domingo, março 27, 2005

Manuel Teixeira Gomes

Ontem conversava com um amigo sobre as suas recentes leituras. Dizia-me ele – que organiza as suas leituras melhor do que as suas aulas – que nos últimos dias andou a ler os poetas e escritores algarvios, ou que escreveram sobre o Algarve, do princípio do século: João de Deus, Raul Brandão, Emiliano da Costa e Teixeira Gomes. A propósito deste último autor conversámos sobre o seu excelente conto (cheio de humor, inteligentemente anti-clerical, moderno) “Gente Singular”, uma história mágica e verdadeiramente esotérica, passada no centro histórico da cidade de Faro. Nesta sequência, lembrei-me de quanta pouca gente conhece este belíssimo autor, de origem portimonense, negociante de frutos secos e presidente da república entre 1921 e 1923. E de como seria importante a Missão Faro, Capital Nacional da Cultura, em 2005, promover um congresso sobre Manuel Teixeira Gomes, ao invés de o fazer sobre António Judeu da Silva “O Judeu”. A mania de fugir das figuras algarvias e procurar uma dimensão pseudo-nacional é uma prova de vera saloice, isso sim!

sábado, março 26, 2005

Bolonha: Cogito ergo sum?

[minha crónica publicada no último nº do jornal «barlavento»]

Tinha iniciado a aula com o 1º ano. A ideia era estudar o tema da educação comunitária, uma das formas mais interessantes da educação não formal, normalmente desenvolvida nas pequenas comunidades desfavorecidas de aprendizagens. Distribui pequenos textos de um capítulo do livro de Moaci Carneiro «Educação comunitária: faces e formas» que, em conjunto, constituem um capítulo do mesmo. Normalmente circulo pelos grupos a apoiar a leitura e o debate, pois neste caso o objectivo era desenvolver capacidades e atitudes relacionadas com a expressão oral e a comunicação. Porta-vozes dos grupos deslocam-se para os grupos com os números seguintes, para explicar o texto. Depois, é o grupo receptor que apresenta à turma os conceitos ou tópicos-chaves de cada texto que lhes foi comunicado.
Um dos grupos pediu a minha ajuda, porque não percebia nada do que lia: Ó professor, já lemos três vezes e não entendemos nada! Pedi que me exemplificassem e disseram-me que não sabiam o que era “cogitar”. O autor do texto escreve com uma linguagem filosófica, às vezes hermética, mas “cogitar”, meu deus, simplesmente quer dizer pensar; nunca ouviram falar de Descartes, que falava “Cogito Ergo Sum” – penso, logo existo? Arregalaram-me os olhos de espanto, as três alunas, como se estivessem a olhar para um palácio das mil e uma noites. Como as perguntas eram muitas, sentei-me na mesa para ajudar na leitura do texto. E verifiquei a total ausência da compreensão escrita, o reduzido vocabulário expressivo, o desconhecimento da língua. Melhor seria ter um dicionário ao lado. Têm que ler com um dicionário, que eu depois explico o resto, a coerência frásica, o sentido do texto. Bom, no final, ao menos o grupo receptor deste texto usou as explicações dadas por mim às alunas, sinal de que assim o transmitiram.
Senti-me a explicar alguns conceitos ao meu filho, de sete anos, quando me bombardeia com o pedido de sinónimos e significados das novas palavras do seu dia.
Pensei nos erros de Descartes. Na possibilidade de levar o livro de Damásio para a aula e desmistificar aquilo que disse do filósofo francês. Penso, logo existo! Ou melhor, sinto, logo penso. No final: existo, logo penso! O melhor é ler os livros com os meus alunos, começar a fazer jus às novidades da Declaração de Bolonha: auto-formação e estudo acompanhado, nas aulas e fora delas, que isso sim é o futuro do ensino superior. Pensemos nas tertúlias que poderíamos fazer com os alunos, de manhã na relva verde do estádio da Penha e à noite no Ministério da Cerveja. Não, não estou a brincar. Esta pode ser uma das soluções do processo de ensino/aprendizagem no ensino universitário. Agora, é decisivo que se pense uma Declaração, a preceito, para o parente pobre do sistema: o secundário.

sexta-feira, março 25, 2005

A táctica do pontapé na gramática

Fátima Lopes (sim, a tal da moda), para além de vender copos na televisão, faz agora os fatos da selecção de futebol. Ontem, na TV, inteligente como sempre, lá foi dizendo: «...sabia que este corte ia de encontro ao gosto dos jogadores». Acabou de inventar uma nova táctica futebolística, com um excelente pontapé na gramática.

Mexia, ainda mexe

O Fora do Mundo fez hoje um ano. Pedro Mexia, não está parado, ainda mexe. E é o único! Parabéns.

Não há bem que sempre dure...

Hoje fui pesquisar para a Biblioteca Central da Universidade do Algarve. Pedi o jornal «Correio do Sul», do ano de 1938, para procurar notícias sobre o “Concurso da aldeia mais portuguesa de Portugal”, promovido pelo Secretariado Nacional de Propaganda, de António Ferro. As funcionárias foram solícitas, educadas e eficazes na procura e cedência de material para pesquisa, o que contrasta com o corriqueiro das bibliotecas. E não sabiam que eu era professor na instituição. Quando pedi autorização para fotocopiar alguns textos do jornal, a resposta foi justa e equilibrada: “desde que tenha cuidado”. O que difere, e muito, do que se passa, por exemplo no Arquivo Histórico de Loulé, onde estou também a pesquisar. E neste caso nem sequer são originais, mas cópias ou facsimiles. Quando, por este motivo (o de poder fotocopiar na minha escola) ficaram a saber que era professor da Universidade até me ofereceram um cartão, com direito a 300 cópias para o ano corrente. Um direito que deveria ter usufruido desde 2001, mas que só agora descobri. Não há mal que nunca acabe...

quarta-feira, março 23, 2005

O cânone literário

Há dias, vendo o programa de Francisco José Viegas, “O Livro Aberto”, na RTPNorte, ouvia o jovem escritor Hugo Gonçalves (HG) falar de um cânone nacional, que não lhe interessava respeitar na sua escrita literária. Todos os presentes (João Tordo, José Riço Direitinho e o próprio HG) mantiveram esta opinião nos discursos seguintes. Estranho foi verificar que Francisco José Viegas – ele próprio membro de um potencial cânone nacional literário – tenha alinhado com os seus convidados. Ou talvez não tenha nada de estranho.

Que nem uma mosca morta

Alexandre Soares Silva delirando sobre uma mosca morta no cinema, em Wild Bunch.

O regresso

Hoje, no meu gabinete de trabalho, fui aos velhos links dos favoritos e tenho uma surpresa que me contentou a alma. Porque a linguagem de JPT é única, quer queiramos ou não. E estava com saudades dela. Bom regresso, amigo!

terça-feira, março 22, 2005

1912

A história das rivalidades políticas e pessoais entre João de Deus, director do jornal «O Aldeão» e Cândido Guerreiro, presidente da Comissão Administrativa Municipal de Loulé, decorrida no ano de 1912, está ainda por contar. Se Cândido Guerreiro passou à história como um poeta, João de Deus ficou esquecido nas brumas do tempo. Interessa perceber porquê. Tentarei, em breve, recuperar esta história e fazer jus à proximidade de outras verdades.

O programa do governo

A discussão do programa do actual governo, traz alguns sinais interessantes. Sobretudo a possibilidade de alguns acordos à esquerda para resolver problemas como a despenalização da interrupção voluntária da gravidez; e de promover um debate sério sobre os valores expressos pela proposta de constituição europeia, a qual irá ser referendada. Particularmente no que me diz mais respeito, interessa perceber os passos a dar, na actual discussão, sobre o processo de Bolonha, designadamente qual o papel do estado no apoio à qualificação dos estudantes no percurso completo do 1º ciclo do ensino superior futuro: a licenciatura. Há muito a discutir sobre este último tema.

Andar de jipe sobre as dunas...

Em entrevista à revista «Sábado» o actor Ricardo Carriço afirma adorar conduzir o seu jipe sobre as dunas, em especial na praia do Meco. Diferente seria se dissesse que apenas circula em estradas adequadas para o efeito, evitando destruir a fauna e a flora dunares. A alguém que é lido como uma figura pública pede-se que dê exemplos contrários.

sexta-feira, março 18, 2005

Mil e Uma Pequenas Histórias

O Luís Ene acaba de editar o primeiro volume de «Mil e Uma Pequenas Histórias». A propósito recordo a primeira pequena história que dele publiquei em “a cultura”, suplemento cultural do jornal «A Voz de Loulé»:
«De tempos a tempos sentia imensa pena de si próprio, esquecia-se então de tudo o que podia ser, e lembrava-se apenas daquilo que era e não fora. Isso não era bom para ele, pois a sua força estava em esquecer quem era e ser quem podia ser. E ele bem o sabia. Porque se afinal estava em constante mudança, não podia deixar de ser um grande disparate agarrar-se ao que era ou fora e não ao que poderia ser. [A moral desta história, que a tem, é: Querer talvez não seja poder, mas onde já se viu poder sem querer?]»
Vale a pena encomendar, ainda a preço de lançamento!

quinta-feira, março 17, 2005

O Gramofone do Centro Republicano

Estou a realizar uma pesquisa sobre o Grupo Folclórico de Alte. Interessa-me perceber o contexto local dos anos que antecederam a sua criação em 1938. Como em Alte a tradição da imprensa local é muito forte, resolvo iniciar a pesquisa pelos jornais da terra. O mais antigo, disponível no Arquivo Histórico de Loulé, é “O Aldeão”, fundado em 1912, por João de Deus, que durou apenas até 1913, tendo sido encerrado pelas autoridades. Esse encerramento deveu-se, sobretudo, às batalhas verbais travadas entre o jornal, dito acérrimo “defensor dos interesses locaes”, e o conhecido poeta altense Cândido Guerreiro, entre outros cargos, também presidente da Câmara de Loulé, na altura.
Procuro nas páginas facsimiladas do jornal, já com quase um século, pequenas notas sobre bailaricos, festas populares ou concertos, que me dêem alguma ideia sobre as práticas da música e da dança da altura. E encontro diversas referências às actividades do Grupo Dramático Altense e do Grupo Musical Altense; e a diversas festividades com presença de bandas filarmónicas do concelho, como a Filarmónica Marçal Pacheco ou a Alunos de Minerva, de Loulé. De tudo, o mais interessante são os bailes “íntimos” ou de convívio, realizados no Centro Escolar Republicano Altense, abrilhantados por um célebre gramofone -- a quem se dá honras humanas -- pertença de José Francisco da E. Madeira e que duravam sempre “até às tantas”.

quarta-feira, março 16, 2005

Dois anos depois de "Excitações"

O Luís Ene foi um dos primeiros bloggers portugueses. Foi também um dos primeiros que li. Há cerca de um ano, tive a oportunidade de coordenar um suplemento cultural em «A Voz de Loulé» que contou com a sua excelente colaboração, através das suas belas pequenas histórias, estas de proveito e de exemplo. Hoje, reparei que estava a comemorar os dois anos de existência do Ene Coisas. Dei uma vista de olhos pelo seu primeiro post, a 13 de Março de 2003, e retirei de lá esta pequena pérola:
«Excitações. Não consegui resistir ao trocadilho fácil (mea culpa) mas existem citações de abertura que são verdadeiras excitações, não só pelo que dizem mas também pelo que anunciam. Hoje trouxe da biblioteca municipal o último romance (à data) de Francisco José Viegas, Lourenço Marques, que abre com esta citação de Philipe Roth: “Então, eu pensava no género de histórias em que as pessoas transformam as suas vidas, e no género de vidas em que as pessoas transformam as suas histórias.” A abrir o capítulo VI, Acção, d’ A Condição Humana, a que regresso muitas vezes, Hanah Arendt, cita IsaK Dinesen ( aliás, se não me engano, Karen Blixen): “Todas as mágoas são suportáveis quando fazemos delas uma história ou contamos uma história a seu respeito.” Fica-se ou não com vontade de mais?»

terça-feira, março 15, 2005

Quem alfabetiza, desenvolve

Alguém deu pelo último “Relatório PISA 2003”? Pois é. O Ministério da Educação, em Portugal, falou dele o menos possível, como era de prever. E eu que até leio jornais não vi quase nada publicado sobre o tema. Distracção minha, porque alguns jornais falaram do assunto, como vim a confirmar por pesquisa posterior na rede. Pois publicaram, mas de forma um pouco envergonhada e sempre escondida nas páginas de sociedade. O que é engraçado é que tenham sido publicações estrangeiras a chamar-me a atenção para o assunto. É melhor explicar o que é isto do PISA (Programme for International Student Assessment)? Trata-se de estudos encomendados, regularmente, pela OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Económico) sobre a performance de estudantes de quarenta países em três habilidades básicas: matemática, leitura e ciências.
Foi a revista «Veja», do Brasil, a mostrar-me os números desastrosos. Os estudantes brasileiros estavam no fim da tabela nas três áreas. Como não vi o nome de Portugal nos primeiros seis lugares resolvi procurar resultados. Mas, antes, verifiquei que a Finlândia ocupava dois primeiros e um segundo lugar. Extraordinário. Ao ler o «El País», espanhol, percebi que o jornal em vez de se preocupar muito com os desempenhos dos alunos pátrios, foi à Finlândia perceber porquê. Nada mais simples: 5,8% do PIB (Produto Interno Bruto) vai direitinho para a educação; 4.100 dólares por ano é o que é investido em cada aluno; o acesso à educação é uniforme e equitativo e o ensino é obrigatório até ao fim...da universidade, pois claro. O sistema assenta em duas bases educativas fundamentais: participação dos pais e famílias no sistema educativo e formação adequada dos professores. E no fim, o melhor dos países desenvolvidos: o ensino na Finlândia é gratuito até ao doutorado. É por isto tudo que na Finlândia, o tal país do gelo que ocupa o primeiro lugar do ranking na performance educativa mundial, a taxa de alfabetização é de 100%. Em Portugal, temos – para vergonha nossa – 10% de analfabetos, um milhão de pessoas. Posto isto, já perceberam: eu nem vou falar dos resultados de Portugal!
[texto da minha coluna publicada, hoje, em «A Voz de Loulé»]

Casimiro de Brito

Colocado n'O Lobo das Estepes, o texto sobre o poeta Casimiro de Brito, publicado no jornal «A Voz de Loulé» em 1 de Abril de 2004

domingo, março 13, 2005

Os boys algarvios

Depois da tomada de posse do actual governo e enquanto se discute o número residual de mulheres nos ministérios e nas secretarias de estado, preocupo-me em perceber de que distritais são oriundos os nomes. E só pelo bem da nossa saúde pública é que não mando estralejar foguetório. Razão? Simples. Parece não haver ninguém do Algarve. Bom sinal para nós, algarvios. Esperemos agora os jobs regionais para os boys algarvios.

O tabu

«O que se passou no Sábado à tarde em Loulé (escrevo-o apenas hoje porque à distância as coisas avaliam-se melhor) tem aspectos que devem merecer preocupação». Uma semana depois permanece a dúvida.

Mais dois blogues de eleição

«Os evangélicos deveriam aconselhar os novos prosélitos à prudência. Em Portugal os exemplos de Manuela Bravo, Nucha e Karen Jardel são elucidativos. Adelaide Sousa, querida, as nossas esperanças estão contigo.». Posts curtos e sumarentos na Voz do Deserto.
«Ludwig Wittgenstein afirmava ambicionar, antes de tudo o mais, viver uma vida decente. Hoje em dia, tal desiderato parecerá ridiculamente simples a alguns, absurdamente inalcançável a outros. Não é outro o drama da nossa época.». O absurdo feito real no blog sobre Kleist.

sábado, março 12, 2005

O meu 11 de Março em versão PREC

Quando oiço falar de 11 de Março só me lembro de estar debruçado, horas a fio, sobre os interiores dos automóveis, dos poucos que havia nesse longínquo ano de 1975. Eu e mais alguns companheiros mandávamos parar os carros na EN 125, junto à passagem de Lagoa (nunca percebi porque fomos para lá e não para outro sítio qualquer mais perto de casa). O centralismo democrático levou-me lá. Depois era espiolhar o carro todo, mandar o pessoal saír todo para fora, ao frio e ao vento, como nós, para ver se tinham armas da reacção escondidas. Não me lembro de termos encontrado algo: apenas umas chaves de ferramentas, latas velhas de óleo e garrafas vazias, imediatamente confiscadas, por serem potenciais cocktails molotov. Não sei quando regressei a casa. Sei que tinha 18 anos, a idade que a minha filha tem hoje.

quinta-feira, março 10, 2005

Eugénio de Andrade II

(conclusão de um post anterior)
Eugénio de Andrade fez, há dois meses, 82 anos e quando nasceu chamou-se José Fontinhas, nome que nunca o acompanhou na vida literária. Só em "Narciso", pequeno volume de poemas estimulado por António Botto, usa o seu verdadeiro nome, que abandona em "Adolescente" o seu primeiro livro de poemas, editado em 1942. Depois daí foi-nos enchendo de palavras simples e belas em poemas curtos, onde quem manda é a natureza: As Mãos e os Frutos (1948), Os Amantes sem Dinheiro (1950), As Palavras Interditas (1951), Até Amanhã (1956), Coração do Dia (1958), Mar de Setembro (1961), Ostinato Rigore (1964), Antologia Breve (1972), Véspera de Água (1973), Limiar dos Pássaros (1976), Memória de Outro Rio (1978), Rosto Precário (1979), Matéria Solar (1980), Branco no Branco (1984), Aquela Nuvem e Outras (1986), Vertentes do Olhar (1987), O Outro Nome da Terra (1988), etc. Com este último livro ganha, em 1989, o Grande Prémio de Poesia da Associação Portuguesa de Escritores. Nesse mesmo ano, recebeu o prémio Jean Malrieu para o melhor livro de poesia estrangeira publicado em França com a obra Blanc sur Blanc.
Apesar de desenvolver actividade profissional como um simples funcionário público, como gosta de referir, Eugénio de Andrade desenvolveu outras actividades complementares da poesia, tendo sido tradutor - de García Lorca por exemplo - e ainda editor. Em 1991, um grupo de amigos cria a Fundação Eugénio de Andrade, talvez a sua obra mais sistemática.
Do poeta diz, Maria Alzira Seixo, que a sua poesia é "muito sensual e literária, plástica e musical", atributos visíveis em qualquer um dos seus poemas. Como neste:

Os navios existem, e existe o teu rosto
encostado ao rosto dos navios.
Sem nenhum destino flutuam nas cidades,
partem no vento, regressam nos rios.
As palavras que te envio são interditas
até, meu amor, pelo halo das searas;
se alguma regressasse, nem já reconhecia
o teu nome nas suas curvas claras.

Serafim Ferreira fala, por outro lado "na clara solaridade vocabular que em todos os seus poemas se patenteia com exuberância". Pois é. Os poemas de Eugénio adivinham o sol por detrás das nuvens de hoje, enchem-nos os olhos e a alma de luz, uma luz tão certeira e fixa como o seu desejo sobre o mundo.
Também eu tenho o meu eleito. O poema que me serviu de alimento intelectual, relacional e de transgressão total. Do livro "O Peso da Sombra":

Inventarei o dia onde contigo
e o outono corra pelas ruas.
A luz que pisamos é tão perfeita
que não pode morrer, como não morre
o brilho do olhar que te viu despir.

Helder F. Raimundo

[a publicar em «A Voz de Loulé», de 15 de Março]


quarta-feira, março 09, 2005

O Google

hoje, vestiu-se de mulher!

Eugénio de Andrade: uma solaridade perfeita

A «Fólio Edições», acabou de editar uma obra de homenagem ao poeta Eugénio de Andrade. E o livro tem exactamente este título «A Jeito de Homenagem a Eugénio de Andrade». Um livro sobre este autor é sempre um contentamento contente, ao contrário do que dizia o outro poeta, Camões. Quando não é um livro sobre Eugénio é um livro de Eugénio. E isso só valoriza a nossa cultura e quem o lê. Já o dissemos aqui. Eugénio de Andrade é um dos nossos poetas vivos mais importantes. É de todos o que mais gosto, apesar da frase ser tão óbvia quanto blasfema, quando temos Ramos Rosa, Casimiro de Brito, Herberto Hélder. Mas ninguém como Eugénio trata o âmago da palavra simples, dá à rosa a sua verdadeira tonalidade, revela a ternura malévola do gato, com toda a delicatessen, de aristocrata da palavra. É talvez por isso que Mário Cláudio escreve – a páginas 23 do livro – num bilhete: “Não lhe trago rosas Eugénio, só palavras.». Palavras e rosas, rosas e palavras, um mundo feio tornado belo por Eugénio. Mas o livro está cheio de palavras de outros poetas e escritores, do Brasil, de Portugal, do Uruguai, da Argentina, de Espanha. São quase 500 páginas de luz do sul, penumbra das neves transmontanas e rosas de inverno, envoltas numa capa dura que revela o poema inédito e matricial “Improviso” [pode lê-lo no post abaixo]:

Improviso sobre rosas

Hoje, dia 8 de Março, para contrariar, não te ofereço rosas. Em troca, ofereço-te um poema sobre rosas:

Uma rosa depois da neve.
Não sei que fazer
de uma rosa no inverno.
Se não for para arder
ser rosa no inverno de que serve?

[Eugénio de Andrade, Improviso]

domingo, março 06, 2005

Leia esta luta permanente de comentários

JM: continua a dar explicações deterministas sobre a questão dos aliados naturais. Em nada, na vida social, se tem uma situação de partida inata. E também na relação e no direito internacional. Os aliados constroem-se, numa política de alianças de acordo com o tempo e o espaço. Sempre foi assim na nossa história. E os EUA têm sido "aliados naturais", como diz, apenas porque a história dos últimos anos assim o consagrou. O Estado Novo, em 48 anos e as políticas de submissão ao "mais forte" no pós 25 de Abril. É isso que o faz temer, agora, a posição de Freitas? Saber que, por exemplo, a cimeira das Lages nunca se realizaria?

O regresso de "As ruínas circulares"

João Pedro da Costa regressa, em força, ao seu blogue e com uma oferta musical verdadeiramente extraordinária.

A dúvida

Lá recebi mais um cupão de assinatura do «Jornal de Monchique». Mas quem assina um quinzenário que titula na primeira página da última edição “A heráldica eclesiástica: uma ciência de arte e fé - depois de Sintra, Monchique”?

sábado, março 05, 2005

Boas notícias

para a Ciência e o Ensino Superior.

O Dia do Pai

Hoje, nos CTT de Loulé, o funcionário tentava convencer uma cliente a comprar postais do dia do pai. Aquele balcão mais parece uma papelaria com livros, do que um serviço público. E os empregados devem ser obrigados a vender os produtos que ninguém lá vai comprar?!

Assim não vamos lá

O Benfica muda-se para Sintra. Uma foice em Seara alheia. Na «Sábado» de hoje.

sexta-feira, março 04, 2005

Os jovens

«Daqui a uns anos, estes jovens de hoje que memórias terão para contar do tempo que agora vivem, célere, voraz? Nostálgicos, falarão eles de quê? Do primeiro rato sem fios do web-café do Mercado? Da primeira pen com duzentos e sessenta e seis megas que compraram em Chaves?». O bom regresso de um contador de histórias.

Os pedagogos e as caricas

«Confesso que sou um ingénuo. Eu julgava que os critérios de progressão na carreira dos professores universitários só poderiam apontar para uma avaliação predominantemente qualitativa do trabalho realizado, tanto na docência, como na investigação. Um professor, por exemplo, que, durante alguns anos, se limitasse, pedagogicamente, à veloz e expedita encenação do vómito sebenteiro e que, em matéria de investigação e de formulação de um pensamento científico crítico, não fosse capaz de ir além da patética ruminação dos condensados dos "mestres" - seria liminarmente erradicado da universidade. Isso julgava eu, mas parece que não é esse o entendimento dos ilustríssimos catedráticos do IEP da UM». Ademar Santos em discussão no Abnóxio.

O fio do horizonte

Eduardo Prado Coelho é um escritor infatigável. Publica todos os dias, às vezes mais do que uma vez. Edita seis ou sete livros por ano. Escreve muito antecipadamente as suas crónicas, para o que der e vier. Talvez por isso, no «Público» do dia 1 de Março, venha dizer que Cavaco será o candidato presidencial vencedor. Não queria dizer isto mas, disse-o ao misturar os papéis que já tem escritos, como um fio no horizonte.

A campanha continua

Abro a televisão, pela manhã, e surpresa, verifico que a campanha continua. Mas desta vez o PSD está sózinho, contra si próprio.

O regresso do eurosport

A única novidade do Benfica-Beira Mar foi o regresso de Rui Tovar: a voz rouca vinda do centro da Europa. Pequenos monólogos, numa péssima dicção, que deram ainda mais nas vistas ao contrastar com Alexandre Albuquerque, uma das únicas vozes decentes do comentário desportivo.

quarta-feira, março 02, 2005

As árvores morrem de pé? II

Mas esta é uma moda que se pega, um contágio que se dissemina. Em Silves, junto das muralhas velhas do castelo, também as espécies invasoras, como os ailantos foram arrancadas e, com elas, todas as outras, espécies de valor botânico e cultural como a pimenteira. Em Loulé, talvez tenha sido o edifício que vai albergar o novo Arquivo Histórico que se sobrepôs à presença das árvores. Talvez. Talvez se pense que o nosso olhar bebe melhor a limpidez vazia da paisagem, a casa no deserto sombrio. Mas não. A cal da parede esmorece ao sol; ninguém se abrigará da chuva na rua frente às casas; os ruídos dos carros nunca serão quebrados pelo chilreio dos pardais; ninguém verá mais, gatos e cães dormitando na rua. A Rua Sacadura Cabral ficará limpa, mas vazia de paisagem. Como um pulmão jovem, mas doente, porque lhe falta o oxigénio da vida. A vida nas cidades modernas – como diz o arquitecto Ribeiro Teles – não tem futuro se continuar a respirar o ar do alcatrão, do betão e da pedra. As cidades viverão se souberem manter os pequenos pulmões dos jardins, dos pequenos bosques e pomares, das árvores plantadas no seu seio. Como eram as árvores da Rua Sacadura Cabral, em Loulé.
[publicado, ontem, na minha coluna em «A Voz de Loulé». Conclusão do post de ontem]

As árvores morrem de pé?

AS ÁRVORES DA SACADURA CABRAL

Ainda há uns meses lá estavam, as árvores da Rua Sacadura Cabral. Eram como duas linhas de verde, acompanhando quem subia a rua, deixando passar as nesgas de sol sobre a calçada. Nunca soube que árvores eram. Talvez agora que elas já não estão lá, me interesse o seu nome, saber os anos que tinham, a dimensão da sua copa, a altura do seu tronco. Sei que uma delas tem pelo menos um metro de diâmetro na raíz. Sim, porque a raíz, por onde cresceu e que alimentava de seiva os ramos e as folhas, ainda permanece, depois de decepada, como a base de uma estátua a quem cortaram a cabeça e depois o tronco. Penso em quem teria plantado estas árvores. Quem teriam sido os homens ou mulheres que num dia qualquer de Março, talvez debaixo de chuva, se debruçaram na terra e colocaram - com o afecto paternal destes momentos - uma semente ou uma pequena planta, no seio da terra-mãe? Quem se teria preocupado em cuidar destas dezasseis árvores, alinhadas lado a lado e frente a frente, como um exército que protege os moradores, do vento, do sol e serve de poiso às aves que cantavam todas as tardes quando o sol se punha sobre as areias de Quarteira? Nunca saberemos! Tal como nunca saberemos porque desapareceram elas, cortadas uma a uma junto ao solo, perto do chão que há muito tinham abandonado, pois eram altivas, sobranceiras, olhando do alto, a calçada do chão, os transeuntes que passavam, as crianças que corriam no passeio ou os gatos que petiscavam cabeças de sardinha à sua sombra. Talvez os nossos olhos não pudessem ver os edifícios da rua, as casas térreas ou as nobres moradas, porque batiam sempre no verde das folhas? Hoje, ao colocarmos o nosso olhar, a perspectiva não tem obstáculos, vimos tudo no perímetro da rua, porque as árvores já lá não estão, mostrando-se mais vaidosas que as casas. Como se nos falassem que não são apenas bonsais de decoração em jardins de hipermercados, oliveiras colocadas em jarras, podadinhas e arranjadinhas como as plantas na mesa de uma sala de jantar qualquer. As árvores da Rua Sacadura Cabral eram livres, cresciam direitas ao céu, e diziam que a sua função era outra: proteger de sombra a calma do sol sobre os ombros de quem as plantou, dar abrigo e comida às aves que em troca cantavam para elas, todas as tardes, encher os pulmões de quem dorme nas casas ao seu redor. Por isso se colocaram ali e dali não despegaram, anos e anos, à chuva e ao sol, como elas só, sabem resistir. Apenas a mão do homem, o mesmo que lhes deu vida, pôde dar-lhes este fim tão imerecido.
[publicado, hoje, na minha coluna em «A Voz de Loulé». Segunda parte, amanhã]

terça-feira, março 01, 2005

Um cruzado da fé

João César das Neves está em todas. Depois da última performance n’«O Independente», ei-lo como convidado para o debate desta noite sobre os mistérios de Jesus. No debate de ainda há pouco, depois de se terem ouvido os dois padres presentes – Carreira das Neves e Anselmo Borges – e exactamente enquanto falava Helena Barbas (HB), com tese de doutoramento sobre a figura de Maria Madalena, César das Neves salta no meio do discurso de HB para dizer que não havia nada que provasse que Jesus tinha sido casado. Depois de misturar no mesmo saco pedofilia e homossexualidade, César das Neves atira-se agora para cima do casamento: pelo menos o de Jesus com Maria Madalena. Um verdadeiro cruzado da fé.

O professor

O homem fez-me adormecer mais cedo. Tive pena. Pena de não ter podido olhar, mais tempo, Ana Sousa Dias. Que desperdício!