se substitua uma nova vida, como a que está atrás da máscara; cègadas, com homens vestidos de fardas de autoridade, criticam a torto e a direito as mazelas da terra, pequenas delinquências e anomias, divulgando muitas vezes o que é óbvio, mas dirimindo assim na praça pública, as discriminações e as injustiças (...)
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[continua]