segunda-feira, novembro 29, 2004

A incubadora

A expressão “incubadora”, para caracterizar a prematuridade deste governo, é de um mau gosto a toda a prova, sobretudo expressa pela voz de um p-m. como se estivesse a falar para os seus apaniguados, num qualquer comício eleitoralista. Mostra que Santana para além de não perceber nada de zoologia – como afirmou no Parlamento a F.Louçã – também nada sabe de medicina. Aliás, sobre isto Pacheco Pereira já discorreu de forma sarcástica. Mas a incubadora tem uma outra face da moeda: é que perante esta crise, e com quase toda a gente a referir a necessidade do presidente colocar na ordem do dia a eventual convocação de eleições antecipadas, quase que aposto que Sampaio não vai por aí. E porque sabe que o PS não está preparado para eleições, para governar, portanto. Como lemos, o PS, pela voz de Sócrates, foi o único partido da oposição a não referir eleições antecipadas. Porquê? Porque o PS, na outra face da moeda, também está numa incubadora.

A ciência? Para quê?

Tenho estado nos últimos dias a corrigir uma monografia de licenciatura que versa o diagnóstico das necessidades da freguesia do Ameixial, no concelho de Loulé. O interessante é verificar o desinteresse que os políticos, os que têm responsabilidades na gestão autárquica, manifestam pelos trabalhos sérios que se efectuam nas comunidades em que foram eleitos. Vem isto a propósito de uma entrevista dada pelo presidente da junta de freguesia do Ameixial ao jornal «Carteia» (de 4/11), onde afirma que uma das principais carências é a construção de um polidesportivo para a juventude. Nela afirma: «...seria bom um polidesportivo uma vez que a freguesia tem poucos jovens...». Vale a pena ler o que dizem as alunas autoras da monografia: «Numa freguesia serrana onde tudo se transforma em conversa de café ou em prosa de banco de jardim, quando em contacto com a população o tema recai sobre as associações existentes no Ameixial, as notas vão pouco além do nome de cada uma delas e das acções que desenvolvem. Com o intuito de se focar em linhas certeiras tais referências e aprofundar outras relativamente à origem das estruturas associativas e seus objectivos concretos, foram contactados os respectivos dirigentes assim como alguns sócios. De salientar que as palavras usadas pelos mesmos saem em jeito de rancor e inconformidade com a realidade ameixialense, o que contrasta com a ideia, já generalizada, de que pouco se vai fazer para além do que foi feito ao longo dos últimos vinte anos».

A ler

A propósito da chamada greve aos TPC (Trabalhos Para Casa) vale a pena ler o que escreve Alberto Gonçalves, na sua crónica na revista «Sábado» de 26/11: «Esta espécie de tese alimenta-se de um pressuposto já velho e ainda não extinto: o de que a escola não serve para “impor” regras e conhecimentos aos meninos e às meninas, mas para ajudá-los a exprimirem-se ou, em jargão de reality show, a serem eles próprios.».
[este é um tema para post em próxima oportunidade]

"Temos que nos organizar"

Nos últimos dias tenho visto, quase ad nauseum – para além das histórias do congresso do PCP –, imagens de Jorge Sampaio a gritar nas alocuções que fez na sua visita de dois dias ao Algarve e onde se referiu ao ambiente e aos incêndios florestais, entre outros temas: «Temos que nos organizar, temos que nos organizar...»
Então, Jorge Sampaio já não é o presidente da república?

sábado, novembro 27, 2004

A crítica do criticismo literário

Nos comentários do BdE tenho trocado algumas notas com Fernando Venâncio, a propósito de um post de Luís Rainha sobre os eventuais excessos de criticismo literário de João Pedro George. Este é acusado de criticar iludivelmente através de excertos de frases desadequadas e fora de contexto. Recordo que a crítica às frases de mau gosto e às horríveis metáforas, foi também como começou a crítica aos livros do Lobo Antunes, que hoje anda por aí a ganhar prémios. Facto que apenas constato, pois dele não consigo ler absolutamente nada. Agora sobre João Pedro George: foi delicioso o desmascaramento que fez da chamada coutada literária do «Expresso», certeira e desassombrada crítica num dos últimos números da revista «Periférica». Na última, por agora saída, é Agualusa, que é posto a nú, na sua descarada auto-plagiação, somando páginas e engordando romances. Se eu já pouco gostava dele [disse-o aqui em anteriores posts e em «A Voz de Loulé»], das entrevistas pomposas que deu sobre a universalidade da sua identidade, das viagenzinhas promocionais e de ter especialmente chamado, sobranceiramente, velho a Saramago, aproveitando o ar pós-colonial de estar no Brasil, agora então cai o seu diáfano véu de falso escritor. Por isso, bem vindo JPGeorge!

Psicopatologia dos electrodomésticos

O último número da «Periférica» está cheio de bons textos sobre a outra américa, a latina, pois claro. Do venezuelano Britto García, leio com agrado e deixo aqui um pequeno conto para ler na cozinha:
«3. A placa eléctrica inspira sempre a desconfiança de que aquilo não pode aquecer porque não se vê chama. Às vezes mostra uns números vermelhos como os das bombas- relógio, às vezes um círculo rosado que mais parece um efeito especial do que um fogão, e que o mais que pode aspirar é electrocutar o cozido.»
[Luís Britto García in “Psicopatologia dos electrodomésticos”, revista «Periférica» nº 11. Apenas um dos seus contos pode ser lido, online, no site da revista].

sexta-feira, novembro 26, 2004

Media e (e)media

O primeiro caderno do jornal vai contar ainda com a opinião de Daniel Oliveira, um dos autores do Blogue de Esquerda. A autora do blogue Bomba Inteligente, Carla Quevedo, também terá uma coluna de opinião na revista Única, publicada como suplemento do «Expresso».” [ler artigo completo aqui]
Antes a escrita fez-se nos jornais para seguir para os blogues. Hoje o seu caminho é ao contrário. Os autores de blogues caminham a passos largos para os jornais. É a revolução da blogosfera: o imediatizado a tomar o lugar do mediatizado. O pior é que os jornais percebem isto e pagam o regresso ao tempo que já passou.

O gato azul e o gato cor de laranja

Era uma vez dois gatos. Um era azul e o outro era cor de laranja. Naquele dia encontraram-se e ficaram muito espantados, por se descobrirem de cores diferentes. Pensavam que todos os gatos eram pretos, ou brancos, ou cinzentos, ou castanhos, mas nunca da cor de cada um deles. Ou mesmo de cor diferente.
Quando se encontraram ficaram amigos, por serem diferentes de todos os outros gatos. E assim combinaram ir para sítios onde pudessem mostrar a todos a sua cor. O gato azul subiu para cima de um telhado muito alto, tão alto que a sua cor se projectava contra o azul do céu, lá ao longe. O gato cor de laranja foi deitar-se sobre uma frondosa laranjeira, carregada de laranjas.
As pessoas que passavam nas ruas e olhavam para o céu azul bem no alto não viam gato nenhum. Às vezes confundiam o gato azul com uma estrela gorda, velha e sem brilho, ou mesmo um estranho planeta de forma muito esquisita. No pomar de laranjeiras, as mulheres que apanhavam laranjas à pressa, para vender na beira da estrada ou no mercado de sábado, costumavam agarrar a cabeça ou o rabo do gato cor de laranja, pensando que ele era uma sumarenta laranja. Os meninos da rua, com fome, ou sede, ou fome de brincadeira, agarravam o coitado do gato e levavam-no à boca, assustando-se de seguida, quando o gato miava ou os arranhava.
Foi por tudo isto, que tornava a vida dos dois amigos gatos num inferno, que eles resolveram trocar de lugar. E no outro dia o gato azul foi para cima da laranjeira e o gato cor de laranja subiu ao telhado mais alto da rua, recortada no céu. Nunca mais foram confundidos com laranjas ou estrelas. E cada um percebeu o seu lugar num mundo onde os gatos são pretos, ou brancos, ou cinzentos, ou castanhos.

[uma história inventada, ontem, para adormecer crianças e escrita hoje, para ser contada com o mesmo fim. Hoje, 25 novembro 2004, tantos anos depois do mesmo dia em que não contava histórias mas tentava descobrir e contar outras histórias numa estrada perdida nesse Algarve. Como o tempo passa...]

quinta-feira, novembro 25, 2004

O Mutts é que salvou esta entrada

Estava aqui a olhar para o ecrã, a pensar do que vos falaria. Se da entrevista do primeiro ministro-não-eleito, se do veto do presidente da república à central de comunicação, se do recuo do PSD a propósito da pergunta para o referendo à constituição europeia, se da remodelação governamental, se do urânio de Canas de Senhorim, se da entrevista de David Grossman ao «Público», e nada. Não me apetecia escrever sobre nada. Quando, de repente, desvio o olhar dou com um livro de banda desenhada sobre os livros e textos de trabalho da tese, que se encontram espalhados na secretária. Acabei de comprá-lo, esta tarde em Faro, depois de ter lido e escrito, aqui, sobre outros livros da série. Sobre ele troquei palavras e sugestões com outro admirador fervoroso. E é assim que este post se constrói. Começo pela contracapa, por onde se deve iniciar sempre o conhecimento de um livro, ver o remate antes do verbo. Ora aí está o que leio:
«Para mim, Mutts é tudo o que uma tira deve ser.» [Charles M. Schulz, criador de Charlie Brown];
«Mutts alegra-me todos os dias. Não só é doce, simples e cómico – o que já é uma combinação rara – é simplesmente a melhor tira que eu conheço (...).» [Matt Groening, criador de “Os Simpsons”].

Pois é, voltando à capa, é o «Mutts» de Patrick McDonnell, 1º volume da série, editado pela Devir, em 2003. Até já, que vou conversar com o cão Earl e o gato Mooch...

quarta-feira, novembro 24, 2004

Ainda as portagens na via do infante

Caro João, é evidente que eu sou contra o pagamento de todos os bens essenciais que deverão pertencer ao serviço público do estado. E por esse motivo também contra o pagamento de portagens. Não só, mas também, pelo facto de cada cidadão pagar, como contribuinte, o imposto de rendimento que deve servir para a prossecução do bem público. Mesmo as empresas, através do IRC (as que pagam), contribuirão para o mesmo. Mas no caso da movimentação contra as portagens na via do infante, o que tento ler são os interesses de um regionalismo autárcico (e devo dizê-lo, também autárquico), veiculado por uma perspectiva familista que se esconde por detrás de movimentações populistas, cujo objectivo não é mais do que o poder. Muitas eleições aproximam-se e a campanha começa agora. Tenho a certeza que as portagens não passarão de putativas e que em 2005 e 2006, este movimento não terá interesse nenhum em defender o mesmo. Vamos ver!

terça-feira, novembro 23, 2004

José Carlos Fernandes

José Carlos Fernandes (JCF) é de Loulé. Nasceu e vive por cá. Mas o que interessa, aqui, não é o facto de ser louletano. Não é só por ser louletano que é o que é. Isso deve-o a outro facto. Exactamente por ser um dos melhores autores de banda desenhada portugueses. E coloco a nacionalidade ali, no fim da frase, para torná-lo universal, pois se dissesse autores portugueses de banda desenhada estava a reduzi-lo a um cantinho que produz já mais BD do que a que é lida em Portugal. Estaria a reduzi-lo a uma escrita nacionalista, ou regionalista, coisa que a sua BD não é nem quer. Basta ler um livro qualquer de JCF para vislumbrar isso: uma visão do mundo, fora dos limites de Vilamoura ou da serra do Caldeirão, onde perpassam Jorge Luís Borges ou Mozart, Laurie Anderson ou Coltrane, o jazz e a filosofia, a monocultura da televisão, ou a veia sanguinolenta dos homens (e das mulheres). Mas são desenhos antitéticos, em que também perpassa a paz, uma flor na mão de um puto que procura algo, um aventureiro que por acaso é marinheiro que por acaso navega em Veneza, uma banda musical que prefere tocar as superfícies do mundo em vez de outras menos arrojadas pautas musicais.

Uma causa nossa também

Parabéns ao Causa Nossa - um dos blogues de leitura diária, aqui na lista de favoritos à esquerda do meu olhar – pelo seu primeiro aniversário.

Earl e Mooch

Earl e Mooch mais que merecem. E nós também.

Celso Furtado

Através de VM soube da morte de Celso Furtado, um economista brasileiro que me habituei a respeitar. Dele li apenas o pequeno livro «O Capitalismo Global», editado em 1999, pela Gradiva. Uma explicação simples, mas segura e sincera das teorias do subdesenvolvimento. Dele, só queria respigar:
«(...) o tripé que sustentou o sistema de poder dos estados nacionais está, evidentemente, abalado, em prejuízo das massas trabalhadoras organizadas e em proveito das empresas que controlam as inovações tecnológicas. Já não existe o equilíbrio garantido no passado pela acção reguladora do poder público. Disso resulta a baixa da participação dos assalariados no rendimento nacional de todos os países, independentemente das taxas de crescimento».
Palavras para quê?

A post-literatura

De como um post sobre a Costa do Marfim - presumivelmente sangrento, piedoso e triste - pode ser inteligente, sensato, correcto, mesmo falando do “humano sangue”. Enfim, a entrada literária de José Luís Peixoto no BdE, que muito se saúda, a acrescentar-se a outras escritas como a do Avis e da Revolta...

sábado, novembro 20, 2004

VPV: um regresso inteligente

O que se passa com Vasco Pulido Valente? Saiba aqui.

Influência ou similitude

O João Delgado escreve um excelente texto sobre as semelhanças entre os romances algarvios e as músicas do médio oriente e da bacia mediterrânica. Refere em particular o romance “O Cativo”, recolhido por Giacometti em Aljezur. Da minha experiência de investigador em Aljezur sempre achei que este romance, bem como outros romances oriundos da gesta medieval, se filiava na explicação das influências árabes em Portugal, designadamente nas regiões mais recônditas. Estudos da obra de Fernando Lopes Graça, muitos deles baseados na empiria de Michel Giacometti [que recolheu este romance], sempre me salientaram outra explicação para o facto: FLG sempre defendeu, ao contrário de "influência", o conceito de "similitude". Eu, só devo concordar com esta excelente tese, porque mais universalista.
Há tempos atrás quando ouvia o romance "Branca Rosa" [recolhido por nós em Aljezur, vinte anos depois de Giacometti ter lá estado], apercebi-me da semelhança das frases melódicas iniciais com um tema da Orquestra Andalusi de Tânger. Era mesmo igual. O que poderia ter acontecido? Nem a informante Adélia Rosado teria conhecimento do tema marroquino nem a Orquestra conheceria a versão cantada de Aljezur! Pensando no assunto, e lendo vários investigadores de etnomusicologia, concordei com a ideia de Graça, sobre "a similitude", provinda de um caldeirão de culturas mediterrânicas que enformaram também a música, na época, e pelo vistos continuam a ter esse efeito.

p.s.: devo agradecer o link que João Delgado colocou para este blogue.

Mutts e Krazy Kat

A propósito de um post de João Pedro Fonseca sobre o tema, recordo que há cerca de um mês li o Mutts II "Cães e Gatos", editado pela Baleia Azul e fiquei deveras surpreendido. Apesar de preferir a BD mais tradicional, baseada na prancha e na narrativa média, as histórias zen (como refere JPCotrim) de McDonnell são de uma inteligência profunda, pela ideia, pela antítese e sobretudo pelo remate humorístico e poético. A elegância gráfica não só vive de um excelente desenho mas também de uma recusa do supérfluo na vinheta; e isso torna a obra incontornável.
p.s.: já agora referir uma obra prima de um autor esquecido e fabuloso: "Krazy Kat" de George Herriman, que pode ser encontrada aqui.

sexta-feira, novembro 19, 2004

A iliteracia dos deputados do PSD e do PS

"Concorda com a Carta de Direitos Fundamentais, a regra das votações por maioria qualificada e o novo quadro institucional da União Europeia, nos termos constantes da Constituição para a Europa?"
É esta a pergunta acordada entre PSD e PS para constar da votação no referendo português sobre a Constituição Europeia. Uma prova da iliteracia e da autarcia dos deputados da maioria com a conivência do PS.

A Cultura Cigana na Escola

(publicado, hoje, no jornal «barlavento»-link indisponível)

A Sic deu e propalou a notícia: na Escola do Ensino Básico da Coca Maravilhas em Portimão, pais de origem cigana entram na escola para bater em duas professoras, após uma repreensão a um dos seus filhos, por motivos de um despique entre alunos. Para dar a dimensão multicultural da escola, a jornalista diz que a mesma tem alunos de 21 etnias, que depois corrige para nacionalidades. Na verdade, sendo verdade a segunda asserção e não a primeira, isso não traz problema nenhum. Ouvida a presidente do conselho executivo, esta diz: “os ciganos têm uma forma própria de funcionar, têm mais solidariedade e pensam que podem fazer justiça pelas suas próprias mãos”. Ora bem, sabemos que a entrada, na escola, de etnias diferentes traz com ela a entrada das suas diferentes culturas, com as quais é preciso lidar de forma intercultural, isto é, negociando as normas inerentes a cada cultura num processo participado por todos. A entrada de alunos de etnias diferentes na escola, designadamente da etnia cigana não deixa à porta da escola os seus traços culturais. Habituados à segregação e cultivando uma cultura baseada na desconfiança do “gadjo” [no não-cigano] e afastados da escola, enquanto marca educativo-cultural dos povos sedentarizados, os alunos ciganos ainda não integraram, no seu mecanismo cognitivo e cultural, os climas fechados, disciplinados e normativos dos espaços educativos. Isso deve entender-se, porque a única maneira de lidar com as diferenças étnicas é perceber as diferenças culturais de cada um. Acresce que esta escola se situa numa complexa área de realojamento habitacional, de uma enorme complexidade, que mostra a guetização dos moradores vindos de áreas degradadas, abandonadas ou destruídas pela industrialização. Afastados dos centros de decisão e por cause, dos centros do poder, a tendência não é só fazer justiça pelas suas próprias mãos, quer seja a justiça cigana ou a justiça lusa; nestes locais fomenta-se a xenofobia e o racismo, muitas vezes estimulado pelos media no seu papel de busca e promoção do reality show, da degradação humana.
Moral da história: quase sempre a xenofobia não está nas nossas declarações de intenção, quase sempre pretendemos afastá-la da nossa prática, mas ela espreita sempre que entra em risco a estabilidade dos “nossos valores” culturais.

quinta-feira, novembro 18, 2004

Revistas pt e br ou br e pt

Literariamente incorrecta, a coluna de Alexandre Soares Silva na «Semana 3». E já agora leia também esta crónica.
Enquanto a «Periférica» não chega a casa, o que fazer senão passear por aqui, de olhos ansiosos.

quarta-feira, novembro 17, 2004

As portagens e a região de excepção [actualizado]

No passado dia 12 decorreu uma manifestação contra as portagens na Via do Infante, no Algarve. Muita gente percorreu a EN 125 para mostrar ao governo que esta estrada não é uma alternativa. Os argumentos são muitos e juntam toda a gente: empresários, sindicatos, hoteleiros, comerciantes, políticos de todas as áreas. Uma espécie de consenso de uma pseudo-região independente, diferente das outras em que se pagam portagens para circular. Portanto uma região em excepção. A nota de descontentamento foi dada pelos empresários de turismo que acharam que assim os turistas não poderiam deslocar-se ao Algarve, coitados, devido ao preço das portagens. Também o comércio, os industriais de construção e todos os outros que vivem à sombra da monocultura do turismo fizeram coro. E assim a corda engrossou. E formou-se uma espécie de governo regional contra as portagens, liderado pela Junta Metropolitana do Algarve e pela Região de Turismo do Algarve. Por razões óbvias, ambos os órgãos, dirigidos por militantes e dirigentes do PSD. Evidente, também o dia escolhido, o mesmo em que o partido maioritário do governo iniciava o congresso de Barcelos. Portanto, uma espécie de pró-governo regional que reivindica poderes e lugares, contra o governo central, numa altura em que as portagens não existem e muito antes de os protestos terem cabimento, ou seja em 2005 ou 2006. Mas tem sentido ganhar apoios agora, para jogar depois. Estranho o regionalismo bacoco de outros, que mostraram a cara na moldura das declarações televisivas: Vitor Neto, antigo militante do PC, ex-secretário do turismo de Guterres e agora dirigente empresarial do NERA; a CGTP e UGT; e ainda o Bloco de Esquerda. Região, a quanto obrigas. O povo, esse não protesta. E não o faz porque não circula de carro; viaja em autocarros e comboios entre os locais de residência e de trabalho e ao fim de semana passeia, a pé, ao pé de casa. Para que se perceba o problema, as portagens na via do infante não devem ser só encaradas na perspectiva regionalista ou familista dos interesses do poder no Algarve. O argumento do turismo é para além disso submisso e oportunista. Eu direi mesmo: se pago portagens em todas as minhas deslocações, fora do Algarve, porque não pagarão aqueles que ao Algarve se deslocam? Outra questão é ainda esta: discute-se o problema da liberdade dos acessos viários e nunca o problema da redução do tráfego. Essa é a verdadeira visão do futuro. A propósito, alguém sabe que há um projecto, na gaveta, para uma ciclovia de VRSA a Sagres?

terça-feira, novembro 16, 2004

Diário III

Um verdadeiro serviço público:
As primeiras páginas do «Diário de Notícias» e do «Jornal de Notícias» não falam da demissão da direcção de informação da RTP! Percebe-se porquê!
Um palácio de balcões sobre Silves:
Via barnabé, encontrei um novo blogue sobre as terras do sul. A seguir.

Diário II

Barcelos, ali ao lado do Porto: Desde sexta-feira que Pacheco Pereira só fala das pedras graníticas do Porto. Até parece que Barcelos fica muito longe.
Demitiu-se a direcção de informação da RTP: o argumento deve ser o pouco trabalho da Alta Autoridade para a Comunicação Social.

Diário

Jacinta e Francisco, primos de Lúcia, guardaram cabras e ovelhas na Cova da Iria. Morreram cedo, pobres, incultos, desencantados. Depois de mortos, são beatos e santos, da igreja e do povo. Pastorear rebanhos é o caminho certo!
Assim vai Faro, capital da cultura: «Faro, Capital Nacional da Cultura 2005 vai custar ao estado nove milhões e meio de euros, mas ainda não tem instalações próprias, programação ou equipa de programadores reunida (...)» [“Actual”-«Expresso», 13 Novembro 2004].
A propósito de um meu post anterior chamo a atenção para esta leitura de Vale de Almeida!

segunda-feira, novembro 15, 2004

A homenagem de Joaquim Magalhães

Escreve-me, de novo, o Dr. José de Sousa Uva, desta vez para me falar do Dr. Joaquim Magalhães, o professor Magalhães como todos o conhecíamos. Propõe uma homenagem ao pedagogo e homem de cultura que, vindo do Porto, lançou no Algarve as raízes de uma intensa actividade cultural que ainda hoje perdura. Mais conhecido por ter sido “o secretário do poeta Aleixo”, Joaquim Magalhães fundou o Círculo Cultural do Algarve, associação de prestígio da cidade de Faro. Com Pinheiro e Rosa, Lyster Franco e José Neves Júnior, constituiu uma plêiade de homens cultos das ciências e das letras que marcaram muitos de nós. Por agora, entre tantos momentos de convívio, lembro o dia em que em sua casa, nos anos 80, discutíamos a poesia de António Ramos Rosa. Magalhães, habituado a uma métrica precisa e aos cânones clássicos da arte de rimar, dizia-me, citando de cor algumas passagens da obra de Ramos Rosa, mais ou menos isto: «Como é que eu posso gostar disto: o dedo, o dedo na porta de madeira, a madeira do outro lado, sem o dedo dentro de si, o dedo, o dedo na porta (...)». Logo de seguida, com a sua proverbial sabedoria, acrescentava: «Bom, mas este poeta é dos nossos maiores e vai ser famoso!». Que saudades destas polémicas e destas sapiências. Só me resta concordar com a proposta.

Vamos todos à bola

Ontem, de manhã, junto à praça de Loulé, propaganda sonora a acordar os fregueses da paróquia. Não, não era a campanha política para as presidenciais! Era simplesmente uma carrinha do "Louletano" a avisar do jogo de futebol no estádio Algarve. Como se sabe o estádio está literalmente às moscas e qualquer dia nem com bilhetes oferecidos o povoléu troca o mar de Vilamoura pela caravela em seco.

domingo, novembro 14, 2004

A melhor forma e o melhor estilo

O blogue de José António Barreiros, que deixou as crónicas do DN de forma abrupta, mas por razões solidárias, oferece-nos um conjunto de textos, ponderados, reflectidos, mas sobretudo poéticos, de alguém que pensa [não se estranhe o espanto, hoje em dia pouco se pensa] e que nos obrigam a ir visitar com prazer. Talvez diariamente, acompanhando o diário regular da edição dos seus posts. Mas JAB não tem ainda certezas. Escreve-me, por mail: «Bom dia. Obrigado pelas suas palavras e pela leitura. Cada vez que escrevo hesito se será esta forma ou este o estilo. Cumprimentos. Jab». Não tenhamos dúvidas, começa a ser do melhor que se escreve na blogosfera.

sábado, novembro 13, 2004

Lembrando Maria Rosa Colaço

nota: dado que foi impossível colocar este texto completo no Sapo, para ser lido por quem se interessasse a partir do post que editei neste blog, deixo aqui a sua versão integral, penitenciando-me pela paciência extrema dos leitores, com a vaga desculpa de que é fim de semana.
A notícia apanhou-me de surpresa. Foi através de um mail de um leitor que fiquei a saber da morte da Maria Rosa Colaço (MRC), uma pedagoga, professora e escritora que marcou gerações de alunos e leitores. A escritora faleceu no passado dia 13 de Outubro e dela, apenas, uma simples nota de rodapé nas televisões. A imprensa, publica pequenas referências e notas biográficas da autora. Uma ignorância e uma tristeza que chocou muitos dos seus antigos alunos. É o caso deste nosso amigo leitor [António Matos Rodrigues] que, triste com a morte da sua antiga professora primária e mais triste ainda pelo cerco de silêncio que se fez à volta dela, decidiu criar um blogue em sua homenagem, com o seu nome, abrindo-o a quem queira testemunhar as suas vivências.
Maria Rosa Colaço publicou vários livros, recebeu alguns prémios, escreveu crónicas jornalísticas e guiões de teatro. Mas o seu trabalho mais conhecido é o livro «A Criança e a Vida», que teve direito a mais de 40 edições, escrito a partir de notas guardadas de redacções dos seus alunos de Cacilhas, nos finais dos anos 50. Desse livro disse Urbano Tavares Rodrigues, ser “um milagre de pedagogia poética”.
Já conhecia o livro havia tempo. O trabalho de Maria Rosa Colaço, professora do ensino primário, era uma lufada de ar fresco no ensino tonto e saloio dos anos 60 e nas escolas tristes e salazarentas da época. Os textos que recolheu, poesias e histórias ferventes e imagéticas, de meninos das ruas e dos bairros de lata da margem sul de Lisboa, eram flores anunciando o Abril futuro. Poderiam ter sido escritos por qualquer um de nós que, entre 1960 e 1969, se sentaram irrequietos nos bancos velhos das escolas, aprendendo as letras com que, hoje, nos ajudam a pensar sobre elas próprias.
Lembro de ter lido o poema da contra-capa do livro e ter pensado no quotidiano do Vitor Barroca Moreira, que o escreveu aos nove anos: “O amor é um pássaro verde, num campo azul, no alto da madrugada”. Lembro ainda de ter visto a minha infância neste poema, de liberdade, de aventura, de protesto. Mas havia outros, muitos mais, cheios de flores, amizades e zangas, como o do Inácio da Silva Cruz, de 10 anos: “O amor é como duas borboletas que estivessem sobre uma rosa, a mais linda de todas do jardim. O amor tem que haver. Se não houvesse amor não havia nada bonito. O amor são duas estrelas a brilhar, a brilhar. A rosa e o sol são o amor. O amor é a poesia. O amor são dois passarinhos a construir a sua casinha. O amor é não haver polícias”.
De Maria Rosa Colaço, disse Casimiro de Brito, poeta louletano: “Educadora, escritora vigilante e aberta: aberta à soterrada voz do seu povo, aos longos silêncios que rodeiam a corrupção, à deslumbrada visitação do sol pelas crianças, à quotidiana construção do amor”. Estas são palavras de poeta, de gente que nega a morte, não negando o poema ou as palavras com que se fazem os Homens.
É como a viagem à lua do Manuel Miranda, de 8 anos: “Despedia-me do meu pai e da minha mãe. Preparava as malas e ia para a lua. Quando lá chegasse falava com Deus e os anjos. Ficava lá com os meus companheiros e nunca mais voltava porque encontrava os anjos a cantar e as estrelas ali mesmo ao pé. Porque lá não havia guerra e lá estava muito sossegadinho e não havia misérias, nem morria ninguém”. Assim, o Manuel viajou à lua, antes de outros, como o principezinho da história.
Maria Rosa Colaço diz-nos que estas crianças “não eram génios, nem poetas, nem meninos prodígios. Eram filhos de pescadores, de varinas, de ladrões de coisas...essenciais ao dia-a-dia. Moravam em casas com buracos e dormiam nos barcos, no vão das portas, nos degraus da doca, em qualquer sítio” [ver caixa “Poesia de «A Criança e a Vida»”]
Esta missão de quase evangelizar a criança, a partir da descoberta e da criação poética, permitiu à escritora algarvia Lídia Jorge referir-se-lhe como se estivesse a “tentar atingir a alma do mundo”.
Comprei o livro em Coimbra, em Novembro de 1992 – depois de o ter lido nos finais de 70 -, para voltar a sentir o eco fundo dos seus apelos de criança. E agora, ao pegar nele e olhar as datas dos poemas, posso dizer mais uma coisa: a sua autora, Maria Rosa Colaço, enquanto ensinava a olhar a vida na velha escola de Cacilhas, ainda escrevia para «A Voz de Loulé». São conhecidos os seus 20 anos de crónicas para o jornal «A Capital», mas «A Voz de Loulé» deve ter sido o primeiro jornal em que publicou. Na altura tinha 21 anos, quando surge em 1 de Janeiro de 1957 no nº 6 do “Prisma de Cristal”, página literária de «A Voz de Loulé», coordenada por Casimiro de Brito. Nesse número publica um texto intitulado “Remoendo”, no qual questiona o papel da religião no mundo. A sua presença torna-se regular, publicando em 13 dos 26 números do “Prisma”, publicando textos de reflexão filosófica sobre política, educação e poesia, fazendo análise e crítica literária a vários poetas, realizando entrevistas, etc. No nº 16, de 7 de Julho de 1957, publica um poema, “Inconformidade”, um dos poucos conhecidos de sua autoria [ver caixa “Maria Rosa Colaço no “Prisma de Cristal”].
Maria Rosa Colaço foi uma das colaboradoras mais activas desta página literária e uma das mais estimulantes presenças do chamado Movimento Prisma (ver o meu artigo “O Movimento Prisma em Loule” em [a cultura], «A Voz de Loulé», do passado 15 de Outubro, páginas 15-16).
Na dedicatória que redigiu num dos exemplares de «A Criança e a Vida», disse: “Com pombas e sonho, escrevi (orientei) esta antologia para que, ao menos pela voz clara da infância, os adultos se apercebessem dos abismos e da noite que contorna o mundo. Porque, como F. Pessoa, também digo: "O melhor de tudo, são as crianças"”.
É também ela que diz no prefácio do mesmo livro: “Companheira do sol e das raízes, cheguei à grande cidade”. Agora que partiu para outra grande cidade, nós acompanhamo-la! Na divulgação do seu nome e da pedagogia comprometida e libertária que desenvolveu.

Notas:
1. O “Prisma de Cristal” está inserto no jornal «A Voz de Loulé», entre os números 94, de 16 de Outubro de 1956 e 175, de 15 de Fevereiro de 1959 e pode ser consultado no Arquivo Histórico Municipal de Loulé.
2. Na Biblioteca Municipal de Loulé estão disponíveis várias das obras de Maria Rosa Colaço.
[texto publicado em «A Voz de Loulé» de 1 de Novembro]

sexta-feira, novembro 12, 2004

Manifestação contra as portagens na via do infante

Por esta altura está a decorrer a manifestação contra as portagens na Via do Infante. Muita gente vai percorer a EN 125 para mostar ao governo que esta não é uma alternativa. Os argumentos são muitos e juntam toda a gente: empresários, sindicatos, hoteleiros, comerciantes, políticos de todas as áreas. Uma espécie de consenso de uma pseudo-região independente, diferente das outras em que se pagam portagens para circular. Portanto uma região em excepção. A nota de descontentamento foi dada pelos empresários de turismo que acharam que assim os turistas não poderiam deslocar-se ao Algarve, coitados, devido ao preço das portagens. Também o comércio, os industriais de construção e todos os outros que vivem à sombra da monocultura do turismo fizeram coro. E assim a corda engrossou. O povo esse não protesta. E não o faz porque não circula de carro; viaja em autocarros e comboios entre os locais de residência e de trabalho e ao fim de semana passeia, a pé, ao pé de casa. Para que se perceba o problema, as portagens na via do infante não devem ser só encaradas na perspectiva regionalista ou familista dos interesses do poder no Algarve. O argumento do turismo é para além disso submisso e oportunista. Eu direi mesmo: se pago portagens em todas as minhas deslocações, fora do Algarve, porque não pagarão aqueles que ao Algarve se deslocam?
Outra questão é ainda esta: discute-se o problema da liberdade dos acessos viários e nunca o problema da redução do tráfego. Essa é a verdadeira visão do futuro. A propósito, alguém sabe que há um projecto para uma ciclovia de VRSA a Sagres?...

O secretário do turismo em banda desenhada

Ao ler o texto de Pacheco Pereira sobre as governações descentralizadas do governo, veio-me à lembrança o texto que o caderno de economia do «Expresso», do passado sábado, publica sobre a instalação do secretário de estado do turismo na cidade de Faro. O artigo mostra, em estilo banda desenhada, um conjunto de fotos do seu dia a dia: o homem dorme em casa e toma o pequeno almoço com os filhos, bebe um cafezinho no gabinete, despacha com as secretárias e o seu chefe de gabinete que vem de Lisboa, recebe umas celebridades no gabinete, participa numas inaugurações, dá uns apoios financeiros aos empresários do turismo, almoça e janta com autarcas do seu partido. Apenas repete uma coisa: o telefonema ao seu ministro. Não percebemos o que a sua presença no Algarve melhora a governação. Ah, já sei, ficou mais perto dos empresários. Dos trabalhadores do turismo, nada. Portanto, melhor seria estar no Terreiro do Paço.

quarta-feira, novembro 10, 2004

Terroristas e milionários. Quem são?

Habituei-me, em jovem, a ouvir os arrazoados dos governos de Salazar e Marcelo chamarem de “terroristas” os militares e a população das colónias africanas onde o regime ia roubar o dinheiro para se bastar “orgulhosamente só”. Mais tarde fui entendendo o termo como representando todos aqueles que lutavam pelos seus direitos contra imperialismos alheios. Foi isso que me levou a recusar o recenseamento para integração no serviço militar com a consequente mobilização para "carne para canhão" na Guiné ou em Angola. O 25 de abril safou-me e isso também se deve a todos os jovens negros que, como eu, lutaram pelo Abril nas suas terras africanas.
Hoje, pela multiplicidade de formas guerreiras em todo o mundo, misturando lutas populares ou fratricidas, grupos fundamentalistas ou suicidários, nacionalismos enraizados ou exacerbados, mas sobretudo com a globalização da violência e o poderio cultural do império ocidental, o termo terrorista é usado como “dá cá aquela palha”. Vem isto a propósito de alguns dos posts deste blogue, referindo-se a Yasser Arafat. Lembro-me sempre de um meu professor que numa aula o apelidou de “terrorista que deveria bater as botas”. Quando o questionei não me soube responder. Há pouco, lendo o mesmo blogue e remetido para outro, lembrei-me de questionar ainda outra coisa: se é um milionário que acabou de morrer, mostrem lá as provas dessa vida milionária!

A vida numa colher

Isto das leituras tem épocas, como tudo. Por várias razões [uma importante é o momento de descanso da tese] tenho lido vários álbuns de banda desenhada nos tempos que correm. O José Carlos Fernandes já me tinha falado da veia artística do Miguel Rocha e na primeira oportunidade não resisti. Resultado: apanhei um banho de cor, entre os azuis volúveis dos seus céus alentejanos, os ocres das terras de Siddharta e os vermelhos-sangue das beterrabas, dos milhões de beterrabas que Olegário cultivava como o elixir da sua eterna juventude. Mas para além das soberbas pinturas que são cada uma das vinhetas, Miguel Rocha é ainda um argumentista sólido, dos poucos que aguenta uma narrativa séria e complexa e que se desfaz apenas no remate esperado. Uma obra imparável, na leitura e na beleza gráfica.

p.s.: parabéns ao José Carlos Fernandes pelo prémio de melhor argumento para banda desenhada.

terça-feira, novembro 09, 2004

Os novos políticos

(...) Exp.-As mudanças no PS exigem uma reorientação da estratégia do PSD?
M.R.-José Sócrates é um lider com uma imagem nova mas com ideias velhas. Tenta ser moderado mas está cercado de radicais. O PS é um albergue espanhol. Cabe lá tudo. (...)
[Miguel Relvas, secretário-geral do PSD em entrevista ao «Expresso» de 6/11/04, p. 5]
Que saudades dos velhos políticos!

O Programa da "Poesia 61"

O António Baeta tem estado a publicar poemas de autores do movimento Poesia 61. Quase desconhecido, devido ao abandono da edição poética mas igualmente importante, trago aqui um poeta editado pela Colecção «A Palavra», dirigida em Faro por Casimiro de Brito, no seu nº 6:
PROGRAMA

Pela simples paz a dádiva
das nossas inquietudes
e um pedaço de chão mais nada o chão
das nossas mãos sadias

Talvez serenamente o chão se eleve então
à dimensão dos gritos recolhidos
beijemo-lo depois mais nada um beijo
ou lágrima final mais nada eis tudo

[Candeias Nunes «O Tempo e os Sinais», Faro, 1964]

O Eixo do Mal

Anunciado com pompa e circunstância, o programa «O Eixo do Mal» na SicNotícias. No passado sábado lá vi o primeiro programa e achei-o extremamente desinteressante, por dois motivos: i) o formato está mal pensado, é apressado e imita – mal –, muito do que melhor se fez na televisão portuguesa e americana. ii) é um erro pensar que excelentes bloggers [casos de Daniel Oliveira e Pedro Mexia] se tornam per si excelentes comentaristas em TV. Basta ver que quem se safou melhor ainda foi mesmo a Clara Ferreira Alves.
É natural que o programa melhore, com alterações substanciais de formato, com uma maior experiência dos comentadores e sobretudo com a troca do Nuno Artur Silva como moderador, pois no bastidor é que ele é realmente bom! Mas isso não salva o programa, condenado desde já pela lembrança d’«A Noite da Má-Língua».

quinta-feira, novembro 04, 2004

Cultura cigana na escola

A Sic dá a notícia: numa escola de Portimão, pais (de origem cigana presume-se) entram na escola para bater em duas professoras, após uma repreensão a um dos seus filhos, por motivos de um despique entre alunos. Para dar a dimensão multiétnica da escola, a jornalista diz que a mesma tem alunos de 21 etnias, que depois corrige para nacionalidades. Na verdade, sendo verdade a segunda asserção e não a primeira, isso não traz problema nenhum. Ouvida a presidente do conselho executivo, esta diz: os ciganos têm uma forma própria de funcionar, têm mais solidariedade e pensam que podem fazer justiça pelas suas próprias mãos. Ora bem, sabemos que a entrada na escola de etnias diferentes traz com ela a entrada das suas diferentes culturas, com as quais é preciso lidar de forma intercultural, isto é, negociando as normas inerentes a cada cultura num processo participado por todos. Quase sempre a xenofobia não está nas nossas declarações de intenção, bem como na nossa prática, mas ela espreita sempre que entra em risco a estabilidade dos nossos valores culturais.

Entre a ciência e o senso-comum

Pacheco Pereira (PP) - que põe sempre no que diz uma dose ponderada de análise crítica -, arrasta-se pelo senso-comum quando se trata de falar da problemática do terrorismo. A propósito das eleições americanas [no programa “Quadratura do Círculo”] tenta justificar a vitória de Bush pelo argumento de continuidade da luta contra o terrorismo. Esquece que a guerra não começou por causa do terrorismo; que não haviam armas de destruição maciça no Iraque; que este país não mantinha ligações com a Al Qaeda; que Bin Laden e Saddam foram armados e treinados pelas administrações americanas, quando lhes era vantajoso. Enfim, pede-se um pouco de coerência, como PP pediu a quem apoiou Kerry.

quarta-feira, novembro 03, 2004

O dia da "febre" II

Contorço-me para afastar a incomodidade, encolho-me para mandar às urtigas a febre. Talvez seja das eleições americanas. Pior é pensar que foi uma malvada amigadlite que me apanhou descalço, literalmente três horas dentro de água. Depois, a enxurrada não poupou a família. Disto é que eu não desisto, para ver se sai algum exorcismo!!

O dia da "febre" I

Ontem, ao ver o documentário de Michael Moore sobre o 11 de Setembro, apenas senti uma sensação: nojo, por aquilo que é um troglodita na administração americana. De tal modo que as últimas notícias, sobre eventuais atentados da Al Qaeda no norte da Europa, só podem ser encaradas como mais uma manobra eleitoral. Resta saber se para a Florida, mesmo com os observadores internacionais presentes.

«Diário de Notícias» a saque

Vale a pena ler mais este episódio do «DN»!

terça-feira, novembro 02, 2004

Homenagem a Maria Rosa Colaço

LEMBRANDO MARIA ROSA COLAÇO,
A PEDAGOGA DE «A CRIANÇA E A VIDA»
( antiga colaboradora d’ «A Voz de Loulé» faleceu no dia 13 de Outubro)

A notícia apanhou-me de surpresa. Foi através de um mail de um leitor que fiquei a saber da morte da Maria Rosa Colaço (MRC), uma pedagoga, professora e escritora que marcou gerações de alunos e leitores. A escritora faleceu no passado dia 13 de Outubro e dela, apenas, uma simples nota de rodapé nas televisões. A imprensa, publica pequenas referências e notas biográficas da autora. Uma ignorância e uma tristeza que chocou muitos dos seus antigos alunos. É o caso deste nosso amigo leitor [António Matos Rodrigues] que, triste com a morte da sua antiga professora primária e mais triste ainda pelo cerco de silêncio que se fez à volta dela, decidiu criar um blogue em sua homenagem, com o seu nome, abrindo-o a quem queira testemunhar as suas vivências.
Maria Rosa Colaço publicou vários livros, recebeu alguns prémios, escreveu crónicas jornalísticas e guiões de teatro. Mas o seu trabalho mais conhecido é o livro «A Criança e a Vida», que teve direito a mais de 40 edições, escrito a partir de notas guardadas de redacções dos seus alunos de Cacilhas, nos finais dos anos 50. Desse livro disse Urbano Tavares Rodrigues, ser “um milagre de pedagogia poética”.
Nota: este post é parte de um texto publicado em «A Voz de Loulé» do dia 1 de Novembro. A sua versão integral pode ainda ser lida em "acultura" (se o Sapo o disponibilizar!).